Há previsões a indicar que em 2030 a maior parte das atividades bancárias estarão concentradas no smartphone e que, em termos funcionais, a generalidade dos países terá deixado de usar dinheiro físico já nessa altura (Globaldata). Os bancos têm vindo a preparar-se para esta e outras mudanças que se impuseram, com fortes investimentos em inovação e na reengenharia de processos.
“Se a aceleração do ritmo de inovação tecnológica na última década alterou dramaticamente o comportamento dos agentes em todos os sectores económicos”, na banca não foi diferente. “Pelo contrário, a transformação digital das instituições financeiras é um imperativo que vai muito para além da vertente de cliente – produto, canais, ou experiência”, sublinham Rui Gonçalves e João Patrone, respetivamente, partner de technology consulting e diretor de deal advisory da KPMG Portugal.
“O sector bancário tem vivido uma realidade particularmente desafiante desde a crise financeira de 2008, no contexto de uma década de taxas de juro baixas/negativas, de uma agenda regulatória muito exigente e da necessidade de resolver questões associadas à qualidade dos ativos”, lembram Rui Gonçalves e João Patrone.
A tecnologia acabou por se impor como uma espécie de “alavanca de eficiência operacional”, num tempo de mudanças profundas em todo o modelo de operação.
O caminho está a ser feito. Em Portugal, a banca tem a seu favor um historial longo de adoção e aplicação de tecnologia, de que é exemplo a rede Multibanco da SIBS, “uma inovação disruptiva no seu tempo, mesmo em comparação com outros mercados europeus”, sublinham os consultores.
Mais recentemente, a KPMG destaca um conjunto de primeiros resultados positivos da digitalização do sector. Desde logo, a inovação nos modelos de negócio e a entrada de novos players. A disponibilidade e adesão generalizada de canais digitais e as inovações catalisadas pela introdução da PSD-2 (a versão revista da diretiva dos serviços de pagamentos), com o lançamento de novas opções de pagamentos através de QR codes, ou contactless (em cartões, telefone, ou wearables).
Junta à lista a automatização de processos de negócios e o seu impacto na relação com o cliente, a adoção de modelos de entrega ágeis, ou a modernização de componentes críticos de sistemas legados seguindo princípios de “security-by-design” e recorrendo a plataforma de dados modernas, como a cloud.
Por explorar continuam outras oportunidades. As mais óbvias, para Rui Gonçalves e João Patrone estão na “análise avançada e na extração de valor dos dados [dos clientes]” para melhorar serviços e experiência de utilização.
Os especialistas elegem mesmo esta como uma das áreas onde a banca terá de estar preparada para acomodar mudanças profundas, que vão ter impacto na sua capacidade de prestar serviços. Além dos dados e da capacidade de processamento desses dados, provenientes de fontes externas e integrados nos processos de negócio, cabem aqui a regulação e a tecnologia. Neste último ponto sublinham-se o impacto da adoção generalizada de 5G, a blockchain ou a Inteligência Artificial.
A inteligência artificial já é aliás o tema do momento. Tem vindo a ser usada pelos bancos nos mais diversos projetos e formas, mas os holofotes viraram-se agora para os assistentes virtuais, à boleia da “febre” do ChatGPT. Já foram anunciados vários projetos nesta área (há também alguns que funcionam já há anos, como a “Caixa” da CGD, a M.A.R.i.A do Montepio ou a Bia e a Beatriz do Bankinter, mais recentes). Vários outros devem ser anunciados em breve.
“Nos últimos meses houve muitas mudanças com a chegada do ChatGPT, que veio trazer algo que já andava a ser cozinhado há muito tempo, a tecnologia que está no centro da aplicação”, admite Gonçalo Consiglieri, COO da Visor.ai
A startup portuguesa é dona de uma solução de automação para serviços de apoio ao cliente, já usada por vários bancos portugueses. “Tudo o que são áreas com contacto com o cliente final estão com um interesse enorme, maior do que nunca, na implementação de soluções de IA, sobretudo se tiverem integração com os LLM - Large Language Models, como o GPT, porque já conseguiram perceberam a grande mais-valia para os seus negócios e a diferenciação que pode trazer”.
A par do entusiasmo, o co-fundador da Visor.ai identifica alguma incerteza nas áreas de legal e compliance dos bancos ainda, perante este tipo de soluções, principalmente quando não é claro onde ficam guardados os dados pessoais envolvidos (União Europeia vs fora do espaço europeu), mas os projetos seguem, como também destaca Rui Lopes, fundador da Agentifai, a tecnológica de Braga que criou a assistente virtual da Caixa, premiada internacionalmente no ano passado.
“A banca em Portugal está a ser pioneira na adopção desta tecnologia e, enquanto empresa portuguesa, temos muito orgulho de sermos um catalisador dessa adopção”, refere Rui Lopes, CEO da Agentifai.
