Hoje a fase principal do leilão do 5G chega aos 100 dias de licitações, depois de ter arrancado a 14 de janeiro para os operadores que estão no mercada, embora já a 22 de dezembro tenha começado verdadeiramente o procedimento de propostas de valores para obter licença, nesse caso dos novos entrantes no mercado. Para além da questão processual, das divergências entre o regulador e os operadores, o que significa isto para os consumidores, as empresas e todo o mercado?
O SAPO TEK tem acompanhado diariamente a evolução do leilão que vai dar acesso às licenças da quinta geração móvel, sem as quais as operadoras que já têm serviços de 3G e 4G não podem dar o salto para a nova tecnologia que vai trazer maior largura de banda e menor latência, o que abre portas a novos serviços para os utilizadores, mas também para as empresas. Streaming mais rápido, gaming mais eficiente, realidade aumentada e virtual à distância e até hologramas fazem parte de uma nova realidade que o 5G vem potenciar, mas também condução autónoma, serviços de emergência sem atrasos e até cirurgias remotas, assim como novos modelos empresariais da chamada indústria 4.0 estão na calha entre as promessas da quinta geração móvel.
É esta evolução que o mercado português pode estar a perder numa altura em que os operadores móveis dizem estar preparados para lançar serviços, e já começaram até a anunciar vantagens do 5G. Não faltam também esquipamentos no mercado, com muitos dos novos lançamentos de smartphones e tablets a trazer já integrado o potencial do 5G, que ainda não podem utilizar.
Apesar da duração épica do leilão, e dos 100 dias de licitações, o encaixe potencial não aumentou na mesma proporção e ronda os 403 milhões de euros, já acima do que foi conseguido no 4G mas pouco compatível com esta longa "batalha" pelas licenças nos lotes das faixas de espectro que os operadores tentam garantir. Sobretudo porque o interesse se tem concentrado nas 40 faixas dos 3,6 GHz, uma das faixas nativas do 5G, já valorizaram mais de 300% face ao preço inicial.
Todos os dias o leilão cumpre o ritual de 6 rondas, que passaram a ser 7 desde o 81º dia do leilão, aumentando o valor das licitações normalmente à volta de 1 milhão de euros, com raras exceções. Um "pinga pinga" que faz com que ao fim de 100 dias, e quase 6 meses, o valor de encaixe potencial esteja pouco mais de 120 milhões acima do valor base das licitações.
Operadores e regulador estão de acordo. Mas só num ponto
O regulador e os operadores estão de acordo sobre o facto de Portugal estar a perder competitividade ao atrasar-se no 5G, ficando para o fim da lista dos países que já lançaram serviços - mesmo que ainda não em todas as frequências - mas as opiniões dividem-se sobre a responsabilidade deste atraso. A Anacom não aponta diretamente a responsabilidade aos operadores mais vai dizendo que a morosidade se deve ao facto do incremento de valor ser feito pela margem mínima - 1 a 3% acima da última proposta.
"Embora o leilão esteja a decorrer regularmente, a fase de licitação principal ainda não está concluída, isto apesar de as regras em vigor permitirem que os licitantes, querendo, lhe imprimam uma maior celeridade. No entanto, tem-se verificado um sucessivo e reiterado recurso à licitação com os incrementos de preço mais reduzidos (recorrentemente de 1%), conforme decorre da informação divulgada diariamente no site institucional da ANACOM, o que faz com que a progressão do leilão seja particularmente lenta", explica o regulador.
Por isso avançou com uma proposta para duplicar o número de rondas diárias (momentos em que os operadores podem apresentar novas propostas para os vários lotes em leilão) , mas com a possibilidade de mexer ainda nas regras para retirar estes pequenos incrementos.
Os operadores são mais diretos a apontar responsabilidades, e a classificar a atuação do regulador, e nisso estão todos de acordo.
"A Altice Portugal lamenta que hoje, quase 100 dias decorridos daquele que é, seguramente, o mais lento, longo e atrasado leilão para o 5G na Europa, o Regulador venha a público queixar-se das suas próprias decisões e admitir o atraso do País que só à sua atuação pode ser atribuído", defendeu a dona do MEO depois de ser conhecida a decisão da Anacom esta semana. Questionada pelo SAPO TEK, a empresa lamenta também que o Regulador venha a público queixar-se das suas próprias decisões e admitir o atraso do País que só à sua atuação pode ser atribuído.
Na mesma linha a Vodafone Portugal adiantou ao SAPO TEK que "A duração do leilão, e o infeliz recorde europeu daí resultante, mais não é do que a consequência da forma como o mesmo foi desenhado". Refere que a escassez artificial de espectro até 2025 está associada a um conjunto de regras mal definidas sobre os mecanismos do leilão resultantes da ausência de um estudo aprofundado sobre práticas adotadas por outros reguladores europeus em anteriores leilões, mas também a uma ausência de obrigações de investimento em cobertura do país para novos entrantes com pouco espetro. E volta a sublinhar as condições, que considera ilegais, de favorecimento injustificado para a entrada de novos players . Tudo junto resulta "nesta maratona que nos deixa na cauda da Europa em termos de lançamento de uma tecnologia crítica para o futuro do nosso País: o 5G", explica a empresa.
