O processo relativo ao Android é apenas um dos três que estão a decorrer na Comissão Europeia contra a Google, todos por violação das práticas da concorrência. Mas a multa é das mais elevadas de sempre, com o executivo europeu a aplicar um valor de 4,34 mil milhões de euros, que pode ainda subir.
“Este processo refere-se a três tipos de restrições que a Google impôs aos fabricantes de dispositivos móveis Android e aos operadores de redes para garantir que o tráfego dos dispositivos Android vá para o motor de pesquisa da Google. Deste modo, a Google usou o sistema Android para cimentar a posição dominante do seu motor de pesquisa. Estas práticas têm negado aos concorrentes a possibilidade de inovar e de competir com base nos seus méritos. e têm impedido os consumidores europeus de beneficiar de uma concorrência efetiva no importante setor dos aparelhos móveis. São práticas ilegais segundo as regras anti-trust da EU”, afirmou a comissária Margrethe Vestager, responsável pela política da concorrência
Veja aqui todos os argumentos que sustentam a decisão.
Segundo a Comissão Europeia a Google:
- exigiu aos fabricantes que pré-instalassem a aplicação de pesquisa Google Search e a aplicação de navegação (Chrome) como condição para a concessão de licenças da sua loja de aplicações (Play Store);
- fez pagamentos a alguns fabricantes de grande dimensão e a operadores de redes móveis, na condição de pré-instalarem em exclusividade a aplicação Google Search nos seus dispositivos; e
- impediu os fabricantes que pretendiam pré-instalar aplicações da Google de vender um só dispositivo móvel inteligente que fosse que funcionasse com versões alternativas do Android não aprovadas pela Google (as chamadas «ramificações do Android»).
No documento partilhado com a imprensa, a Comissão Europeia explica a estratégia da Google e o âmbito do inquérito da Comissão:
A Google obtém a esmagadora maioria das suas receitas através do seu produto emblemático, o motor de pesquisa Google. A empresa compreendeu muito cedo que a mudança dos computadores de secretária para a Internet móvel, que começou em meados dos anos 2000, seria uma mudança fundamental para o Google Search. Assim, a Google desenvolveu uma estratégia para antecipar os efeitos desta mudança e garantir que os utilizadores continuassem a usar o Google Search também nos respetivos dispositivos móveis.
Em 2005, a Google comprou a empresa que tinha desenvolvido originalmente o sistema operativo móvel Android e continuou a desenvolvê-lo desde então. Atualmente, cerca de 80 % dos dispositivos móveis inteligentes na Europa, e em todo o mundo, funcionam com o sistema Android.
Quando desenvolve uma nova versão do sistema Android, a Google publica o código-fonte em linha. Em princípio, isso permite a terceiros descarregar este código e modificá-la para criar ramificações Android. O código-fonte Android livremente acessível abrange as características básicas de um sistema operativo para dispositivos inteligentes móveis, mas não as aplicações e os serviços Android exclusivos da Google. Os fabricantes de dispositivos que pretendam obter as aplicações e os serviços Android exclusivos da Google necessitam de celebrar contratos com a Google mediante os quais a Google impõe um certo número de restrições. A Google também celebrou contratos e aplicou algumas destas restrições a certos operadores de redes móveis de grande dimensão, os quais podem igualmente determinar as aplicações e os serviços que são instalados nos dispositivos vendidos aos utilizadores finais.
A decisão da Comissão diz respeito a três tipos específicos de restrições contratuais que a Google impôs aos fabricantes de dispositivos e aos operadores de redes móveis. Estas restrições permitiram à Google usar o sistema Android para cimentar a posição dominante do seu motor de pesquisa. Por outras palavras, a decisão da Comissão não põe em causa nem o modelo de código aberto nem o sistema operativo Android em si.
Como é que a Google gere a sua posição dominante?
Em relação à posição dominante da Google, o executivo europeu explica que a empresa tem uma posição dominante nos mercados dos serviços de pesquisa genérica na Internet, sistemas operativos licenciáveis para dispositivos móveis inteligentes e lojas de aplicações para o sistema operativo móvel Android.
Serviços de pesquisa genérica
A Google tem uma posição dominante nos mercados nacionais das pesquisas genéricas na Internet em todo o Espaço Económico Europeu (EEE), ou seja, nos 31 Estados-Membros do EEE. A Google detém mais de 90 % de quota de mercado na maioria dos Estados-Membros do EEE. Existem elevadas barreiras à entrada nestes mercados. Esta foi igualmente a conclusão da decisão «Google Shopping», de junho de 2017.
Sistemas operativos licenciáveis para dispositivos móveis inteligentes
O Android é um sistema operativo licenciável para dispositivos inteligentes móveis. Isto significa que os fabricantes terceiros de dispositivos móveis inteligentes podem obter uma licença e correr o sistema Android nos respetivos dispositivos.
Através do seu controlo do sistema Android, a Google desfruta de uma posição dominante no mercado mundial (com exclusão da China) de sistemas operativos licenciáveis para dispositivos móveis inteligentes, com uma quota de mercado superior a 95 %. Existem elevadas barreiras à entrada, em parte devido aos efeitos de rede: quanto mais utilizadores usarem um sistema operativo para dispositivos móveis inteligentes, maior será o número de criadores de aplicações para esse sistema — o que, por sua vez, atrai um maior número de utilizadores. Além disso, são necessários recursos significativos para desenvolver um sistema operativo licenciável bem sucedido para dispositivos móveis inteligentes.
