As eleições legislativas estão à porta e as máquinas de campanha dos partidos distribuem esforços pelos mais diversos canais de comunicação para chamar a atenção dos eleitores. Qualquer utilizador de internet e de redes sociais percebe que estas plataformas são hoje mais usadas do que no passado para fazer passar mensagens políticas, mas, e aos olhos de quem trabalha nesta área, o que salta à vista nestas estratégias?
O SAPO TEK falou com duas especialistas em comunicação e marketing para perceber como vêm a atividade das máquinas partidárias nestes canais, quais são as apostas mais certeiras, os erros e o nível de profissionalização das campanhas num mundo digital onde passamos cada vez mais tempo e onde, como seria de esperar, os candidatos também não querem passar sem ser vistos.
Catarina Pestana, CCO e founder da agência BangBang, separa os partidos e a sua abordagem aos canais digitais em dois grupos: aqueles que usam os canais digitais como uma extensão dos canais offline e aqueles que desenvolvem estratégias completamente talhadas para estes meios de contacto. Neste segundo grupo identifica “uma revolução intensa, uma aposta muito forte nestes canais, que se vê sobretudo da parte dos partidos de menor dimensão, nomeadamente os mais radicalizados como um Chega ou uma Iniciativa Liberal” e que resulta numa proximidade e interação muito maior com o eleitor.
A especialista em comunicação e marketing nota que não há um investimento tão claro e tão forte nestes canais dos partidos mais consolidados, como existe dos partidos mais recentes que ainda estão a cimentar um espaço junto dos eleitores e que acabam por ganhar um share muito maior em termos de conteúdos durante a campanha. Neste universo, destaca a Iniciativa Liberal, pela criatividade e o humor “muito no tom das camadas mais jovens”, ou o Chega, pela intensidade da aposta em todos os meios. Até um adolescente sem idade para votar pode ter dificuldade em passar ao lado das mensagens do partido de André Ventura nesta campanha, em canais como o TikTok, brinca a responsável.
“Estas são as eleições onde o vídeo, o chamado short-form content, ganha mais destaque - principalmente com o crescimento do Instagram Reels e do Tiktok”, sublinha também Margarida Lopes da Silva, co-fundadora e managing partner da Aurora. “Mas não importa só estar nas redes sociais. Importa selecionar bem as redes sociais onde aparecemos, e, claro, o tipo de conteúdo que divulgamos”.
A especialista em gestão de reputação, social media e personal branding, que é também professora universitária na área de Comunicação Corporativa e Inteligência Artificial, admite que a comunicação política no digital tem evoluído muito nos últimos anos. “Não coloca em causa os canais tradicionais, mas permite que os partidos (e os seus representantes) cheguem mais longe com as suas mensagens”. Ainda assim, Margarida Lopes da Silva defende que os partidos continuam, na sua maioria, a usar as redes sociais como um repositório documental das ações de campanha. “Divulgam os melhores momentos de arruadas e comícios e excertos dos debates políticos, mas, de uma forma geral, investem pouco na apresentação dos programas políticos e das suas principais propostas”.
Ganha espaço quem fala mais e "mais alto"
A agenda acaba por ser marcada pelos partidos e candidatos que comunicam mais e mais rápido, “o que não implica que comuniquem melhor”, frisa. São eles que obrigam os outros candidatos a passarem muito tempo a reagir e a defenderem-se de polémicas e acusações, ao invés de se focarem na comunicação das suas próprias prioridades políticas.
A mensagem destes partidos nos canais online, nota Catarina Pestana, constrói-se muito em torno do descontentamento que é tipicamente identificado em alguns grupos da população, como os jovens, onde a descrença na política é mais forte, assim como o interesse noutras formas de participação na vida política: “as redes sociais dão uma resposta a isto”.
Os partidos que melhor exploram o campo digital sabem aproveitar estes canais para mostrar que têm “respostas partidárias para questões que interessam aos jovens, como os temas da imigração, do trabalho e outras”.
