Por Rafif Srour (*)
Tradicionalmente, o papel do professor sempre foi transmitir e passar conhecimento, o que pode englobar muitas coisas, desde as mais evidentes, como ensinar, até desenvolver e rever conteúdos, procurar materiais, avaliar, supervisionar os alunos e daí por diante. Além disso, o professor não só contribui para o desenvolvimento intelectual dos alunos, como também, de certa forma, apoia o seu desenvolvimento emocional, uma vez que os orienta e motiva, os ajuda a solidificar a sua autoconfiança e lhes estimula o pensamento crítico e criativo.
No seu livro, Intellectual Leadership in Higher Education, Bruce Macfarlane argumenta que os professores se «transformaram em empreendedores do conhecimento estreitamente definidos» e precisam de complementar o seu papel fundamental de críticos e advogados da liberdade académica, servindo melhor como «mentores, tutores, facilitadores e embaixadores». Há aqui duas coisas que se destacam nas suas palavras: «empreendedores do conhecimento estreitamente definidos» e «facilitadores». Dados os limites da nossa capacidade cerebral, poderão os professores ter um vasto conhecimento sem deixar de ser considerados especialistas nas suas áreas? De que forma podem os professores mudar para se tornar facilitadores e, nesse caso, facilitadores do quê, exatamente?
Apesar dos atuais progressos tecnológicos e do argumento de que a tecnologia tem o poder de transformar a paisagem da educação, terá o papel do professor mudado assim tanto desde o método de ensino socrático, que encoraja os alunos a participar na sua atividade de aprendizagem formulando perguntas abertas? Segundo Graham Shaw, no seu capítulo sobre «O papel em mudança dos docentes» em The Encyclopedia of Distance Learning, a relação entre aluno e professor está a tornar-se mais colaborativa e interativa. Shaw atribui essa mudança às inovações mais recentes nas tecnologias do e-learning. Mas persiste a pergunta: estaremos a usar a tecnologia o suficiente para mudar o nosso método pedagógico no ensino superior?
Alguns dos progressos tecnológicos capazes de afetar a experiência do ensino e da aprendizagem são, entre outros, a IA e a aprendizagem automática (ML), a realidade virtual e aumentada (para criar experiências imersivas ímpares), a gamificação (já utilizada por muitos professores), a blockchain (que, como escreve Mark Esposito, permite transformar o modelo de ensino em algo mais fluido, interativo e profundo), além dos meios sociais digitais e as redes sociais (em que se reportaram impactos na aprendizagem positivos e negativos).
Sem dúvida que tanto a IA como a ML têm muito potencial no que respeita a criar uma experiência de aprendizagem personalizada, currículos adaptativos e um ensino centrado no aluno, mas estaremos nós, professores (e a sociedade), preparados para adotar essas abordagens? Beth Singler, bolseira de investigação júnior em inteligência artificial na Universidade de Cambridge, diz que temos de estar: «Muitas das aplicações já cá estão, integradas e a influenciar a nossa sociedade. Portanto, em vez de fazer essa pergunta, temos de continuar a falar sobre esta questão e a dar-lhe visibilidade quando ela for invisível.»
Então, a verdadeira pergunta é: como? De que ingredientes básicos precisamos para proporcionar uma experiência de aprendizagem fácil aos nossos alunos? A receita mágica pode muito bem incluir uma grama de aprendizagem adaptativa, um pouco de currículos personalizados (cuidado com este) e uma pitada de experiência imersiva facilitada por realidade aumentada ou virtual. Será gamificação o nome do novo jogo da aprendizagem? De facto, a gamificação da educação foi positivamente correlacionada com níveis melhorados de empenho dos alunos, dependendo das características específicas de cada um. Ou talvez a tradicional abordagem centrada no professor seja a única válida e não haja necessidade de mudar (não, de acordo com Singler)?
É evidente que a IA e a ML estão a transformar a paisagem do ensino. Algumas das novas tecnologias que foram e estão a ser desenvolvidas para esse efeito são, entre outras, os Sistemas Tutores Inteligentes (STI), os programas informáticos que usam IA para fornecer ambientes de ensino personalizados e adaptativos aos alunos, Chatbots (e, agora o ChatGPT), processamento de linguagem natural e a IA conversacional. Há que ter o cuidado de fazer um balanço dos riscos e oportunidades. Para Singler, os programas de estudos personalizados baseados em recomendações de IA (como o Squirrel AI na China) podem ser nocivos se as coisas correrem mal (e, às vezes, muitas vezes, as coisas correrão mal). Ela explica-nos que, ao conceber um programa de estudo personalizado, a IA reconhece cada módulo com base nos interesses de um aluno e assim recomenda os módulos seguintes. O que me preocupa não são só as hipóteses matemáticas que implica a utilização de cada algoritmo e o subsequente viés, mas também que os interesses dos alunos mudem com o tempo (e, na maioria dos casos, mudam).