A reação da NOS é muito semelhante, e a resposta ao SAPO TEK bastante clara. "O facto de Portugal ser um dos únicos três países europeus ainda sem 5G é o resultado direto e expectável de um modelo mal desenhado, num processo inquinado por falhas graves e ferido de ilegalidades. É uma situação com forte impacto negativo no desenvolvimento económico social do país", adianta a empresa liderada por Almeida.
Desde que a Anacom avançou com a ideia de alterar o regulamento que os operadores têm sido altamente críticos a esta possibilidade, mas agora ameaçam mesmo recorrer juridicamente, depois do regulador ter comunicado a aprovação da alteração que está em consulta pública até 9 de junho.
Uma história que está longe de acabar?
Não é fácil prever até quando o processo do leilão do 5G se pode arrastar, mesmo que a Anacom avance com a mudança de regras. O certo é que o leilão em Portugal vai entrar para a história dos mais demorados de sempre, mesmo que se considere que é um dos mais completos. As 53 faixas que foram colocadas a concurso, de frequências de 700 MHz, 900 MHz, 2,1 GHz, 2,6 GHz e 3,6 GHz, são todas peças importantes de um "puzzle" que os operadores têm de construir para ter uma rede que cubra as necessidades dos clientes, e consiga uma cobertura do território para conseguirem responder às exigências do concurso que são "pesadas" para os operadores. No caderno de encargos ficou definido que as empresas têm de cobrir, até final de 2023, 75% da população e 95%, até 2025, em zonas de baixa densidade, e nas regiões autónomas da Madeira e Açores, e o contecto económico não está favorável para investimentos pesados, como os operadores têm vindo a alertar há anos.
Pela Europa há processos de leilão muito mais rápidos, mas para faixas mais reduzidas de espectro. A Suíça atribuiu as licenças para os 3,6 GHz num leilão de apenas um dia, e na Grécia bastaram seis rondas para entregar as licenças e encaixar 372,3 milhões de euros.
Muito mais demorado foi o leilão na Alemanha, ainda em 2019, que atingiu também valores muito elevados para as licenças distribuídas entre 4 operadores, entre os quais um novo entrante, chegando aos 6,55 mil milhões de euros. Foi um leilão multi faixa, nas bandas de 2,1 GHz e 3,6 GHz e teve uma duração "épica" de quase três meses.
Outro dos casos de longa duração de leilões foi nos Estados Unidos a faixa dos 3,7 GHz valeu já este mês 81,1 mil milhões de dólares e o leilão durou 2 meses, com 21 participantes mais de 5.600 licenças disponíveis.
Depois de ter falhado a implementação da rede de quinta geração em 2020, como pretendia a Comissão Europeia, a Anacom apontava para ter serviços ativos no primeiro trimestre de 2021, mas garantidamente isso já não vai acontecer durante o primeiro semestre deste ano.
Que vantagens traz o 5G? Vale a pena esperar?
A pergunta sobre se realmente precisamos já da rede de nova geração (5G) é frequente, sobretudo avaliando a disponibilidade e capacidade do 4G e até do 3G que ainda é usado em muitas regiões. Esta é uma evolução tecnológica face ao 4G e tem sido apontada como potenciadora de crescimento no mercado, trazendo valor aos operadores e aos utilizadores finais, clientes particulares e empresas.
Mais velocidade, menor latência e capacidade de servir de forma flexível segmentos com grande necessidade de largura de banda, através da tecnologia mmWave, são os grandes trunfos, a que se soma a disponibilidade já no mercado de vários equipamentos (smartphones e routers) que podem tirar partido da tecnologia e com preços acessíveis ao utilizador médio, a partir dos 260 euros.
Com a tecnologia podem potenciar-se novos casos de utilização de serviços e de gerar valor aos operadores e às empresas. São muitas as previsões de empresas e consultoras que apontam as vantagens e o encaixe económico, e a Ericsson é uma das que têm mostrado este potencial, estimado em 4 mil milhões de euros para Portugal.
Mesmo sem saber quando será entregues as licenças, a história do 5G em Portugal começa muito antes de 2020, quando se divulgou a proposta de regulamento para vender as licenças da quinta geração móvel. Os operadores já fazem testes pelo menos desde 2017 e neste campo Portugal está mesmo à frente de outros países europeus pelo número de ensaios realizados.
A MEO, a NOS e a Vodafone desdobraram-se na demonstração das vantagens do 5G em situações de emergência, no gaming e em festivais de verão, e o SAPO TEK teve oportunidade de experimentar o serviço durante o Web Summit 2019, tirando partido da largura de banda permitida pela rede da Altice.
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