Os discursos da campanha, assinala também Margarida Lopes da Silva fazem-se com frequência pelo ataque, tanto a outros candidatos, como até a comentadores televisivos. “Existe uma negatividade acentuada, onde se destacam os problemas, mas raramente se apresentam soluções”. A rede social X, ex-Twitter, será aquela onde isso mais se verifica. “Cada polémica que surge, faz emergir vídeos e declarações antigas, por vezes com mais de 20 anos. E começa toda uma nova onda de justificações”. Isso acontece, acredita a responsável, até pela própria natureza das redes sociais, que evoluiu para o consumo rápido de conteúdos, e beneficia muito pouco os candidatos. “A política de consumo rápido é antagónica ao debate e à explicação de propostas e os candidatos beneficiam pouco de uma carga negativa que cria desgaste, afeta a imagem pública do sector e apenas beneficia a criação de ruído”, que acaba depois por ter eco já fora das redes sociais.
Por partidos, Margarida Lopes da Silva vê as forças políticas do chamado arco da governação, PS e PSD, a criarem “estratégias mais duradouras, a divulgarem vídeos e fotografias de campanha quase em tempo real e testemunhos de pessoas, mas em formatos de vídeo mais trabalhados”. Estes são formatos que acabam por ficar fora “da onda de consumo rápido” a que um eleitorado mais jovem está habituado nas redes sociais.
Já a Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda e Chega que “apostaram tanto ou mais que os dois maiores partidos na criação de conteúdo” conseguem conquistar espaço junto de novos eleitores. São partidos que souberam acompanhar as tendências das várias redes sociais e que reagem rápido, quando é necessário.
“Se por um lado os conteúdos de consumo rápido não favorecem o debate, são altamente eficazes no efeito que têm porque não obrigam os eleitores a refletir sobre o que estão a ouvir e exploram o efeito de confirmação das crenças dos eleitores”.
A forma como cada partido materializa esta aposta nas redes sociais é depois, ainda assim, diferente. Margarida Lopes da Silva nota que a Iniciativa Liberal foi o único partido que optou por dinamizar os perfis dos seus porta-vozes no LinkedIn, a rede social corporativa. O Chega tem apostado na criação de vídeo, com especial enfoque no TikTok, onde várias contas, quer em nome do partido quer em nome dos seus representantes, partilham conteúdos várias vezes ao dia - numa quantidade muito superior à de qualquer outro candidato. “O Livre e o PAN apostaram menos na criação de conteúdos em vídeo, e na criação de conteúdo multiplataforma, tendo por isso conteúdos com menos engagement e alcance nas redes sociais”, acrescenta a especialista em comunicação. O “Facebook continua a ser utilizado por todos os partidos, mobilizando, em alguns casos, milhares de pessoas por post”.
Candidatos piscam o olho ao público dos influenciadores digitais
Outra curiosidade da campanha, sinal dos tempos para Margarida Lopes da Silva, é a forma como os candidatos aderiram a programas online, aceitando convites para séries no Youtube e podcasts de influenciadores de várias idades e targets. “Estamos a navegar em terrenos novos, o que ainda torna difícil medir o real impacto de cada uma destas iniciativas”.
Com tanto potencial para chegar a mais gente mais depressa, as redes sociais trouxeram também um risco acrescido para dar escala à desinformação. Catarina Pestana vê na forma como os “debates têm sido guiados e respondidos uma mistura entre aquilo que é o jornalismo, o comentário e a intriga como um todo”, que tem sido propensa à geração de conteúdos que acabam por viralizar nas redes sociais.
Este tipo de conteúdos a par dos conteúdos mais emocionais, como um Pedro Nuno Santos que chora no programa Alta Definição da SIC, contam com as redes sociais para ganhar uma dimensão e um lugar na agenda política, que de outra forma provavelmente não teriam. O efeito acaba por ser ainda mais ampliado com a tendência cada vez maior para “ler as gordas e saltar diretamente para as caixas de comentários”. “Tudo isto são peças de xadrez”, lembra a Chief Creative Officer da BangBang, que alguns atores políticos exploram mais do que outros, mas a tendência geral é querer estar em todo o lado, mesmo sem se estar bem preparado para isso.
