Desenvolvido por Diogo Nogueira-Leite, José Miguel Diniz e Ricardo Cruz Correia, estudantes de doutoramento em ciência de dados de saúde na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, o estudo, que inquiriu 160 profissionais de saúde mental, afirma-se como o primeiro à escala nacional sobre esta temática, indicam os autores.
Os profissionais consultados pelos investigadores identificam potenciais benefícios das apps de saúde mental. Entre eles destacam-se o aumento da literacia em saúde (87%), a gestão adequada da doença (79%), melhor acesso aos cuidados (75%) e uma melhor capacidade de tomar decisões informadas (65%).
São também reconhecidos benefícios no que toca à eficiência na prática clínica (70%), à disponibilização de opções terapêuticas adicionais (66%) e à melhoria dos cuidados prestados aos utentes (58%).
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De acordo com os dados avançados pelo estudo, 96% dos profissionais concordaram com a falta de informação sobre aplicações de saúde mental. Neste contexto, 72% reconhecem uma curva de aprendizagem acentuada e 71% a necessidade de ajustarem a sua prática e registos clínicos.
“Pelo menos um terço dos profissionais mostrou incerteza ou neutralidade quanto à falta de mecanismos de copagamentos por seguros e a falta de apoio pelos produtores destas ferramentas”, indicam os autores em comunicado.
No estudo foram também identificadas medidas de apoio à adoção de apps de saúde mental. Os profissionais concordam com a disponibilização de mais informação sobre apps e a sua adequação ao contexto clínico (94%); com a receção de mais evidências sobre o papel destas ferramentas como intervenções em saúde (92%); e com a existência de recomendações ou diretrizes emitidas por sociedades científicas ou grupos profissionais (91%).
Os autores notam que os profissionais que demonstraram atitudes mais positivas relativamente a apps, assim como aqueles que trabalhavam em clínicas, reportaram uma maior intenção de prescrever ou recomendar estas ferramentas. Além disso, os profissionais do sexo masculino também mostraram “uma maior probabilidade de apresentar atitudes positivas face à recomendação ou prescrição” de apps.
Embora não sejam muito otimistas em relação a estas aplicações, de modo geral, os resultados do estudo mostram que os profissionais de saúde mental inquiridos “esperam prescrever ou recomendar estas ferramentas a curto prazo”, num período de 12 meses.
Apps de saúde mental: o caso português
Ao SAPO TEK, Diogo Nogueira-Leite explica que, no estudo, foram consideradas apps de saúde mental “na sua definição mais abrangente possível”, porque a equipa tinha a “perceção inicial de que a comunidade clínica relevante – composta por psicólogos e por psiquiatras – teria pouco, se algum, conhecimento sobre as apps de saúde mental”.
“Porque Portugal não tem, ao contrário, por exemplo, da Alemanha ou da Bélgica, um mecanismo que faça a validação clínica e técnica destas apps, queríamos ser capazes de identificar as atitudes e expetativas quando não existe enquadramento regulatório para a recomendação ou prescrição clínica destas apps”, explica.
O investigador realça que o “facto de não existir um enquadramento regulatório” não é um obstáculo no acesso dos cidadãos a este tipo de ferramentas. “Em última análise, tal constitui um risco de saúde pública, sobretudo considerando o baixo número de aplicações que dispõe de evidência científica rigorosa sobre a sua efetividade”, afirma Diogo Nogueira-Leite.
Nas palavras do investigador, tal também é grave "no caso de existirem más experiências ou resultados indesejados", existindo o potencial de prejudicar a confiança em ferramentas tecnológicas que podem amplificar significativamente os esforços na prevenção da doença e na promoção da saúde mental.
Apps têm potencial, mas também riscos
Segundo Diogo Nogueira-Leite, de modo geral, os profissionais inquiridos "apresentam alguma incerteza relativamente ao uso destas ferramentas associadas a aspetos fundamentais como a falta de literacia digital ou a ausência (ou conhecimento da existência) de evidência científica sobre as mesmas".
