Hoje assinala-se o Dia Internacional da Mulher, data reconhecida oficialmente pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975 e que, este ano, segue o mote “Para todas as mulheres e raparigas: direitos, igualdade e empoderamento”.

As áreas STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) continuam a ser um dos campos em que a desigualdade de género se faz sentir. Embora a representação de mulheres que trabalham em áreas STEM tenha vindo a crescer desde 2016, dados do Global Gender Gap Report 2024, do Fórum Económico Mundial, indicam que a presença feminina ainda é subrepresentada, perfazendo 28,2% da força laboral. Por comparação, a percentagem de mulheres que trabalham em áreas não STEM é de 47,3%.

Além disso, a falta de mulheres em posições executivas assume maior expressão nestas áreas. O relatório realça que tal coloca as mulheres numa posição de dupla desvantagem no que respeita às sua progressão profissional, à medida que continuam a trabalhar em cargos onde as perspectivas de crescimento não são as melhores, em que os salários são mais baixos, e que têm maior probabilidade de serem impactados a curto prazo.

Mal pagas, sub representadas e com baixo financiamento. Mulheres na tecnologia ainda fora do "clube dos rapazes"
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Como realça a ONU, para combater estas tendências é necessário “empoderar as próximas gerações” para que sejam “catalistas de uma mudança duradoura”. Para inspirar raparigas e mulheres a seguirem as suas ambições e a demonstrarem as suas capacidades é necessário ter bons exemplos. Felizmente, são vários os casos de pioneiras que deixaram a sua marca na história, aos quais se juntam os de mulheres que, atualmente, continuam a lutar pela representação nas tecnologias.

Seguindo esse espírito, embarcamos numa viagem pelo tempo para recordar algumas das figuras femininas mais importantes e que transformaram o mundo das tecnologias de informação e comunicação.

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Augusta Ada Byron King, ou Ada Lovelace, viveu entre 1815 e 1852 e é reconhecida como uma das figuras mais icónicas da história da computação. Condessa de Lovelace e filha do poeta Lord Byron, desenvolveu desde jovem um interesse pela matemática, em grande parte por influência da mãe.

Conhecida como a primeira “programadora” da história, escreveu a descrição do primeiro mecanismo de Charles Babbage. Em 1953, a informação que escreveu, que se afirma como a primeira descrição conhecida de um computador e de software, foi republicada numa compilação feita pelo cientista inglês Bertram Vivian Bowden, chamada "Faster than Thought: A Symposium on Digital Computing Machines”.

Ada Lovelace | Note G
Ada Lovelace | Note G Diagrama do Note G, o primeiro algoritmo computacional, escrito por Ada Lovelace. Ada Lovelace, Public domain, via Wikimedia Commons

Entre 1977 e 1983, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos contratou uma equipa de especialistas, liderada pelo francês Jean Ichbiah, para desenvolver uma linguagem de programação que pudesse ser usada transversalmente nos seus sistemas. Como homenagem, a linguagem ganhou o nome Ada.

Quando era jovem, Hedy Lamarr começou por ter interesse por tecnologia e pela arte da invenção graças ao seu pai, conta Richard Rhodes, biógrafo da icónica atriz, na obra “Hedy's Folly: The Life and Breakthrough Inventions of Hedy Lamarr” de 2012.

Mulheres que marcaram a história da tecnologia
Mulheres que marcaram a história da tecnologia Hedy Lamarr no filme "The Heavenly Body" (1944) MGM, Public domain, via Wikimedia Commons

Apesar do interesse, acabou por seguir uma carreira diferente e ganhou destaque como estrela de cinema. Mas a vontade de inventar ainda estava presente. Durante a Segunda Guerra Mundial, Hedy Lamarr desenvolveu com o compositor George Antheil uma técnica Frequency Hopping, que permitia guiar torpedos. 

A ideia foi patenteada e apresentada à Marinha dos Estados Unidos que, na altura, a rejeitou. Porém, a técnica voltaria a ser aplicada pela Marinha na década de 60, durante a crise dos mísseis de Cuba e, mais tarde, tornar-se-ia a base para o desenvolvimento de tecnologias que hoje consideramos indispensáveis, como Bluetooth, GPS e Wi-Fi.

Hedy Lamarr só foi reconhecida pelo seu contributo para a história da tecnologia em 1997, quando foi distinguida, juntamente com George Antheil, pela Electronic Frontier Foundation, explica o National Women's History Museum. Em 2014, passou a ser incluída no National Inventors Hall of Fame, nos Estados Unidos.

Mulheres que marcaram a história da tecnologia
Mulheres que marcaram a história da tecnologia Hedy Lamarr e George Antheil National Inventors Hall of Fame, nos Estados Unidos. National Inventors Hall of Fame

“Mulheres computador”

Durante a Segunda Guerra Mundial, o desenvolvimento do ENIAC (Electronic Numerical Integrator and Computer), o primeiro computador eletrónico de uso-geral, não teria sido o mesmo sem o contributo de um grupo de mulheres.

Adele Goldstine foi uma delas, tendo ajudado no processo de criação e até escrito o manual para o computador. A matemática e programadora treinou depois um conjunto de seis mulheres que desempenharam um papel fulcral na programação do ENIAC: Kathleen McNulty Antonelli, Jean Jennings Bartik, Betty Snyder Holberton, Marlyn Wescoff Meltzer, Frances Bilas Spence, e Ruth Lichterman Teitelbaum.