Na era da IA irá um robô tomar o lugar do professor? Amelia é uma agente virtual inteligente, animada por IA conversacional. Segundo a firma de tecnologia americana, Amelia oferece os «melhores elementos da interação humana, como conversação, expressão, emoções e compreensão». Parece ser a assistente perfeita para qualquer professor ou, talvez, até, a professora substituta ideal. Interessantemente, quando inquirido sobre Amelia e se esta seria capaz de substituir os professores em sala de aula, o ChatGPT respondeu: «Apesar da alta capacidade de Amelia para processar e solucionar questões e tarefas complexas, é pouco provável que possa substituir um professor e assumir o seu papel na íntegra. Embora possa ajudar em determinadas tarefas, como responder a perguntas ou fornecer orientações sobre determinados temas, faltam-lhe as capacidades de compreender subtilezas, da criatividade e do pensamento crítico, que são essenciais no ensino e na investigação.»
O ChatGPT afirma ainda ser pouco provável que qualquer ferramenta animada por IA possa substituir integralmente os professores num futuro próximo. É claro que essa opinião não advém propriamente de uma fonte muito segura, uma vez que o ChatGPT não pode prever acontecimentos no futuro, pois é treinado com dados interessantes, não pode citar as referências que usa para gerar uma resposta (as respostas baseiam-se em estimativas puramente probabilísticas) e a tecnologia que usa visa mais agradar o público do que fornecer respostas fiáveis e corretas. O ChatGPT continua: «Embora seja capaz de processar e resolver uma vasta gama de questões, nem eu tenho os mesmos conhecimentos, experiência e capacidade de pensamento crítico que os professores humanos.»
Ensinar, quando feito corretamente, não é só transmitir conhecimento, mas também é uma tarefa complexa que implica desenvolver relações com os alunos, inspirá-los e apoiá-los no seu percurso de aprendizagem e na sua vida.
Se a IA ainda está longe de substituir os professores, em que medida dependemos (ou deveríamos) nós depender dela e da ML no ensino diário? Estará na altura de introduzir alguma interação entre humanos e máquinas em sala de aula? Amelia pode ainda não ser capaz de substituir integralmente os professores, mas poderá muito bem ajudá-los em sala de aula. Se for esse o caso, então, temos de nos esforçar por preparar os alunos para essa mudança, além de garantir que os professores saibam utilizar eficientemente tais assistentes. Antes de embarcarmos nessa viagem, porém, temos de conversar com as outras partes interessadas, entre elas, pais, antropólogos, historiadores, cientistas sociais e legisladores. Só assim poderemos fazer uma boa avaliação das possíveis repercussões dessa tecnologia nos alunos.
A Minerva é um estabelecimento de ensino superior americano certificado, independente e sem fins lucrativos sediado em São Francisco, na Califórnia. Fundado em 2012, tem um modelo pedagógico único que dá ênfase à aprendizagem ativa, ao ensino factual, à perspetiva global, à aplicação ao mundo real e à educação facilitada pela tecnologia. A sua plataforma de ensino online, a FORUM, faculta aprendizagem colaborativa e fornece análises personalizadas. (Quando lhe perguntei se todas as universidades deveriam seguir o modelo da Minerva, o ChatGPT não respondeu e admitiu não ter opiniões nem crenças.) Além dos obstáculos evidentes que impedem uma adoção alargada do modelo da Minerva, como os elevados custos de execução, a oferta limitada de cursos e a falta de vida académica, o que mais se destaca talvez seja a resistência dos docentes, como se vê pelo número reduzido de docentes atualmente a lecionar na Minerva.
A mudança, sobretudo, a mudança radical e, mais ainda, em setores tão tradicionais como o académico, não chega sem enfrentar obstáculos. O que impede os professores de adotar essas tecnologias baseadas na IA (aprendizagem adaptativa, IA conversacional e programas de estudo personalizados, para citar alguns), mais do que elas já o fazem, talvez seja a falta de formação e as dificuldades técnicas associadas à utilização de uma nova tecnologia. Certamente que a nossa resistência inata à mudança como humanos e, mais precisamente, como académicos, nos impede de nos aventurar fora da nossa zona de conforto e de nos dispormos a perturbar os nossos métodos de ensino instituídos, testados e comprovados. Por mais que façamos, no entanto, ser-nos-á impossível continuar alheados da revolução à nossa volta e rejeitar a oportunidade que a IA oferece.
O futuro é promissor… se conseguirmos dominar o poder da IA e utilizá-lo para benefício dos nossos alunos. Os professores têm de começar algures, seja pela aprendizagem personalizada ou adaptativa, seja pelas experiências de aprendizagem imersivas virtuais ou aumentadas. O mais desafiante pode ser mesmo decidir por onde começar. Ter consciência da necessidade de se adaptar e mudar é um bom ponto de partida. Cada professor terá de dar o próximo passo por si só: rever os seus próprios materiais de ensino e identificar onde, como e que tecnologia pode utilizar. Não há como reproduzir o papel do professor no meio académico e nas vidas dos alunos, portanto, o melhor é fortalecê-lo.
(*) Rafif Srour é Vice-decana dos programas de licenciatura da IE School of Science and Technology (IE University)
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