Estudos recentes dão conta do crescimento da adoção da Inteligência Artificial, nomeadamente a McKinsey & Company, que diz que uma em cada duas empresas já aplica IA no seu negócio, referindo que o uso da tecnologia em cinco anos aumentou de 20% (2017) para 50% (2022) e que o número de aplicações utilizadas duplicou em quatro anos.
O Eurostat mostra uma realidade europeia diferente (em volume), mas ainda assim otimista, nomeadamente apontando Portugal como um dos países onde a adoção de soluções de IA por parte de empresas é mais elevada. Luís Gonçalves, Data Analytics & AI Director na Noesis concorda que as empresas portuguesas estejam atentas, pela IA ser um key changer que as pode ajudar.
Considera ainda que a Inteligência Artificial tem aplicabilidade em todos os setores e pode ajudar em toda a cadeia de valor nas empresas, é preciso criar fundação para investir, não é barato, mas a cloud veio ajudar e vai trazer capacidades, do ponto de vista do complemento, mais do que da substituição.
SAPO TEK: Hoje fala-se muito de Inteligência Artificial, mas segundo os especialistas já vai na terceira vaga, compreendendo-se esta terceira vaga pela IA generativa. Como se traduziu esta evolução na prática?
Luís Gonçalves: Não sei se a Inteligência Artificial vai na terceira vaga, mas é verdade que começou como curiosidade. Era claramente um nice to have, muito vocacionado para a parte das previsões, das deteções de anomalias, análise do passado para tentar antecipar comportamentos futuros.
Depois passou-se para uma fase em que a ideia é integrar isto de uma forma seamlessly com o nosso fluxo e trabalho, ou seja, que esta IA seja capaz de dar inputs, sugestões, que o humano tenha a capacidade de tomar decisões mais informadas, mas que a algoritmia seja capaz de processar aquela informação toda e descobrir padrões que nós não somos capazes de fazer só de olhar para a informação.
A IA generativa que agora é a buzzword do momento, por causa do chat GPT, acaba por ser um “game changer”, quanto mais não seja, está a pôr o tópico na mente de toda a gente.
As aplicações são infindáveis, podem aliar-se a quase tudo e vai realmente mudar os fluxos de trabalho a muita gente. As empresas que melhor souberem tirar partido dessa componente da IA generativa, particularmente, vão conseguir ganhos que podem ser determinantes num mercado tão concorrencial e com tanta tendência de automação como hoje em dia encontramos na generalidade das empresas.
SAPO TEK: A que áreas de negócio é mais aplicável? Há setores que podem beneficiar mais do que outros?
Luís Gonçalves: A Inteligência Artificial pode ajudar em toda a cadeia de valor nas empresas, desde a parte de produção até à parte de venda.
Tem aplicabilidade em todos os setores, mas claro que depende muito do core da empresa. Para uma empresa que trabalhe pessoas, aplicar a IA num modelo de propensão de saída na parte dos recursos humanos é tão crítico como para uma empresa que produz bens detetar a razão de duas máquinas iguais estarem a produzir itens com um comportamento diferente.
SAPO TEK: O que deve uma empresa de assegurar antes de investir em aplicações de IA?
Luís Gonçalves: Tem essencialmente de criar a fundação e isso é um problema em Portugal, onde há uma apetência grande pelo tópico, mas muitas vezes com base em experimentalismos e não em algo estruturado.
Uma empresa que quer partir para este mundo tem primeiro que validar e criar infraestrutura de suporte à informação, ou seja, arranjar os dados e tê-los com qualidade e validados e dados que sejam possíveis de explorar de alguma forma. Também tem de ter profissionais competentes.
Tem de ter claramente uma estratégia de dados, para garantir que a informação que existe é boa, confiável e tem valor.
O grande diferenciador das empresas que estão a trabalhar o tópico da IA é encarar a tecnologia como mais um fator de conhecimento
Tem de haver um objetivo, não é fazer só por fazer. Se não soubermos que problemas estamos a resolver, se não estamos a resolver algo ou a trazer uma eficiência mensurável, há o risco de ser dinheiro deitado fora.
SAPO TEK: Investir em Inteligência Artificial é caro?
Luís Gonçalves: A cloud veio ajudar. Mais que não seja retirou algumas barreiras: permite começar e ir escalando à medida que as empresas vão conseguindo criar e, em teoria, se os use cases criarem valor a “coisa” paga se a ela própria, mas não posso dizer que seja barato. Tem de estar inserido numa estratégia maior, porque os dados que servem para alimentar isto servem para alimentar outras coisas.
O maior custo hoje em dia não e não na infraestrutura, mas nos recursos humanos: os profissionais são caros. É um mercado muito concorrencial e gera uma dinâmica de mercado complicada que acaba por ser dos maiores custos.
SAPO TEK: O Eurostat aponta Portugal como um dos países onde a adoção de soluções de IA por parte das empresas é mais elevada. As empresas portuguesas estão despertas para as vantagens da IA para os seus negócios?
