Nos serviços de banca digital, como noutros, os assistentes digitais não são uma novidade. É aliás difícil que nunca se tenha cruzado com um chatbot que oferece ajuda quando tenta usar um serviço digital. Em muitos casos a experiência não é brilhante e não deixa saudades, uma constatação que quem trabalha nesta área também faz.
“Numa indústria de inteligência artificial que foi sempre muito pautada por um certo hype e over-promising, ainda é difícil aos dias de hoje interagir com assistentes digitais que providenciem uma boa experiência”, admite Rui Lopes, CEO da AgentifAI.
A explicar estas más experiências podem estar diferentes questões. Desde logo a tecnologia, que tem amadurecido na capacidade de aprendizagem e de processamento de linguagem natural. Por outro lado, há que considerar o nível de exigência que se mantém do lado humano da equação, na validação da informação que o chatbot vai usar.
“Muitas vezes a culpa não é da IA, é dos dados, que foram ou não inseridos, e do facto de existir - ou não - uma escala de assistentes disponíveis para responder, quando o chatbot não consegue fazê-lo”, explica Gonçalo Consiglieri, COO da Visor.ai.
“A IA por si só não vai resolver nada se quem interagir com as soluções e as gerir também não fizer um bom trabalho. É um trabalho de equipa”. Começa com código e qualidade dos dados que alimentam a solução inicial e contínua com a retroalimentação e validação desses dados.
A manutenção das soluções de conversational AI ainda pode ter uma componente pesada de “human in the loop” quando a confirmação de conhecimento está baseada em perguntas frequentes, cuja gestão consome tempo e recursos, nem sempre fáceis de alocar. “O nosso sistema não aprende nada automaticamente porque nós não queremos, queremos que haja sempre alguém do banco a validar se aquele conhecimento faz sentido”, exemplifica Gonçalo Consiglieri.
Ter alguém de carne e osso a validar informação é uma segurança para a qualidade do resultado, mas que tem o seu impacto na evolução das soluções. A consistência e o nível de integração dos sistemas das empresas, onde a tecnologia vai beber informação também tem a sua quota no resultado final da solução que vai falar com o cliente. “A IA vai exponenciar a base onde for colocada”, acrescenta o responsável da Visor.AI.
Que impacto tem o ChatGPT na banca?
Os novos desenvolvimentos da tecnologia, baseados em Large Language Models, como as soluções do tipo do ChatGPT, vêm agilizar a quantidade e a velocidade de dados que se consegue pôr ao alcance dos algoritmos, mas sector regulado e sensível como o financeiro isso ainda não chega para resolver todos os problemas, embora ajude.
“As novas soluções baseadas nestes modelos não conseguem garantir per se a exatidão das respostas, a sua coerência, a rastreabilidade das decisões tomadas, nem a compliance no que toca ao acesso, arquivo e uso de dados” que os bancos têm de assegurar, explica Rui Lopes.
Quando alguém em nome de um banco responde à pergunta de um cliente, as respostas têm de estar alinhadas com as regras de segurança e compliance, ter em conta o possível acesso a dados pessoais ou envolvimento em operações transacionais. Têm de ser “100% corretas e rastreáveis - não pode haver margem para erros nem ‘alucinações’ dos modelos de IA em mercados regulados como a banca”, sublinha o fundador da AgentifAI.
Foi o que procurou fazer a tecnológica de Braga, que trabalha há quase uma década nesta área, quando criou a Alice, a assistente digital que desenvolveu para os sectores da banca e da saúde. A tecnologia já foi distinguida com alguns prémios internacionais. O mais recente foi ganho pela Caixa Geral de Depósitos, o “Best Use of AI - Intelligent Assistant”, nos Banking Tech Awards.
A empresa diz que a diferenciação está no nível de experiência que já consegue proporcionar - a interação é feita em linguagem natural - e precisamente na especialização. “A capacidade de compreender com exatidão os pedidos dos utilizadores e traduzir essas necessidades em operações complexas (como um pedido de crédito pessoal) requer uma especialização” que não está disponível em soluções generalistas.
A Alice consegue compreender 96% dos pedidos dos clientes, que podem ser recebidos através de uma chamada telefónica de voz, no site ou na aplicação móvel do banco, graças a processos que ficaram automatizados. Para além de responder aos contactos recebidos, a assistente pode fazer contactos informativos ou comerciais de forma proativa. Na banca, a tecnologia da AgentifAI é usada, por exemplo, pela Caixa Geral de Depósitos e pelo BPI.
