Um tribunal de recurso nos Estados Unidos reverteu uma decisão de primeira instância e considerou que há matéria para levar a julgamento a queixa de uma mãe que responsabiliza o TikTok pela morte da filha, na sequência de um desafio na rede social.

O desafio em causa viralizou em 2021. Era conhecido como "apagão" ou Blackout Challenge e consistia em apertar o pescoço até perder os sentidos. Nylah Anderson, de 10 anos, foi encontrada pela mãe desmaiada no quarto depois de tentar. Morreu cinco dias mais tarde. Este é o mesmo desafio que, também em 2022, chamou a atenção dos media por ter provocado danos cerebrais irreversíveis num menino britânico de 12 anos, Archie Battersbee. Na altura a mãe lutava pelo direito a manter ligadas as máquinas que mantinham o filho vivo num hospital

As diferenças na interpretação da lei por parte dos juízes que analisaram a queixa da mãe americana dita as conclusões também elas diferentes a que chegaram, sobre a consistência dos argumentos para que o caso possa ser julgado. A legislação norte-americana iliba empresas com sites e plataformas online de responsabilidades pelo teor de conteúdos publicados por terceiros nos seus canais de divulgação.

Em causa está a secção 230 do Communications Decency Act, uma legislação de 1996, quando nem existiam redes sociais. Ou melhor, existia há cerca de um ano um dos primeiros serviços hoje classificados como tal, o Classmates.com, para desfrutar ao ritmo lento de uma internet pré-ADSL (a tecnologia que acelerou a internet antes da chegada da fibra).

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O primeiro juiz que avaliou a queixa e decidiu que não tinha bases para prosseguir para julgamento ficou pelo essencial da lei. O tribunal de recurso admite que o prestador do serviço não é totalmente alheio ao conteúdo que o utilizador vê, quando tem um algoritmo a personalizar esse conteúdo.

Esse é aliás o grande argumento da queixa da mãe, que diz que a filha não tinha maturidade para perceber as consequências do desafio que lhe foi sugerido pela rede social nos conteúdos Para Ti, ou seja, personalizados para si pelo algoritmo. Os juízes admitem o mesmo.

“O TikTok faz escolhas sobre os conteúdos recomendados e promovidos a utilizadores específicos e, ao fazê-lo, está a torná-los no seu próprio discurso”, sustenta Patty Shwartz, juíza do tribunal de Filadélfia, no parecer emitido esta terça-feira.

“Nylah, ainda no primeiro ano da sua adolescência, provavelmente não fazia ideia do que estava a fazer, ou que seguir as imagens no seu ecrã a mataria. Mas o TikTok sabia que Nylah assistiria porque o algoritmo personalizado da empresa colocou os vídeos na sua 'Página para ti'”, acrescenta ao mesmo parecer o juiz Paul Matey.

A mãe da criança intentou a ação ainda em 2022, como disse na altura, com o propósito de evitar que estes tipo de desafios continuem a ser promovidos pelas redes sociais onde são divulgados e para que outras famílias não tivessem de passar pela experiência da sua.

A nova decisão reenvia o caso para um tribunal de primeira instância e para julgamento e pode animar o debate sobre a capacidade das leis atuais para defenderem os utilizadores dos riscos inerentes à utilização de plataformas online, tendo em conta que estas passaram a estar em todas as áreas das nossas vidas, a todo o momento. Este é um debate que a Europa já teve e que acabou por resultar nos novos regulamentos dos mercados e serviços digitais, que definem as responsabilidades de cada prestador de serviços sobre aquilo que faz chegar ao utilizador, em função do seu tamanho e relevância.

“O parecer de hoje é a declaração mais clara até à data de que a Secção 230 não oferece a proteção global que as redes sociais têm afirmado”, sublinha Jeffrey Goodman, advogado da família da menor.

Nos últimos anos dezenas ou centenas de desafios tornaram-se virais nas redes sociais e há para todos os gostos. O desafio do banho de água gelada em 2014, por exemplo, converteu-se na campanha mais bem-sucedida de sempre sobre a Esclerose Lateral Amiotrófica. Permitiu à associação americana da doença angariar mais de 115 milhões de dólares para I&D.

A maior parte dos desafios das redes sociais, no entanto, têm motivos menos nobres, muitos têm pouco sentido e alguns são perigosos. O “apagão” não é o primeiro associado a mortes e lesões graves, sobretudo de jovens que usam a rede social com pouca supervisão. Pelo conceito e pela capacidade de viralizar conteúdos, o TikTok tem-se destacado como plataforma mais comum para a disseminação destes desafios.