A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) denuncia que a proposta de nova Lei das Comunicações Eletrónicas, que foi aprovada em Conselho de Ministros a 1 de abril, dando entrada no Parlamento no dia 9 do mesmo mês, admite o tratamento de dados pessoais não necessários à execução de um contrato como contrapartida do serviço prestado, “repudiando veementemente” a mercantilização de dados.

Segundo o parecer assinado nesta terça-feira por Filipa Calvão, presidente da CNPD, a "grande novidade" da proposta de lei é a de definir o conceito de remuneração como "contrapartida pela prestação de serviços de comunicações eletrónicas, que pode ser assegurado pelo utilizador final ou terceiro, abrangendo o pagamento de uma quantia pecuniária".

Abrange ainda os casos em que, "como condição de acesso ao serviço, são solicitados ou fornecidos, direta ou indiretamente, dados pessoais [...] ou os casos em que é permitido o acesso a outras informações geradas automaticamente ou o utilizador final é exposto a publicidade".

No parecer, realizado a pedido da comissão parlamentar de economia, a CNPD defende que, ao assumir-se numa norma legal que a remuneração de um serviço de comunicações eletrónicas pode corresponder ao fornecimento de dados pessoais, "está a reconhecer-se a possibilidade de monetização ou mercantilização dos dados pessoais, o que "nunca foi reconhecido" nem na ordem jurídica portuguesa nem na legislação da União Europeia.

"Na verdade, uma tal previsão tem subjacente uma visão materialista dos dados pessoais, embebida na perspetiva da proteção dos dados pessoais como manifestação do direito de propriedade sobre os dados, que não é, manifestamente, a ratio subjacente" à Constituição e à Carta dos Direitos Fundamentais na União Europeia.

A CNPD lembra que o direito à proteção de dados é uma garantia fundamental do respeito pela vida privada, da liberdade e do livre desenvolvimento da personalidade, bem como do direito à não discriminação, e conclui que tal perspetiva "não tem tradução no articulado da diretiva" que se quer transpor.

"E não tem, precisamente, porque a previsão de uma disposição a definir o conceito de remuneração, como o que se encontra na presente proposta de lei, colidiria grosseiramente com o estatuído no Regulamento Geral de Proteção dos dados (RGDP), ao admitir o tratamento de dados pessoais não necessários à execução de um contrato pudesse ser contrapartida de um serviço prestado no contexto da relação contratual".

Filipa Calvão conclui que a CNPD "repudia veementemente" o conceito de remuneração da proposta de lei, "uma vez que aí se reconhece a possibilidade de monetização ou de mercantilização dos dados pessoais", "criando um novo fundamento de ilicitude do tratamento", fora do mandato conferido pelo legislador da União e "em violação clara" do RGDP.

A comissão diz que tal conceito "inverte a conceção humanista" do direito fundamental à proteção dos dados pessoais subjacente à Constituição e à Carta, "esquecendo a dignidade humana como fim primeiro e último da consagração dos direitos, liberdades e garantias".

Recorde-se que a proposta de nova Lei das Comunicações Eletrónicas pretende transpor para o ordenamento jurídico nacional o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas (CECE), criando um serviço universal de Internet a preço acessível e fixando uma velocidade mínima de acesso e a obrigatoriedade de os operadores informarem atempadamente os clientes antes da renovação automática do contrato.

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Recorde-se que, a 6 de maio, foi aprovada em Conselho de Ministros a aplicação da tarifa social da Internet, que será aplicada de forma automática, prevendo um desconto no preço do acesso à internet para as famílias com baixos rendimentos.

A medida só deverá ser efetiva no segundo semestre de 2021, com descontos nas faturas de telecomunicações de 700 mil famílias. Nos serviços considerados básicos estão incluídos os serviços do Estado, ferramentas educativas, email, serviços bancários, consulta de jornais, acesso às redes sociais, mensagens instantâneas e chamadas e videochamadas, entre outros.