A solução já consegue assegurar cerca de 40 operações financeiras de base, que podem evoluir na medida das necessidades. Um dos casos de utilização inovadores citado pela empresa é o pedido de crédito pessoal. A assistente digital foi programada para gerir todo o processo com o cliente de forma automática e autonomamente, num diálogo que vai do pedido à disponibilização de fundos. A Alice está também a ser usada para responder a pedidos de ativação de cartões, processos de atualização de dados pessoais, recuperação de crédito, para além de dar apoio às operações bancárias mais banais do dia-a-dia.
Futuro da IA na interação com clientes passa por onde?
Rui Lopes acredita que o futuro para a AgentifAI passará pela criação de “assistentes digitais cada vez mais personalizados e humanizados. Na banca, a tecnológica acredita que, no limite, será possível fornecer a cada cliente de um banco o seu assistente pessoal que “cuidará de todas as suas necessidades e preocupações no domínio financeiro de uma forma totalmente personalizada e conveniente”.
A Visor.Ai quer continuar a ajudar as empresas a automatizar funções no contact center e a criarem chatbots inteligentes com a sua plataforma de IA conversacional e tirando partido dos seus algoritmos. Acredita que no futuro será cada vez mais possível fazê-lo com menos impacto da componente de validação de conhecimento e alargando o espectro de bases de conhecimento consideradas.
Hoje há nove bancos em Portugal a usar a tecnologia da empresa, para agilizar processos internos e com clientes em diferentes tarefas, numa mudança que acontece principalmente dentro de portas, mas que tem o seu reflexo para o exterior. Por exemplo, na recuperação mais rápida e sem intervenção humana da password de acesso aos serviços online. Quando o cliente falha a senha, o chatbot oferece ajuda e dá início aos passos necessários para a recuperação. Para o cliente o processo tornou-se mais rápido, para o banco pouparam-se milhares de horas de trabalho dos colaboradores que assistiam estas funções. Outro banco está a usar a tecnologia para preparar uma nova jornada automatizada de abertura de conta, que termina com uma videochamada, para poder cumprir o requisito legal presencial associado.
A startup quer juntar a esta linha de negócio uma segunda, tirando partido do potencial da inteligência artificial para validar qualidade das interações nos call centers, sejam feitas por bots ou por humanos. Hoje, como explica Gonçalo Consiglieri, auditar a qualidade destas interações faz-se a partir da análise de 2% das comunicações.
“Hoje [com os LLM] já são possíveis coisas como enviar um PDF com boas práticas do contact center, um documento de preços, ou o Regulamento Geral de Proteção de Dados para um algoritmo, que é capaz de construir um conjunto de questões relacionadas com aqueles temas, para ir auditar o histórico de interações do contact center e verificar se está em conformidade com as normas internas ou externas”.
A Visor.ai já está a criar uma ferramenta deste tipo, no âmbito da participação no consórcio de Responsible AI, financiado pelo PRR. O objetivo é escalar a capacidade de auditar as atividades dos contact centers, usando a IA como uma espécie de ROC (Revisor Oficial de Contas) destas atividades. Começou pelo RGPD.
Visor.Ai e AgentifAI estão de olho na internacionalização e querem levar o seu contributo para um novo nível de experiência nas interações com sistemas automáticos a diferentes mercados. A primeira já tem uma presença física em Espanha, clientes em Angola e no norte de África e planos para abrir uma sucursal no Brasil. A AgentifAI também já iniciou o processo em várias frentes. Até final do ano quer concretizar a presença física em mercados internacionais e já em 2024 espera apresentar os primeiros clientes de maior dimensão nos Estados Unidos e em mercados europeus.
Este artigo integra um especial sobre banca digital, que o SAPO TeK vai publicar ao longo da semana, com a participação de alguns dos principais protagonistas deste mercado. Veja o que já mudou no BPI, na Caixa, Novo Banco e Montepio, graças à aposta na digitalização dos serviços ao cliente e das operações que os suportam e conheça os planos dos bancos para o futuro, nesta área digital.
A inteligência artificial e os assistentes virtuais foram um tema incontornável nas conversas que serviram de base a este trabalho, sobre o qual valeu a pena ouvir as portuguesas Agentifai ou a Visor.Ai.
As fintechs são outro fator incontornável na nova equação do panorama dos serviços financeiros. São menos aquelas que arriscam dirigir-se ao consumidor final, mas algumas fazem-no e estão em Portugal. Com que ofertas? É isso que contam a Revolut, a Klarna a a Nickel.
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