O Governo apresentou na semana passada aos parceiros sociais uma proposta para o Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho. Ali estão as bases para o enquadramento legal defendido pelo Governo, para regular as relações laborais nos próximos anos, tendo em conta as enormes mudanças que o mercado de trabalho tem vindo a sofrer. 

A banalização do teletrabalho, impulsionada pela pandemia, o impacto das plataformas digitais no emprego, questões de privacidade, ou a importância de alinhar estratégias que atraiam para o país nómadas digitais, são tópicos em destaque. 

O tema vai continuar em debate nos próximos meses, até porque o Livro passará em breve por uma consulta pública. O SAPO TeK teve acesso ao documento que reúne os principais destaques das linhas de reflexão do Livro Verde para o Futuro do Trabalho. Veja aqui as ideias mais importantes, no que se refere aos temas ligados ao digital. 

O que é o Livro Verde? 

O Livro Verde é um documento que detalha áreas estratégicas, visão e linhas orientadoras para revisões à legislação laboral, ao longo dos próximos anos. É um documento para reflexão, preparado por um grupo de trabalho, que conta já com o contributo de vários especialistas, mas que ainda servirá de base a um debate mais alargado.  

Como descreveu a ministra do trabalho, solidariedade e segurança social, Ana Mendes Godinho, no dia em que o apresentou aos parceiros sociais, “este é um documento chave de investimento estrutural, que tem que ter o compromisso social de todos nas várias dimensões. No fundo isto é um caderno de encargos”. Será uma espécie de carta de princípios, para enquadrar próximas revisões da legislação laboral. 

Áreas de trabalho consideradas estratégicas

Nesta projeção sobre o futuro do trabalho e das necessidades de regulação que daí vão resultar, o Governo identifica um conjunto de áreas estratégicas para o país, pelo seu potencial para a criação de emprego. Inclui aqui, "sectores e competências fortemente ligados à digitalização e à tecnologia, à transição climática e energética, e à internacionalização da economia portuguesa", mas também à saúde ou satisfação de necessidades sociais.

Para responder às necessidades destes sectores, nomeadamente os mais tecnológicos, propõe a definição de uma Agenda Estratégica que modernize e reforce a formação profissional e alargue "em grande escala as competências digitais e de literacia de dados relacionadas com a inteligência artificial".

Teletrabalho: aprofundar a regulação e clarificar responsabilidades

Regular os modelos de trabalho remotos é uma das preocupações refletidas no documento, que defende o enquadramento de “modelos híbridos de trabalho presencial e à distância, numa ótica de equilíbrio na promoção das oportunidades e mitigação dos riscos desta modalidade”.

O Governo admite a necessidade de aprofundar e melhorar a regulação do teletrabalho nas suas diferentes dimensões, salvaguardando os "princípios basilares do acordo entre empregador e trabalhador" e garantindo que "não existe acréscimo de custos para os trabalhadores".

No entanto, também admite que a legislação deve criar margem para um alargamento das situações em que o trabalhador pode recorrer ao teletrabalho, sem o acordo do empregador, nomeadamente, para promover a “conciliação entre trabalho e vida pessoal e familiar, em caso de trabalhador com deficiência ou incapacidade”.

Direito ao desligamento deve estar na lei

Nas reflexões sobre o futuro do trabalho, o Governo defende que o “direito à desconexão ou desligamento profissional” deve ser uma realidade consagrada na lei e também sublinha a necessidade de criar mecanismos para que o trabalho à distância não contribua para agravar assimetrias e desigualdades, sobretudo contra as mulheres e em temas de igualdade de género.

Trabalho em plataformas digitais e nómadas digitais

A realidade de quem trabalha para plataformas digitais, como a Uber ou a Glovo, também é endereçada no documento, onde se reconhece a necessidade de regular o trabalho em plataformas digitais, adaptando o sistema contributivo e fiscal a esta nova realidade. 

Neste olhar sobre o Futuro do Trabalho e o enquadramento legal que deve orientar as prioridades estratégicas do país, assume-se também a intenção de posicionar Portugal como um país de excelência para atrair nómadas digitais. Aponta-se a necessidade de criar legislação que facilite a contratação destes profissionais por empresas, garantir um enquadramento fiscal adequado e proteção social, onde se incluem o acesso a seguros de trabalho ou à saúde. Também se sugere a criação de condições para desenvolver uma rede nacional de espaços de co-working, que beneficie do envolvimento de agentes públicos e privados. Medidas que, a par de uma comunicação melhorada, se espera que sirvam para reforçar a capacidade de atrair estes profissionais para o país. 

Proteção de dados e privacidade

Sobre estes dois temas, a carta de princípios que o Governo apresentou à concertação social aponta a necessidade de regular e restringir, por via da legislação, o recurso a dados pessoais não relevantes no acesso ao emprego recorrendo, por exemplo, a práticas de employment background check. 

Preconiza-se mesmo a criação de uma figura equiparada ao encarregado de proteção de dados, para zelar pela privacidade e salvaguarda de dados pessoais dos trabalhadores, numa altura em que as redes e plataformas digitais expõem detalhes da vida privada, que acabam por ser usados para os fins mais diversos. 

Prevenir uso abusivo da inteligência artificial

O tema da inteligência artificial também é abordado neste conjunto de reflexões. Referem-se os riscos (potenciar a discriminação) e as oportunidades da tecnologia (melhorar serviços públicos) e a necessidade de criar legislação para atenuar uns e tirar partido de outros.

O Governo acredita, por exemplo, que é necessário regulamentar a utilização de algoritmos e de inteligência artificial no quadro das relações de trabalho, onde inclui situações como a distribuição de tarefas, organização do trabalho, avaliação de desempenho ou progressão na carreira. 

Admite, por outro lado, o interesse em capacitar o Estado e os organismos públicos para o uso da inteligência artificial e em promover a utilização de ferramentas de inteligência artificial em diferentes domínios das políticas públicas e áreas da administração.  Isto pode vir a ser feito em articulação com parceiros, como universidades ou centros de investigação, antecipa-se.

Próximos Passos? 

O Livro Verde foi apresentado aos parceiros sociais, que incluem organizações representativas dos patrões e dos trabalhadores, no final de março. Ao longo do mês de abril será discutido no âmbito da Comissão de Concertação Social e em maio entra em consulta pública. Só depois de aprovada uma versão final, servirá de referência para nova legislação na área do trabalho.