Luís Gonçalves: Portugal é um país pequeno, somos poucos e como estamos num mundo global é obrigatório que as empresas sejam diferenciadoras no mercado e estejam atentas aos key changers que as podem ajudar. Depois a curiosidade é uma caraterística que é tipicamente portuguesa e o começar da IA parte muito da curiosidade, de analisar aquela informação e tentar tirar dali uma respostas, nem que seja de uma forma mais localizada, dentro das empresas, seja num departamento de vendas seja num departamento de produção.
Acho que também temos muito bons cursos, boa formação, bons profissionais e isso acaba por ajudar, assim como incentivos europeus – como o PRR – que estão a dinamizar essa aposta. Nota-se que, de forma mais estruturada ou menos estruturada, toda a gente olha para o tópico. Há muito interesse. Ninguém quer ficar para trás nesta corrida.
Além de que para as pessoas que estão a sair da faculdade e vão ocupar cargos nas empresas esta já é uma realidade: vamos ter uma geração [de IA] que vem de origem.
TEK: E para a Noesis, que importância assume ou pode assumir a IA como área de negócio? E que previsões têm?
Luís Gonçalves: A Noesis tem uma área de Analytics&AI. Tudo o que é desenvolvimento à medida de algoritmos, utilização de algoritmos, incorporação disso em aplicações é uma tarefa da nossa área que tem uma relevância muito importante como oferta, mas hoje em dia a IA é muito transversal e está presente em todas as nossas ofertas, quanto mais não seja porque acaba por estar incorporada nas soluções que vendemos.
Quando vendemos uma solução de segurança muitas vezes já existem algoritmos de inteligência artificial que estão a detetar se a informação que está a passar na rede é fidedigna ou não, e muitas vezes isso são modelos de IA - não são desenvolvidos aqui, são soluções que já trazem esse tipo de inteligência.
Nesse tipo de dinâmica, a IA é extremamente importante porque está a permitir que cheguemos aos clientes com propostas diferenciadoras nesse tipo de soluções. No caso concreto da nossa área, que trabalha muito em sinergia com as áreas de desenvolvimento aplicacional aqui dentro, é uma questão de a Noesis poder estar a acompanhar e a desenvolver o que o mercado mais diferenciador tem neste momento. Isso até é atrativo do ponto de vista da empresa para os próprios recursos.
A IA vai nos trazer capacidades, do ponto de vista do complemento, mais do que da substituição.
Essencialmente acho que ninguém, neste momento, consegue imaginar um futuro sem a inteligência artificial ser importante dentro das organizações. Pode é não ser necessariamente a desenvolver modelos. A inteligência artificial vai caminhar para uma parte integrante do nosso fluxo de trabalho e não há duvidas. Como responsável desta área é a forma que temos de entregar soluções de valor acrescentado, além do tradicional.
SAPO TEK: Voltando ao início, e pegando na evolução da IA, o que antecipam em termos de futuro? O que podemos esperar de mais vantagens e, por outro lado, que desafios poderemos ter de resolver?
Luís Gonçalves: Como espetador acho que estamos num momento transformacional: os próximos anos vão ser brutais em termos de transformações da força de trabalho da automatização de tarefas, dos novos empregos que vão ser criados e dos que vão desaparecer.
Uma das funções que provavelmente será criada é a de “engenheiro de prompts”, para perguntar ao ChatGPT da melhor forma, para a resposta ser a mais assertiva possível.
Do ponto de vista da sociedade não é que seja mau vai ser diferente, vai permitir que as pessoas percam menos tempo a fazer trabalho que não tem tanto valor acrescentado e focarem-se mais na análise e tomada de decisão e capacidade de trabalhar dados maior.
Do ponto de vista profissional há uma simplificação do que era a complexidade do que era ser um data scientist. Daqui a um, dois anos toda a gente vai ter um bocadinho de data scientist no seu fluxo de trabalho e nem vamos dar conta.
A IA ainda está a evoluir bastante, todos os dias aparecem ferramentas novas, novas plataformas. É um mercado altamente sexy para os profissionais que querem fazer algo novo. É o sítio para estar para quem quer estar fazer algo que vai mudar o mundo.
SAPO TEK: Contratar pessoas para esta área em específico é mais complicado?
Luís Gonçalves: Não tenho dificuldade em contratar em perfis mais juniores, o grande desafio depois é a retenção. Havendo dinheiro é possível contratar, mas a retenção é mais complicada porque não tem só a ver com valores.
Esta geração mais nova não se vê durante muitos anos nas mesmas empresas. Acha mais valioso trocar de dois ou três em três anos, não só porque essa troca permite evolução salarial, mas porque vão conhecer outro tipo de cultura e porque querem desafios diferentes.
Já não somos tão baratos como eramos, mas ainda somos baratos para aquilo que conseguimos entregar. Mas muitas vezes o dinheiro não é o fator crítico.
E a rotação aqui não é completamente negativa porque quem vem traz ideias diferentes porque o mercado como muda tão rápido precisamos deste elemento diferenciador de ideias novas para propor aos clientes e para os desafiar. É um equilíbrio.
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