Toda uma nova geração de assistentes virtuais promete abrir caminho a uma nova forma de interação entre os bancos e um cliente que usa cada vez mais os canais digitais. Segundo as contas da Juniper Networks, já em 2024 3,6 mil milhões de pessoas vão usar serviços bancários através de canais digitais e 39% dos utilizadores destes serviços já elegem hoje as apps como forma de acesso preferencial às contas bancárias (Lightico).
Portugal está longe de liderar tendências nesta matéria e segundo os números do Eurostat o país surge como 20º em 39 analisados no que se refere ao acesso à internet para usar serviços de banca online. Mas a transição para a banca digital também é massiva.
“As restrições impostas pela pandemia ajudaram a quebrar as últimas barreiras e assistimos hoje a uma tendência crescente de clientes que procuram uma relação 100% digital com o banco”, confirma o Montepio.
Para muitos serviços, os canais digitais já são mais usados que os canais tradicionais, sobretudo nas operações mais frequentes, como consultas de saldos e movimentos, transferências, pagamentos de serviços, pagamentos ao Estado ou à segurança social, confirma também o banco.
A facilidade de acesso, e em muitos casos também o facto de as operações serem mais baratas online que num balcão, ajudam a explicar uma preferência que se destaca em algumas faixas etárias, mas que acaba por ser transversal.
“Existem diferenças no perfil dos clientes. Por exemplo, entre os 25 e os 65 anos os clientes ativos já são praticamente todos digitais, mas esta utilização é transversal em todos os perfis, sendo as diferenças relacionadas essencialmente com complexidade ou montante da operação”, confirma Sérgio Miguel Santos, diretor executivo Experiência Particulares e Unidade de Canais do BPI, revelando que a utilização dos canais digitais do banco mantém-se com taxas de crescimento anuais superiores a 10%.
João Dias partilha outro dado sintomático desta mudança. No Novo Banco, em 2015, 7% clientes acediam aos serviços do banco via telemóvel, hoje são quase 70%. Como refere o Chief Digital Officer, é uma evolução que não deixa dúvidas sobre o papel dos smartphones na democratização do acesso a um conjunto de serviços, nomeadamente bancários.
As fintech têm também o seu papel nesta mudança, seja como parceiras dos bancos tradicionais, com tecnologias que ajudam a modernizar serviços, seja como concorrentes, quando operam no mercado de consumo. Um estudo recente da KPMG mostra que a maior parte das fintech em Portugal estão orientadas para o mercado B2B (75%).
No consumo, Rui Gonçalves e João Patrone identificam dois perfis principais de empresas: As que se posicionam como substitutos dos bancos tradicionais (como a Revolut) e as que se focam em nichos de mercado específicos muito rentáveis e menos regulados (como a Klarna).
Os responsáveis defendem, no entanto, que o crescimento das fintech B2C continuará “condicionado pela capacidade dos players tradicionais concorrerem de forma eficaz e eficiente e pela agenda regulatória, que tenderá a abarcar cada vez mais também as empresas que operam nestes nichos”, nivelando as condições de acesso ao mercado.
A Nickel, que se estreou em Portugal no ano passado com uma oferta que simplifica a abertura e gestão de uma conta bancária, acrescenta que “o mercado nacional de soluções financeiras está muito fechado e concentrado”. João Guerra, CEO da Nickel em Portugal, admite que “há muitas barreiras à entrada de novas empresas internacionais”, o que acaba por minar o interesse de muitos projetos numa possível expansão para Portugal.
“Para resolver este problema é preciso, sobretudo, uma maior harmonização com a legislação europeia, menos diferenças entre os mercados e a promoção de concorrência saudável entre os bancos tradicionais e novas soluções que têm um maior foco em nichos do mercado”, acredita a empresa do grupo BNP Paribas.
Este artigo integra um especial sobre banca digital, que o SAPO TeK vai publicar ao longo da semana, com a participação de alguns dos principais protagonistas deste mercado. Veja o que já mudou no BPI, na Caixa, Novo Banco e Montepio, graças à aposta na digitalização dos serviços ao cliente e das operações que os suportam e conheça os planos dos bancos para o futuro, nesta área digital.
A inteligência artificial e os assistentes virtuais foram um tema incontornável nas conversas que serviram de base a este trabalho, sobre o qual valeu a pena ouvir as portuguesas Agentifai ou a Visor.Ai.
As fintechs são outro fator incontornável na nova equação do panorama dos serviços financeiros. São menos aquelas que arriscam dirigir-se ao consumidor final, mas algumas fazem-no e estão em Portugal. Com que ofertas? É isso que contam a Revolut, a Klarna a a Nickel.
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