Numa resolução aprovada ontem pelos eurodeputados, com 377 votos a favor, 248 contra e 62 abstenções, no âmbito da sessão plenária que decorre na cidade francesa de Estrasburgo, os eurodeputados alertam para “os preconceitos dos algoritmos e sublinham a necessidade de incorporar a supervisão humana e os controlos legais para evitar a discriminação, em particular quando se utiliza a inteligência artificial nos controlos fronteiriços”, mostrando-se ainda “preocupados com a utilização de dados biométricos para a identificação remota de pessoas”.

“A utilização de inteligência artificial no trabalho policial requer fortes salvaguardas, de acordo com o Parlamento, que quer evitar a discriminação e garantir o direito à privacidade”, refere a informação enviada à imprensa.

O eurodeputado búlgaro Petar Vitanov, da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu e que é relator da resolução, defende que os eurodeputados estão a “enviar uma mensagem clara de que os direitos fundamentais [dos cidadãos] são irrevogáveis”.

“Pela primeira vez, apelamos a uma moratória sobre a implementação de sistemas de reconhecimento facial para fins de aplicação da lei, uma vez que estas tecnologias se têm revelado ineficazes e conduzem frequentemente a resultados discriminatórios”, vinca o responsável, salientando ainda que os eurodeputados são “claramente contra “técnicas de previsão de comportamento baseadas na inteligência artificial, bem como o processamento de dados biométricos para a vigilância de massa”.

Nesta tomada de posição sobre a identificação remota de pessoas, a assembleia europeia refere-se nomeadamente ao projeto iBorderCtrl, um sistema inteligente de deteção de mentiras que está a ser testado na Hungria, Letónia e Grécia no âmbito dos controlos de entrada em território europeu, e apelam ao executivo comunitário para sancionar estes países, se avançarem com tais iniciativas.

Portugal restringe uso policial de dados biométricos à prevenção do terrorismo e com mandado judicial

Em Portugal, a proposta do Governo sobre a utilização de sistemas de videovigilância pelas forças e serviços de segurança, que vai permitir aos polícias usarem câmaras nos uniformes, as chamadas bodycams, foi ontem discutida no parlamento.

Antero Luís, secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna, apresentou na Assembleia da República a proposta do Governo sobre a utilização de sistemas de videovigilância pelas forças e serviços de segurança.

“Há dois dados de alargamento e utilização das câmaras de videovigilância que são sensíveis e que o Governo tem consciência dessa sensibilidade e é aqui que se joga também muito deste equilíbrio entre a segurança e os direitos fundamentais, nomeadamente o direito à imagem e à reserva da vida privada, que é a consagração explícita da gestão analítica de dados e a captação de dados biométricos”, detalhou.

Antero Luís frisou que o Governo sabe que esta matéria “não é pacífica”, tem conhecimento da recomendação da União Europeia sobre este assunto e que se trata de uma questão considerada de “alto risco do ponto de vista da sua consagração”.

Governo restringe uso policial de dados biométricos à prevenção do terrorismo e com mandado judicial
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“Mas entende o Governo que é preferível consagrá-lo e tipificá-lo e dizê-lo expressamente em que situações é que isso é possível do que ser omisso. Isto apenas se aplica em matéria de prevenção de terrorismo e sempre sob autorização judicial, isto é, precisa de um mandado de um juiz para se poder fazer a gestão analítica de dados biométricos”, garantiu.

O governante justificou a preocupação com a necessidade de existirem “todos os mecanismos de controlo que se possam eventualmente estabelecer para se poder estar seguro da utilização desta ferramenta, que é extremamente sensível e lesiva se mal utilizada em matéria de direitos fundamentais”.

A proposta que regula a utilização de sistemas de vigilância por câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança prevê o alargamento do uso destas tecnologias pelas polícias, nomeadamente o uso de câmaras nos uniformes. Antero Luís especificou também que se “densifica a utilização de câmaras de filtração apenas de imagem” às situações de gestão operacional complexa, terrorismo, incidentes em curso e busca e salvamento.

