Por Hugo Volz Oliveira (*) 

António Costa Silva, Ministro da Economia, e Mariana Mortágua, envolveram-se num debate parlamentar intenso na passada terça-feira, 17 de Janeiro, que implicou o tema da inovação tecnológica na área da blockchain e da cripto economia e a sua relevância para Portugal.

Já que a altercação foi amplamente noticiada, vamos focar-nos em examinar as afirmações levantadas pela deputada sobre este assunto num artigo dividido em duas partes.

Por um lado, foi referido que “a blockchain, até ver, não passa de uma inovação que não foi aplicada a nenhum projecto relevante”, e que “o Ministério da Economia não é capaz de fazer uma avaliação séria sobre os reais impactos de uma coisa que não é mais que uma base de dados centralizada e que em todos os projectos em que foi aplicada há estudos neste momento que provam que os projectos teriam acontecido na mesma sem blockchain.

Isto já que “são outras inovações que estão a acrescentar valor, não é a blockchain.” Por outro, foi proclamado que a “a blockchain é um produto de marketing” e “que o governo vá atrás de um produto de marketing para determinar a sua política económica é algo que tem de ser discutido e criticado, pois devemos pelo menos ter e pedir uma atitude crítica a estas inovações de boca cheia, que não são mais do que isso, e que cujo impacto real nós não avaliámos.” 

Ora, estas alegações resumem-se à conclusão de que a blockchain é apenas uma tecnologia de bases de dados “centralizadas” e que não tem aplicações relevantes nem impacto real. Será? Em 2023 já não esperávamos ser necessário refutar tal falácia, especialmente quando a União Europeia afirma querer ser a líder mundial na área, mas nunca é demais esclarecer o público.

Assim, nesta primeira parte, importa clarificar que a blockchain não é uma tecnologia de bases de dados centralizadas, mas um tipo de implementação específica do seu oposto: as distributed ledger technologies, na ausência de uma tradução razoável. Até aqui concordamos que o tema é relativamente aborrecido, e que “são outras inovações que estão a acrescentar valor, não é a blockchain”. Afinal, não podemos esquecer que quando se fala desta tecnologia referem-se todas as aplicações que esta potencia, da mesma forma que quando falamos da internet ou do email não estamos preocupados com implementações do TCP/IP, HTTP ou do SMTP, mas sim das aplicações construídas por cima destes protocolos. Será que temos uma base de entendimento?

Até porque o que mais interessa é a vertente organizacional ou até sociológica desta revolução. Aliás, podemos argumentar que a chave do sucesso da blockchain são os diferentes conjuntos de regras que incentivam os participantes de determinado protocolo – na forma de computadores mais ou menos “distribuídos” (a descentralização também é um espectro) – a chegar a um consenso sobre a informação que lá é processada. Porque já existiam protótipos de blockchains antes, mas foram as regras da pioneira Bitcoin que desbloquearam o potencial do sector e lançaram a pedra ao charco da cripto economia. E é também por isso que implementações mais centralizadas desta tecnologia, sobretudo para fins corporativos, são de facto produtos de marketing e do teatro da inovação. Caso contrário uma base de dados normal serviria.

Mas não é a esse tipo de blockchain a que praticamente ninguém alude quando se fala do assunto, excepto talvez consultores e vendedores de bases de dados da cobra (ou Corda, para os entendidos). Abreviando, esta tecnologia só faz sentido i) quando várias partes precisam de registar ou processar dados, preferencialmente digitais, ii) que não exista confiança entre estas face à integridade permanente dos dados e iii) que não seja possível, ou desejável, recorrer a uma autoridade central de suposta confiança para gerir esses dados. 

Ou seja, apesar desta tecnologia ser muitas vezes apresentada como panaceia para todos os males, a verdade é que o seu escopo é relativamente limitado – dizendo sobretudo respeito a aplicações financeiras, criativas, e de governo da sociedade e das organizações, públicas e privadas. Será esse o tema da segunda e última parte deste artigo. E se o âmbito parece parco, notem que estes sectores abrangem a vida diária de praticamente toda a população. Não queremos argumentar que a blockchain e a cripto economia vão salvar o mundo, mas se contribuírem para tornar os mercados e as organizações mais eficientes então faz todo o sentido que o país e o continente continuem a promover o desenvolvimento destas tecnologias.

(*) Secretário, Instituto New Economy https://neweconomy.institute

"O Instituto New Economy procura agregar líderes de indústria, profissionais, e cidadãos que queiram promover a participação Portuguesa na economia digital; organizando eventos educativos, publicando artigos de investigação, e criando comissões de melhores práticas e de ética sobre novas tecnologias emergentes."

Nota: O autor escreve ao abrigo do Antigo Acordo Ortográfico.

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