Por Alexandre Ruas (*)

Gosto de pensar que o caminho do 5G iniciou em 1973 pelas mãos de Martin Cooper, com quem tive oportunidade de trocar algumas, poucas, palavras em 2017. Também gosto de pensar que em Portugal arrancou entre o final da década de 80 e início da década de 90.

Daí aos dias de hoje temos parado em estações e apeadeiros, acumulado Kms, apenas com uma certeza: o destino final é desconhecido, mas não termina no 5G.

Assim, observando o que nos resta de ano, existem ainda dois momentos chave que poderão impactar a estratégia de médio e longo prazo do setor das Telecomunicações e atingimento da visão 5G.

Se, por um lado, há uma possibilidade de Joe Biden ser eleito presidente dos Estados Unidos da América e serem definidas novas políticas que impactem o setor, por cá, o tão desejado leilão dos direitos de utilização das frequências 5G arrancou, atabalhoado, e deverá ficar concluído até ao final de dezembro. A fase de comercialização tem início previsto, de acordo com o calendário da ANACOM, durante o primeiro trimestre de 2021.

Analisando do todo para a parte em matéria tecnológica, caso Joe Biden seja eleito, estão previstas políticas internas que conduzam a uma uniformização da disponibilização de serviços de internet, aposta no discurso de “internet neutra”.

Qualquer dúvida que pudesse existir ficou desfeita durante a Convenção Nacional Democrata, onde Biden desafiou a FCC - Federal Communications Commission a fiscalizar todos os ISPs - Internet Service Providers de forma a garantir a não existência de bloqueio, limitação ou priorização de tráfego na prestação de serviços de internet.

A minha interpretação é que a visão política Americana para o setor passa maioritariamente por garantir a disponibilidade e qualidade do serviço de internet, deixando noutro pote a capacidade de agregar valor em serviços diferenciados. A acontecer, certamente é redutor para as capacidades e ambições dos Operadores.

Isto acontece exatamente numa altura em que a internet se afirma ainda mais como um dos serviços essenciais. À data, existem mais de 4,8 bilhões de utilizadores (Internet World Stats), 62% da população mundial e há uma grande dependência do serviço, mais de 3 horas diárias gastas por cada utilizador. Só em março deste ano, motivado pela pandemia, o consumo de internet via smartphones disparou 70% (statista). Contudo, inacreditavelmente, o valor da receita destes serviços caiu 2,7% (statista) na Europa nos últimos 8 anos.

Se juntarmos a isto o facto de o setor ser percecionado como transacional e necessitar de investimentos recorrentes para responder aos requisitos do mercado, facilmente podemos concluir que as dificuldades financeiras nos próximos 4 anos tendem a agravar-se.

Ainda em matéria de política internacional, fica a dúvida de qual será o sentido de orientação quanto ao conflito vivido entre os Estados Unidos e a China. É verdade que grande parte dos analistas acreditam que o democrata, a ser eleito, não restabelecerá relações fortes com a China, no entanto, qualquer alteração impactará o mundo Ocidental sem respeitar os limites do Meridiano de Greenwich.

Já a administração Trump considerou a tecnologia, mais em concreto a construção de infraestruturas 5G, um tema de segurança nacional, mesclando assuntos de telecomunicações com aerospacial e defesa, caso dos F-35 e, com isso, exercer pressão política sobre os países aliados.

Tendo em conta este cenário, estamos perante uma incerteza que gera stress por si só.

Afunilando em Portugal, é recomendada uma abordagem pragmática, factual, clara e focada nos resultados. Os Operadores de Telecomunicações são uma peça central do 5G e o 5G precisa dos Operadores.

A radiação é apenas uma pequena peça do puzzle num ecossistema que tem de ser visto como end2end, automatizado, virtualizado, orquestrado, com um edge inteligente e voltado para os serviços. Capaz de receber e tratar os inevitáveis desafios dos OTTs, presentes e futuros.

Sem Operadores não temos plataformas sólidas para o digital e para o 5G.

Por cá, relembrar que os nossos Operadores são corajosos. Têm investido num território menos fértil, à partida. A começar pelo fator escala, critico num negócio de massas, passando pela caracterização do tecido empresarial e industrial português, com uma média de trabalhadores por empresa inferior em 45% à media da UE-27 (pordata).

São também resilientes e escreveram história durante décadas. Não chegaram agora. Tornaram Portugal mais competitivo e concorrencial através da inovação dos serviços e produtos disponibilizados. Contribuíram para uma sociedade moderna. Investiram em redes de fibra com cobertura nacional. Democratizaram o acesso a conteúdos. Sendo concorrentes, têm a capacidade de colaborar e partilhar ativos, sejam de rede fixa ou mais recentemente móvel, com o compromisso de melhor servir e gerir.

Relembrar também, que Portugal desenvolveu uma política de exportação de serviços porque conta com condições de infraestrutura e serviços de telecomunicações que assim o permitiram.

Portugal não pode ficar para trás no 5G. Tem de recuperar. Disso depende a nossa competitividade.

Segundo o European 5G Observatory 18 dos estados membros da UE já lançaram serviços comerciais 5G.

Acredito na concorrência e na criação de condições para a mesma. A regulação é fundamental na arbitragem e defesa dos interesses do setor e de todos os stakeholders. Acredito igualmente que é absolutamente necessário respeitar quem nos trouxe até aqui ao mesmo tempo que potenciamos a inovação.

Em Caim o prémio nobel refere: “Tu, vai-te, já não és preciso. Assim são as coisas, que ninguém se envaideça por lhe terem confiado uma missão delicada, o mais certo é que depois do trabalho lhe digam, Tu, vai-te, já não és preciso”. Isto não pode assentar na nossa indústria e história.

O 5G representa uma oportunidade única para o país. Precisamos dos nossos Operadores de Telecomunicações. O leilão dos direitos de utilização das frequências 5G é um momento estruturante para o nosso sucesso comum. Que cada um assegure as suas funções base e essenciais.

(*) Head of Telecoms da Altran, Portugal & Global Engineering Center

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