“As marcas querem estar onde está o seu target e muitas vezes, não fazendo parte daquilo que deveria ser a sua estratégia de comunicação, querem estar em determinado canal só por isso. Com os partidos passa-se um pouco o mesmo”.
Os partidos mais institucionais fazem-no levando essa mesma postura institucional para a comunicação digital. Os que ainda tentam consolidar o seu espaço entre o eleitorado seguem estratégias mais arrojadas, como também fazem fora dos canais digitais. O grande elo de ligação entre uns e outros acaba por estar na vontade de marcar presença nestas novas plataformas. E poderia ser de outra forma? Margarida Lopes da Silva acredita que não: “estar ou não nos vários canais de comunicação digitais não é apenas uma escolha dos partidos, muito menos em contexto de eleições”.
Uma medida proposta por um partido pode tornar-se trend no X mesmo que o partido não a tenha divulgado lá, mesmo que o partido não tenha sequer conta naquela rede social. Com ou sem intervenção direta dos partidos, as redes sociais transformaram-se num espaço de debate político, “será um erro ignorar que está ali a opinião pública espelhada”, admite a responsável da Aurora.
Redes sociais estão a ajudar a promover a democracia ou nem por isso?
Mas, o que mais nos deve fazer refletir hoje não é o facto dos partidos estarem a trocar de canais para comunicar com os eleitores, mas “se o digital está a ser usado como a ferramenta que podia ser para fortalecer a democracia, ou se é exatamente o contrário”, sublinha Catarina Pestana.
Um pouco por todo o mundo partidos radicalizados têm usado estas “armas poderosíssimas e modelos muito eficazes” para acelerar a “disseminação de ideias que não se suportam necessariamente em factos”. Recorrem a contas falsas para fazer comentários e manipular algoritmos, aproveitando a lógica de uma indústria onde “não deitar todas as contas fake abaixo faz parte do negócio”, acrescenta a responsável da BangBang.
Fake news, ausência de legislação específica nesta matéria, dificuldade na monitorização do cumprimento das regras que cada plataforma até tem, bots e perfis falsos a interagir com os conteúdos, podem ser uma combinação explosiva para “criar um sentimento negativo em massa em relação a um candidato ou tema, numa questão de poucas horas”, admite também Margarida Lopes da Silva. Desfazer esse sentimento já será mais difícil, como mostram as muitas análises onde se conclui que uma informação incorreta alcança sempre mais pessoas na internet do que a sua correção.
Os sinais de alguma habilidade dos partidos para gerir estes fatores de sucesso e insucesso começam a surgir. Catarina Pestana não trabalha com marketing político mas para além de conhecer muito quem o faça com alcance nesta área das redes sociais, reconhece os sinais de apoio profissional na comunicação digital dos partidos. Margarida Lopes da Silva também identifica alguma evolução ao nível da produção de conteúdos e da mensagem política nos canais digitais, mas sublinha que ainda “há claros sinais de falta de profissionalização na presença digital dos atores políticos" e acredita que “estamos muito longe da sofisticação que vemos noutros países ocidentais”.
As redes sociais podem ser uma plataforma altamente eficaz para criar identificação e legitimidade política, mas isso requer estratégia, tempo e recursos e não olhar para estes canais como uma “espécie de repositório ou panfleto digital”. Em Portugal existirá ainda muito “uma certa ideia de que conteúdo nas redes sociais é low cost”. A dimensão estratégica será aquela onde os partidos têm um salto maior para dar. Até lá “há pouco pensamento estratégico e muita tática”, defende a responsável.
Este artigo integra um especial sobre as eleições nos canais digitais que o SAPO TEK publica nos próximos dias
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