Por Leandra Dias (*)
O momento em que mudamos de função, de empresa, de setor de atividade ou quando existe substituição da pessoa que lidera/coordena a nossa área ou função é sempre um momento acompanhado de reflexão, revisão de nós próprios, das relações interpessoais nas organizações e também de alguma ansiedade e expectativa. Inevitavelmente, surgem na nossa mente questões como: quem é o novo gestor? Quais os seus pontos fortes? Qual o modelo de liderança que usa? Será autoritário? Democrático? Permissivo? Perfecionista, colaborativo ou ausente? Como vai ser a nossa relação e entrosamento? Vamos trabalhar bem em conjunto?
Uma coisa era certa: o meu chefe é uma pessoa. Homem, mulher, mais novo ou mais velho, mais ou menos experiente, mas uma pessoa. Todavia, consequência do estado da evolução tecnológica e dos usos dados à Inteligência Artificial e Machine Learning, há uma nova pergunta que começamos a fazer: E se o meu (a minha) próximo(a) chefe for um robot?
Estará em causa o trabalho humano?
Estamos prontos (ou deveríamos estar) para nos adaptarmos a diferentes modelos de gestão e diferentes estilos de liderança. Mas estaremos prontos para ser liderados por um robot?
Ter um robot como "colaborador” da organização já não é novidade. Veja-se o exemplo dos assistentes virtuais que apoiam os centros de apoio a cliente, os robots que, em grandes armazéns, controlam ou até executam as ordens de encomenda, avaliam stocks ou até robots cozinheiros ou o braço biónico que executa cocktails.
Segundo um estudo da Dell Tecnologies, 82% dos líderes empresariais esperam que nos próximos cinco anos as suas forças de trabalho humanas e máquinas funcionem em equipas totalmente integradas. Mas será que também esperam que os líderes das suas equipas deixem de ter forma humana?
Já há previsões que apontam a possibilidade de os robots serem os gestores de eleição num futuro muito próximo. Segundo a Forbes, os chefes robots vão ocupar dois terços dos cargos de gestão já em 2023. Ou seja, não se espera uma substituição total dos gestores humanos, mas dois em cada três chefes será um robot.
Chefe robot: oportunidade ou ameaça?
Ter um chefe robot seria, sem dúvida, motivo de curiosidade e de discussão com aqueles que nos rodeiam. E surgiriam, inevitavelmente, os prós e os contras.
A imparcialidade seria, claramente, uma das grandes vantagens apontada ao chefe robot. O facto do chefe robot ser um algoritmo, faria com que estivesse acima de preconceitos, de ideias preconcebidas ou de estereótipos. Isso faria com que fosse mais justo e imparcial.
A sua análise e decisão seriam imunes a afinidades e animosidades pessoais, cingindo-se ao aspeto profissional da relação. Não mostraria favoritismo em relação a uns em detrimento de outros quando chegado, por exemplo, o momento de repartição de tarefas, de entrega de projetos mais desafiantes ou até no momento das avaliações. Teríamos então maior rigor e objetividade. Será assim?
Para chegarmos a esta conclusão está a assumir-se que as análises feitas pelo algoritmo seriam isentas, imparciais, objetivas e transparentes, no sentido em que todas as análise e decisões seguiriam o mesmo processo e critérios, tornando-se mais impermeáveis a ideias pré-concebidas. O chefe robot seria neutro e todos seriam avaliados, recebiam promoções e eram tratados de acordo com as mesmas regras.
No entanto, para que o robot possa analisar e decidir, tem de aprender. Se a aprendizagem da máquina se basear em decisões humanas anteriores, então essa aprendizagem trará consigo, inevitavelmente, as preconceções que os humanos veicularam nessas decisões. Ou seja, nem mesmo um algoritmo conseguirá ser completamente neutro.
Por outro lado, ainda que fosse possível uma decisão completamente hermética, nem sempre seria correta ou justa. Vejamos, por exemplo, as situações em que se adotam mecanismos de discriminação positiva para corrigir alguma situação de injustiça ou de desigualdade. Ou veja-se o artigo 35.º-A do Código do Trabalho português que proíbe qualquer forma de discriminação em razão do exercício de direitos de parentalidade (n.º 1), designadamente ao nível da atribuição de prémios de assiduidade e produtividade e progressão na carreira (n.º 2). Se alguém não prestou trabalho porque gozou a sua licença de parentalidade ou porque teve períodos de acompanhamento a um filho que esteve doente e, por isso, no global, acabou por ter uma produtividade menor do que alguém com as mesmas funções, não pode ser alvo de uma análise simplista baseada na assiduidade e na quantidade produzida.
É necessário que a análise e decisão trate de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente. Assim, ao chefe robot teriam de ser "ensinadas” estas regras de não discriminação e até mesmo regras de discriminação positiva, ajustando os critérios, quando aplicável.
Outra vantagem apontada é a possibilidade de individualização da relação com o chefe robot. No modelo com que estamos familiarizados, o chefe é uma pessoa que pode decidir ter exatamente o mesmo relacionamento com cada uma das pessoas que lidera ou pode ter a capacidade de perceber que cada colaborador é diferente e que responde de forma diferente.
Se o chefe for um robot, um algoritmo, então podemos programá-lo para interagir de forma diferente com cada pessoa, motivando-o da forma certa, interagindo com ele na medida certa. Quanto maior for o conhecimento que se tem sobre como cada um dos seu liderados, melhor ele conseguirá fazer a gestão, otimizando o trabalho das equipas e torná-las mais eficientes, ao mesmo tempo que aumenta a motivação.
E os princípios éticos?
A desumanização da relação não pode ir ao ponto de tornar os colaboradores simples objetos de análise. As decisões tomadas pelo chefe robot, pelo menos as mais críticas e que produzem maior impacto, deveriam ser validades por um humano. Defendemos que, nos processos dominados pela máquina, tem de existir alguma intervenção humana, principalmente quando se trata de sistemas de apoio à decisão. Em situações limite, o algoritmo poderia sugerir o despedimento de alguém, mas só o fez, porque existia um bug, uma anomalia no sistema que o fez chegar a essa conclusão. Então, não podemos aceitar que decisões desse tipo se baseiem em exclusivo nos resultados apresentados por um algoritmo. Nesse caso, poderíamos dizer que estávamos perante uma decisão automatizada, vedada pelo RGPD?
Importa investir, verdadeiramente, em literacia digital ética para que os avanços tecnológicos sirvam bons propósitos e todos possamos deles beneficiar. Em paralelo, impõe-se a necessidade de regulação, de imposição de regras e limites dentro dos quais o universo em torno do chefe robot se pode mover.
Apesar de todos os benefícios que se reconhece ao uso da inteligência artificial nestes domínios, não podemos deixar de defender que a mesma só pode ser usada dentro dos limites legais e éticos e isso só será possível através de uma cooperação estreita entre tecnólogos e juristas.
Tendo em conta estas preocupações, a Comissão Europeia disponibilizou a versão final de um guia de princípios éticos que devem nortear o desenvolvimento da inteligência artificial. De notar que estes princípios não são leis nem podem ser considerados soft law, o que os fragiliza e pode discutir-se quem deve e como regular a ética na Inteligência Artificial: se os governos, se as instituições supranacionais, se a indústria ou se uma força conjunta, considerando que esta última hipótese será a mais produtiva, importando agregar os contributos de diferentes áreas.
Os direitos humanos teriam também de surgir nestas áreas como balizadores do que pode ou não ser levado à prática.
(*) Jurista da PRIMAVERA BSS
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