Mulheres que marcaram a história da tecnologia
Mulheres que marcaram a história da tecnologia "Mulheres computador" a trabalhar no ENIAC U.S. Army/ARL Technical Library Archives

Apesar do peso do seu contributo, e de terem trabalhado como autênticas “mulheres computador”, o reconhecimento só chegou em 1997, quando foram distinguidas no Women in Technology International Hall of Fame.

Grace Hopper, oficial da Marinha dos Estados Unidos, também ajudou a moldar o futuro da programação. Além de ter estado entre os primeiros programadores do Mark I, um dos primeiros computadores eletromecânicos, que chegou a ser usado na Segunda Guerra Mundial, participou no criação do UNIVAC I (UNIVersal Automatic Computer I), o primeiro computador comercial produzido nos Estados Unidos.

A pioneira também desenvolveu a linguagem de programação FLOW-MATIC e o primeiro compilador para COBOL, uma linguagem na qual participou indiretamente no processo de criação.

O contributo para a computação na corrida espacial

À medida que a corrida espacial acelerava, as “mulheres computador” desempenharam um papel determinante para a NASA, se bem que, muitas das suas histórias só viriam a ser reconhecidas décadas mais tarde. Entre estes nomes contam-se os de Katherine Johnson, Dorothy Vaughan e Mary Jackson, três das primeiras mulheres negras a trabalhar na agência espacial norte-americana.

Katherine Johnson foi responsável, por exemplo, pelos cálculos que asseguraram que John Glenn, o primeiro astronauta americano a orbitar a Terra, chegasse são e salvo. Além do contributo para as missões lunares, os seus cálculos tiveram um papel relevante no desenvolvimento do programa de vaivéns da NASA.

Mulheres que marcaram a história da tecnologia
Mulheres que marcaram a história da tecnologia Katherine Johnson na inauguração do Katherine G. JohnsonComputational Research Facility da NASA em 2017 NASA Langley/ David C. Bowman

Dorothy Vaughan foi especialista em programação e chegou a ser uma das primeiras líderes negras de um departamento na NASA. Mary Jackson começou a trabalhar como “mulher computador” e, mais tarde, tornou-se na primeira engenheira negra na agência.

As histórias destas três mulheres foram retratadas na obra “Hidden Figures”, de Margot Lee Shetterly, que, depois da publicação em 2016, foi adaptada para um um filme de mesmo nome.

Outras pioneiras como Melba Roy Mouton, Gladys West, Annie Easley e Valerie Thomas também contribuíram significativamente para a computação espacial. A elas junta-se ainda Margaret Hamilton, que desenvolveu o software de bordo para a missão Apollo 11, que levou o Homem à Lua, ficando também conhecida por ter ajudado a criar o termo “engenharia de software”.

Dos primórdios da Internet aos videojogos

Durante as décadas de 70 e 80, começaram a desenvolver-se os primeiros computadores pessoais e foram lançadas as bases para o que conhecemos hoje como a Internet, com contributos importantes de mulheres como Elizabeth Feinler, Karen Spärck Jones e Radia Perlman.

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Em 1974, Elizabeth Feinler tornou-se na principal investigadora escolhida para planear o Network Information Center (NIC), que hoje podemos considerar uma espécie de motor de busca, para a ARPANET. Mais tarde, nos anos 80, a equipa onde trabalhou também desenvolveu a versão inicial do que conhecemos hoje como DNS (ou Domain Name System).

Ainda em 1972, Karen Spärck Jones foi responsável pelo desenvolvimento do conceito de Inverse Document Frequency (IDF), uma tecnologia que está na base dos motores de busca online.

Se Tim Berners-Lee é considerado o “pai” da World Wide Web, Radia Perlman é reconhecida como a “mãe” da Internet, tendo concebido o algoritmo por detrás do Spanning Tree Protocol (STP), que é essencial para a estabilidade das redes.

As interfaces gráficas do utilizador (ou GUI, na sigla em inglês) são um elemento-chave dos computadores modernos, assim como de outros equipamentos. Uma das peças que ajudou a primeira GUI compor foi a linguagem de programação Smalltalk, cujo desenvolvimento contou com Adele Goldberg como uma das principais figuras, na equipa do Xerox PARC (Palo Alto Research Center).

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A interface desenvolvida serviu mais tarde de inspiração para o primeiro computador Macintosh da Apple. A propósito da empresa da maçã, Susan Kare foi uma das peças importantes para a construção da interface, tendo concebido os ícones originais do Macintosh.

As mulheres pioneiras também marcaram a indústria dos videojogos. Por exemplo, Carol Shaw, criadora de River Raid (1982), é considerada por muitos como a primeira designer de videojogos. Destaca-se também Roberta Williams, designer que fundou a editora Sierra On-Line (mais tarde Sierra Entertainment) com o seu marido na década de 80, tendo também criado a série de jogos King's Quest.

Mulheres no "Nobel da Computação"

O Prémio Turing, atribuído pela Association for Computing Machinery, também é conhecido como o “Nobel da Computação”. Da extensa lista de prémios atribuidos ao longo dos últimos 40 anos, maioritariamente a homens, destacam-se três mulheres. 

Em 2006, Frances Allen, pioneira em otimização de compiladores, fez história ao tornar-se a primeira mulher a ganhar um “Nobel da Computação”. Dois anos depois, Barbara Liskov venceu o Prémio Turing pelo seu trabalho no campo das linguagens de programação. 

Até à data, a última mulher a ser distinguida pela Association for Computing Machinery, foi Shafi Goldwasser, que venceu o prémio em 2012, partilhado com Silvio Micali, pelos avanços desenvolvidos na criptografia.