Por Luisa Ribeiro Lopes (*)

Um balanço do ano que acaba e uma perspetiva para o próximo: se este pedido noutros anos seria um exercício de memória e de previsão com base nos dados existentes, sempre com uma dose de relativa incerteza, o final de 2020 mostra-nos mais uma vez o que o ano inteiro teimou em fazer: somos muito frágeis e a imprevisibilidade veio para ficar.

O mundo, o mundo não, a humanidade não previu que 2020 fosse o ano de todas as provações coletivas ditadas por um vírus que fez do planeta terra um espaço confinado e perigoso para se viver, apelando ao distanciamento, ao cancelamento da vida social a que nos habituámos, com menos acesso à cultura, menos equilíbrio das várias dimensões das nossas vidas. Menos tudo!

E, mais uma vez, esta crise gerada por uma pandemia sem precedentes nos últimos cem anos, e nunca percebida em tempos globalizados, veio demonstrar que não somos todos iguais. São os grupos mais vulneráveis, mais pobres, menos escolarizados, as minorias, quem não tem acesso ao digital e com menores competências digitais e, sempre as mulheres, os que mais afetados são e serão pela pandemia e pelas consequências da mesma.

A Edição Especial 2020 do Relatório Anual de Competitividade do World Economic Forum, de dezembro deste ano e que analisou o impacto da pandemia COVID19, “How Countries are performing on the road to Recovery”, é claro a demonstrar que países com economias digitais avançadas e melhores competências digitais têm tido mais sucesso no combate à crise mantendo as economias a funcionar enquanto cidadãs e cidadãos trabalham a partir de casa. Países como os Países Baixos, a Nova Zelândia, a Suíça, a Estónia e os Estados Unidos tiveram um bom desempenho nesta medida.

Portugal, sabemos já, tem um enorme desafio nos próximos anos: efetivar a transição digital sem deixar ninguém para trás. Não poderão ser, mais uma vez, as mulheres penalizadas e ficar de fora neste processo de recuperação e resiliência.

Não obstante a presença reduzida de mulheres no setor das tecnologias, quer na academia, quer nas empresas, ser um problema global e europeu, Portugal apresenta índices mais elevados do que os restantes países da União Europeia no que diz respeito à exclusão digital, ou seja, 36% das mulheres em Portugal não faz uma utilização diária da Internet e apenas 15% do emprego tecnológico é feminino, segundo o Índice de Igualdade de Género do Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE).

2021, acreditamos, vai ser um ano determinante da nossa vida coletiva, o ano em que a comunidade científica permitirá dar os primeiros passos para ganharmos a batalha contra a COVID19 e em que o digital e a inclusão estarão na linha da frente da recuperação económica e na construção de uma sociedade mais igual.

Digital with purpose é o lema abraçado pela Agenda Digital de Portugal para a Presidência Portuguesa da União Europeia, e tem de ser o nosso objetivo. E que esse propósito possa ser humanista, inclusivo. A oportunidade de colocar a igualdade e a inclusão de género na agenda digital é criar as condições para que todas e todos possam acompanhar esta transformação à mesma velocidade e com as mesmas oportunidades porque a tecnologia já demonstrou ser um acelerador que não podemos desperdiçar.

Com os programas Portugal Digital e INCoDe.2030 a terem um novo fôlego em 2021, Educação, Qualificação, Investigação, Inteligência Artificial, Computação Avançada, Empresas e Estado têm de incluir de forma transversal e real o equilíbrio de cidadãs e cidadãos no acesso às tecnologias digitais.

Da minha parte, tudo farei, no que me é possível, para contribuir para este desígnio em que acredito. Inclusão digital e equilíbrio de género vão ser os motores da inclusão social e desenvolvimento económico.

Termino com uma frase de Ruth Bader Ginsburg, mais uma perda deste ano de 2020, mas que nos continuará a inspirar: “Fight for the things that you care about but do it in a way that will lead others to join you.”

(*) Presidente do Conselho Diretivo do .PT

Este artigo faz parte do Dossier O melhor e o pior de 2020. E as expectativas para 2021. Leia aqui todas as análises e artigos deste especial