Tem experiência em desenho, engenharia física, design industrial, desenvolvimento de software, criação e gestão de produto. Também lançou várias startups e cofundou empresas em setores que vão desde a indústria automóvel ao comércio eletrónico, passando pela tecnologia da educação e tecnologia espacial. E foi nesta última área que, há pouco tempo, teve o seu trabalho reconhecido: João Montenegro ficou entre os cinco vencedores do concurso para a criação do futuro fato dos astronautas da ESA.
A competição centrou-se na identidade visual e branding da agência espacial europeia, e não propriamente em detalhes técnicos e funcionais, e foi aberta ao público em geral. Tendo em conta as condições extremas que os trajes de caminhada espacial devem suportar para proteger os astronautas, os participantes foram desafiados a projetar um fato que fosse instantaneamente reconhecível como pertencente a um astronauta da ESA.
A iniciativa recebeu mais de 90 ideias e um júri de especialistas em exploração da ESA analisou as propostas, selecionando cinco vencedores num grupo de que João Montenegro faz parte.
“Soube do projeto porque um amigo meu no grupo da International Space University, Peter Deleye, desafiou-me a concorrer por já conhecer o meu histórico no desenho de projetos para o setor espacial. Imediatamente atirei-me à oportunidade”, contou em entrevista ao SAPO TEK.
Depois de uns primeiros esquissos, tentou responder às perguntas: o que significa um fato de astronauta para a ESA? Como conseguimos distinguir um fato espacial rapidamente como um fato da ESA? O que queremos transmitir com este objeto e qual é a sua função cultural?
João Montenegro destaca que a ESA é uma entidade multifacetada composta por 22 Estados-membros, dos quais 20 são europeus, incluindo também Israel e Canadá, representando uma celebração da cooperação entre vários países com legados distintos. Foi essa diversidade que tentou integrar no fato.
“Usei referências iconográficas dos países da ESA para alimentar um algoritmo de geração de imagens. Adicionalmente combinei estas imagens com várias tentativas de ‘prompts’”, explicou.
Na altura João Montenegro tinha começado recentemente a experimentar os algoritmos de inteligência artificial e por isso “ainda não sabia bem o que esperar”. Aproveitou para dizer que estes modelos “evoluíram espantosamente”, desde que enviou a candidatura até agora. “Os resultados no início do ano eram muitas vezes inutilizáveis pela quantidade de erros e ‘mutações’ que apresentavam”, especificou.
No final dessas tentativas percebeu que ainda era cedo para conseguir usar as imagens geradas como imagens finais e acabaram por servir como inspiração, fazendo algumas colagens com os elementos gerados e desenhando por cima do iPad Pro.
“Como tinha pouco tempo, foi um projeto relativamente rápido. Fiz tudo durante um fim de semana intensivo”, revelou João Montenegro.
O processo em retrospetiva “parece linear, mas foi bastante experimental”. Recorreu ao iPad Pro com a aplicação Procreate, que usa “bastante” para os desenhos manuais e estudos. Na criação de imagens artificiais o Midjourney fez as honras da casa, considerado “o gerador mais maduro do mercado”, e para alguns estudos em 3D serviu o Blender, “se bem que apenas para uma compreensão volumétrica do fato”.
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João Montenegro diz que a proposta do fato espacial foi o primeiro projeto completo onde usou, intencionalmente, um modelo de IA para a criação de imagens como parte essencial do processo. Desde aí, começou a explorar mais a tecnologia. “Atualmente, estou bastante mais interessado na capacidade da inteligência artificial de transformar desenhos conceptuais em planos de engenharia ou para impressão 3D”.
O final, consistiu numa grande quantidade de iterações e experiências.
Identidade visual sim, mas também alguns requisitos técnicos
Uma das qualidades que João Montenegro pretendeu realçar na proposta que apresentou foi a capacidade de os astronautas poderem personalizar o seu fato com as características da sua cultura ou mesmo preferências pessoais, mas havia um problema tecnológico particular no que toca a utilização de cor: nos ambientes em que são usados, o branco tem uma utilidade de irradiar o calor dos fatos.
A proposta do uso de cores acabou por ser propositada para desafiar a tecnologia atual neste tópico, sublinhou. “Isto porque o uso de cor é essencial tanto para a celebração da humanidade do fato como para o uso de códigos de cores de funções das missões e tripulantes”.
Embora o concurso fosse centrado na identidade visual e branding da ESA, também foram pensados alguns detalhes técnicos e funcionais, tendo em consideração o ambiente onde o fato espacial seria usado: na superfície de corpos celestes como a Lua e Marte.
Além da radiação intensa e exposição ao vácuo, uma das principais questões é o rególito, termo usado para referir a "areia" lunar ou marciana. “Esta ‘areia’ é mais semelhante a vidro em pó, uma vez que, diferentemente do solo na Terra, não passa por erosão nem reage com água e seres vivos”, explica antes de afirmar que o fato tem botas embutidas no tecido das pernas do mesmo, “de modo a evitar a acumulação de rególito e transportá-lo acidentalmente”.
Além disso, a ideia é o capacete ter um projetor de informação, “semelhante ao que acontece nos capacetes de caças, para mostrar informação sobre a missão e ambiente à pessoa que o usar”.
A ESA promete olhar para a proposta de João Montenegro e para as quatro outras propostas escolhidas e trabalhar na fusão de elementos para criar um design único de fato espacial.
O modelo resultante poderá ter diferentes propósitos, nomeadamente, ser usado para produzir réplicas de fatos para exposições ou cineastas, para educar e inspirar as pessoas sobre a exploração espacial e atividades relacionadas neste domínio.
Mais tarde, é possível que possa servir para criar os fatos de formação para projetos da ESA, como o CAVES e o PANGAEA. A competição também poderá ter marcado um primeiro passo se, no futuro, a ESA desenvolver o seu próprio traje espacial funcional.
“Acima de tudo, pessoalmente, tem um grande valor na criação de uma relação com a Agência e organizações satélite para exploração futura, à medida que o projeto se desenvolve”, referiu João Montenegro sobre a sua participação.
“Além disso sinto uma grande honra em ser dos poucos portugueses que conseguiram fazer parte das missões tripuladas espaciais, um grupo de pessoas que admiro profundamente”, acrescentou. “O meu trabalho nesta fase foi concluído, mas continua na forma de uma relação com a ESA, a Portugal Space Agency e os restantes vencedores”.
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