O secretário de Estado acrescentou que foram criadas no âmbito desta nova lei “normas específicas de fiscalização em relação à Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD)” na verificação periódica dos sistemas, acesso a dados recolhido em casos concretos e obrigatoriedade de parecer em relação a todos os sistemas de videovigilância. Foi também introduzida a intervenção da Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), que vai fazer “recomendações em relação à melhoria de procedimentos e supervisão da videovigilância”.

Oposição lamenta falta de parecer da CNPD sobre nova lei de videovigilância

Os partidos da oposição, com exceção do CDS-PP e do Chega, que também apresentaram projetos de recomendação para a utilização de câmaras pelos polícias e nas instalações policiais, lamentaram que o Governo não tenha pedido um parecer à CNPD sobre a nova lei de videovigilância e colocaram reservas quanto ao uso de dados biométricos pelas polícias.

“O CDS há muito tempo que defende parcialmente aquilo que o Governo agora aqui traz”, disse o deputado Telmo Correia, admitindo que há algumas dúvidas sobre esta matéria, nomeadamente sobre a utilização de dados biométricos, mas que pode ser discutida na especialidade.

Também o deputado Diogo Pacheco Amorim do Chega considerou que “finalmente é acolhida esta questão fundamental que se prende com a segurança dos agentes”, frisando que “é a única hipótese” que existe para “elucidar se houve por parte dos agentes de segurança abusos ou não”.

Já o deputado Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal, lamentou que o parlamento esteja a discutir uma questão sem ter sido pedido o parecer à CNPD, colocando dúvidas quanto aos dados biométricos. “Estamos aqui à pressa a discutir um diploma que pode ter enormes implicações na invasão de privacidade e nas liberdades individuais de cada um a troco de uma noção de segurança que eu discuto que seja tão imediata quanto isso”, precisou.

Para Nelson Silva, do PAN, a proposta do Governo é uma “verdadeira colisão de direitos” e “uma oposição aos direitos individuais face aos direitos coletivos”, questionando o executivo se quer “uma sociedade mais segura em troca de um menor direito à privacidade”.

O deputado do PSD Duarte Marques considerou que se trata de “uma matéria demasiado importante para não ser tratada com a devida preparação, dignidade e informação” e lamentou que o Governo não tenha pedido o parecer à CNPD, frisando que “não é possível ter uma discussão profunda” sem esta informação.

“A videovigilância pode ser o melhor amigo do estado de direito, desde que os dados sejam confiáveis e seguros”, disse, destacando as vantagens da utilização das câmaras corporais (‘bodycams’) pelos polícias, que “podem ser um instrumento de verdade, transparência, garantia do estado de direito, respeito pelos direitos humanos e garantir que o uso da força só é utilizado quando justificado e necessário”.

O deputado do PCP António Filipe considerou a proposta de lei do Governo “excessiva” e questionou o Governo “porque não pediu parecer à CNPD quando estava a preparar” o documento. “Esta proposta é conhecida na opinião pública pelas bodycams, mas esta proposta é muito mais do que isso, porque o que estamos aqui a discutir é uma generalização da utilização da videovigilância para um conjunto imenso de finalidades”, disse.

Manifestando-se contra esta nova lei da videovigilância, o deputado do BE José Manuel Pureza afirmou que as bodycams do agente policial não mostram a realidade, mas apenas o que foi filmada de uma forma “tão limitada e tão descontextualizada”

Tal como o deputado do PSD, também José Manuel Pureza chamou a atenção para a resolução aprovada na terça-feira pelo Parlamento Europeu que alerta para os riscos da utilização dos dados biométricos para identificação remota de pessoas.

A deputado do PS Isabel Oneto considerou que esta lei “é necessária” e surge “em boa altura” e sublinhou que os privados, como centros comerciais, farmácias e discotecas, “filmam e gravam e pelos vistos ninguém se incomoda”.

Em resposta, o secretário de Estado afirmou que não pediu “deliberadamente o parecer à CNPD” porque sabia que o parlamento ia fazê-lo. Antero Luís recordou que, em 16 anos de videovigilância, existem 17 sistemas instalados em sete concelhos. “Não estamos a falar do big brother nacional, não há aqui uma massificação”, disse.

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