Na perspetiva dos profissionais, “o uso destas aplicações importa um risco próprio, tanto quanto não seja pelos limites e indicações da sua utilização, e as potenciais consequências na saúde dos seus utilizadores, sem saberem como mitigá-los”, enfatiza.
Questões como a privacidade e segurança dos dados, assim como o consentimento informado “são particularmente relevantes". As preocupações levantadas são justificadas, como apontam vários estudos, em particular sobre a realidade norte-americana, que detalham como "poucas apps de saúde mental tinham algum tipo de políticas que impedissem o acesso por terceiros, frequentemente com propósitos comerciais".
“Se os dados de saúde são sempre uma questão pessoal e em que os nossos receios se materializam, tanto mais é assim com questões de saúde mental”, reforça o investigador.
Outra das preocupações levantadas prende-se com "o caso do financiamento do sistema de saúde". Os profissionais apontam a "necessidade de uma política muito seletiva e passível de escrutínio de partilha de dados com terceiros, sobretudo seguradoras, de modo a impedir a discriminação contra as pessoas que recorrem a serviços de saúde mental e aumentar a confiança nestas apps".
Além disso, "a contratualização com base em números de produção (como consultas) em detrimento dos resultados obtidos (como uma melhoria do estado de saúde) apresenta uma barreira significativa à valorização dos benefícios destas opções clínicas", indica Diogo Nogueira-Leite.
Como Portugal pode enfrentar este desafio?
Considerando o potencial das apps de saúde mental demonstrado pelo estudo, os autores defendem que “é altura de o sistema de saúde português enfrentar este desafio, uma vez que apresenta muitas semelhanças relativamente a outras ferramentas digitais de saúde, como a necessidade de investir na literacia digital dos profissionais de saúde”.
Prescrever apps é uma possibilidade apoiada pela maioria dos profissionais, no entanto, os autores afirmam que é necessária mais informação sobre a sua validade e funcionamento em contexto de prática clínica, sendo esta uma área onde a produção de recomendações por organismos governamentais, além de associações profissionais e sociedades científicas, seria fortemente encorajada.
Com Portugal a ter um Registo de Saúde Eletrónico, o estudo defende que este sistema pode “servir como um contexto propício ao desenvolvimento de novas ferramentas digitais e avaliação do seu impacto”.
Tendo em conta que "os recursos são finitos" e que a "tecnologia tem sido a forma como temos continuamente expandido o seu alcance", é necessário um mecanismo que ajude os profissionais a fazer rastreios rápidos e, caso sejam detetados sinais de alarme, que permita "fazer um seguimento apropriado destas doenças, o que implica diagnóstico e terapêutica", reforça Diogo Nogueira-Leite.
Para pôr esta ideia em movimento, o investigador afirma que é necessário definir "uma estratégia para a avaliação de soluções de saúde digital" e "um plano de ação que a acompanhe dos devidos recursos humanos e financeiros, assim como das mudanças culturais e organizacionais necessárias". "Constituir fases de auscultação da sociedade, nas suas diversas perspetivas, sobre esta estratégia e plano de ação" é também fundamental.
Na sua ótica, este terá de ser um processo “claro desde o princípio” e participado, envolvendo clínicos, associações de doentes, sociedade civil, reguladores, empresas, e fóruns académicos e de geração de conhecimento, além de ter em consideração “os diferentes problemas de saúde, a carga de doença que representam para a sociedade, e em que medida há necessidades de saúde por satisfazer”.
Após a publicação deste primeiro artigo, Diogo Nogueira-Leite indica que a equipa tem um próximo em preparação, que se dedicará à procura por cuidados de saúde mental. “Tomaremos a comunidade académica da Universidade do Porto como aproximação, e iremos perceber melhor quais as atitudes e expetativas destas pessoas face a estas apps”, detalha. “Os resultados são bastante promissores, e esperamos tê-los publicados brevemente”.
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