Os telescópios do ESO permitiam aos astrónomos observar uma explosão luminosa rara de uma estrela a ser desfeita por um buraco negro supermassivo, um fenómeno a que chamam "morte por esparguetificação", já que a estrela está a ser sugada pelo buraco negro, o que nem sempre é fácil de estudar.
O trabalho de investigação foi publicado hoje na revista da especialidade Monthly Notices of the Royal Astronomical Society e observou com um detalhe sem precedentes o fenómeno AT2019qiz, um evento de perturbação de marés que é o mais próximo registado até à data, situado a apenas pouco mais de 215 milhões de anos-luz de distância da Terra.
“A ideia de que um buraco negro “suga” uma estrela próxima parece saída da ficção científica. Mas é exatamente o que acontece num evento de perturbação de marés” diz Matt Nicholl, professor e investigador da Sociedade Real Astronómica britânica na Universidade de Birmingham, Reino Unido, e autor principal deste novo estudo. A equipa de investigadores utilizou o Very Large Telescope (VLT) e o New Technology Telescope (NTT), ambos do ESO, para observar um clarão de luz registado o ano passado perto de um buraco negro supermassivo, de modo a investigar com detalhe o que acontece quando uma estrela é devorada por um tal monstro.
Thomas Wevers, autor do estudo e bolseiro do ESO em Santiago do Chile, explica que, na teoria, o que acontece. "Quando uma estrela infeliz se aproxima demasiado de um buraco negro supermassivo situado no centro de uma galáxia, a extrema atração gravitacional exercida pelo buraco negro desfaz a estrela em finas correntes de matéria”. Thomas Wevers estava a trabalhar no Instituto de Astronomia da Universidade de Cambridge, Reino Unido, quando levou a cabo este trabalho.
Na prática, quando alguns destes "fios finos de material estelar" caem no buraco negro durante o processo de esparguetificação, liberta-se um clarão brilhante de energia que pode ser detectado pelos astrónomos. Mas apesar disso, até agora os astrónomos tinham tido dificuldade em investigar este clarão de luz, devido ao facto deste se encontrar frequentemente obscurecido por uma "cortina" de poeira e restos de material.
No estudo agora divulgado os astrónomos mostram que conseguiram finalmente obter pistas sobre a origem desta cortina. “Descobrimos que, quando devora uma estrela, um buraco negro pode lançar uma quantidade de material para o exterior, obstruindo-nos assim a visão,” explica Samantha Oates, também da Universidade de Birmingham. Isto ocorre porque a energia libertada, quando o buraco negro “come” o material estelar, faz com que os restos da estrela sejam lançados para o exterior.
Restos de poeira estelar que dá pistas para física dos buracos negros
A equipa de astrónomos estava a estudar o evento de perturbação de marés AT2019qiz, descoberto pouco tempo depois da estrela ter sido desfeita. Kate Alexander explica que “como apanhámos o evento cedo, pudemos ver a cortina de poeira e restos a ser criada à medida que o buraco negro lançava para o exterior uma poderosa corrente de matéria com velocidades de até cerca de 10000 km/s”. A bolseira Einstein da NASA na Universidade Northwestern, EUA adianta que “este “espreitar por detrás da cortina” bastante único proporcionou-nos a primeira oportunidade de localizar a origem do material ocultante e seguir em tempo real como é que engolfa o buraco negro.”
O AT2019qiz, situado numa galáxia em espiral na constelação de Erídano, foi estudado durante um período de 6 meses, vendo o clarão luminoso aumentar de intensidade e depois desvanecer.
"Vários rastreios do céu registaram a energia emitida por este novo evento de perturbação de marés muito cedo após a estrela se ter desfeito,” diz Thomas Wevers. “Começámos imediatamente a apontar um conjunto de telescópios, tanto terrestres como espaciais, nessa direção para vermos como é que a luz estava a ser produzida.”
Segundo a informação partilhada pelo ESO, foram feitas observações múltiplas do evento durante os meses seguintes em infraestruturas que incluíram o X-shooter e o EFOSC2, instrumentos montados no VLT e no NTT, situados no Chile. Observações imediatas e extensas no ultravioleta, óptico, raios X e ondas rádio revelaram, pela primeira vez, uma ligação direta entre o material que é arrancado à estrela e o clarão brilhante que é emitido quando esta é devorada pelo buraco negro.
“As observações mostraram que a estrela tinha aproximadamente a mesma massa do nosso Sol e que perdeu cerca de metade dessa massa para o buraco negro gigante, o qual apresenta mais de um milhão de vezes a massa da estrela,” diz Nicholl, que é também investigador visitante na Universidade de Edinburgh, no Reino Unido.
A equipa admite que o AT2019qiz pode até ser uma “pedra da Rosetta” para interpretar observações futuras de eventos de perturbação de marés. O trabalho ajuda a compreende melhor os buracos negros supermassivos e como é que a matéria se comporta em ambientes de gravidade extrema e com o Extremely Large Telescope (ELT) do ESO, previsto para começar a observar em meados desta década, permitirá a detecção destes eventos cada vez mais ténues e rápidos, ajudando assim a desvendar mais mistérios da física dos buracos negros.
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