Sendo um sistema operativo licenciável, o Android é diferente dos sistemas operativos utilizados exclusivamente por empresas verticalmente integradas (como o iOS da Apple ou o Blackberry); estes não fazem parte do mesmo mercado porque não estão disponíveis para serem licenciados por fabricantes terceiros de dispositivos.
No entanto, a Comissão investigou em que medida a concorrência a nível dos utilizadores finais (a jusante), em especial entre dispositivos Apple e dispositivos Android, poderia indiretamente condicionar o poder de mercado da Google a nível do licenciamento do sistema Android aos fabricantes de dispositivos (a montante). A Comissão concluiu que esta concorrência não condiciona suficientemente a Google a montante, por uma série de razões, nomeadamente:
- As decisões de compra dos utilizadores finais são influenciadas por vários fatores (como as características do hardware ou a marca dos dispositivos), que são independentes do sistema operativo móvel;
- Os dispositivos da Apple têm, regra geral, um preço mais elevado do que os dispositivos Android, pelo que podem não ser acessíveis a uma grande parte da base de utilizadores de dispositivos Android;
- Os utilizadores de dispositivos Android têm de suportar custos quando mudam para dispositivos da Apple, como a perda das suas aplicações, dos seus dados e dos seus contactos, e são obrigados a aprender a utilizar um novo sistema operativo; e
- Ainda que os utilizadores finais optassem por mudar de dispositivos Android para dispositivos Apple, isto teria um impacto limitado na atividade principal da Google. Isto porque o Google Search é definido como o motor de pesquisa por omissão nos dispositivos da Apple, pelo que é, por isso, provável que os utilizadores da Apple continuem a utilizar o Google Search para as suas pesquisas.
Lojas de aplicações para o sistema operativo móvel Android
A Google domina o mercado mundial (com exclusão da China) no que se refere às lojas de aplicações para o sistema operativo móvel Android. A loja de aplicações da Google, a Play Store, representa mais de 90 % das aplicações descarregadas pelos dispositivos Android. Este mercado caracteriza-se igualmente por barreiras elevadas à entrada. Por razões semelhantes às já enumeradas anteriormente, o domínio da loja de aplicações da Google não está limitado pela loja de aplicações da Apple, que só está disponível nos dispositivos iOS.
E a que se refere a violação das regras anti-trust da EU?
A Comissão Europeia explica que posição dominante no mercado não é, em si, ilegal nos termos das regras anti-trust da UE. No entanto, as empresas em posição dominante têm uma especial responsabilidade de não abusarem da sua forte posição de mercado, restringindo a concorrência tanto no mercado onde são dominantes como noutros mercados.
A Google envolveu-se em três tipos de práticas distintos, tendo todos por objetivo cimentar a posição dominante da Google nos serviços de pesquisa genérica na Internet.
1) Associação vinculativa ilegal entre as aplicações de pesquisa e de navegação da Google
A Google oferece as suas aplicações e serviços móveis aos fabricantes de dispositivos como um pacote, que inclui a Google Play Store, a aplicação Google Search e o programa de navegação Google Chrome. As condições de licenciamento da Google impedem que os fabricantes pré-instalem umas aplicações sem as outras.
No âmbito da investigação da Comissão, os fabricantes de dispositivos confirmaram que a Play Store é uma aplicação «indispensável», uma vez que os utilizadores esperam encontrá-la pré-instalada nos seus dispositivos (nomeadamente porque não a podem descarregar legalmente eles próprios).
A decisão da Comissão concluiu que a Google protagonizou dois casos de associação vinculativa ilegal:
- Em primeiro lugar, a associação vinculativa da aplicação Google Search. Consequentemente, a Google assegurou que a aplicação Google Search seja pré-instalada em praticamente todos os dispositivos Android vendidos no EEE. As aplicações de pesquisa representam um importante ponto de entrada para as pesquisas nos dispositivos móveis. A Comissão constatou esta conduta de associação vinculativa ilegal a partir de 2011, data a partir da qual a Google passou a deter uma posição dominante no mercado das lojas de aplicações para o sistema operativo móvel Android.
- Em segundo lugar, a associação vinculativa do navegador Google Chrome. Consequentemente, a Google assegurou que o seu navegador móvel seja pré-instalado em praticamente todos os dispositivos Android vendidos no EEE. Os programas de navegação também representam um importante ponto de entrada para as pesquisas nos dispositivos móveis e o Google Search é o motor de pesquisa por omissão no Google Chrome. A Comissão constatou esta conduta de associação vinculativa ilegal a partir de 2012, data a partir da qual a Google incluiu o navegador Chrome no seu pacote de aplicações.
A pré-instalação pode criar uma preferência pelo status quo. É provável que os utilizadores que encontrem as aplicações de pesquisa e de navegação pré-instaladas nos seus dispositivos se mantenham fiéis a essas aplicações. Por exemplo, a Comissão encontrou provas de que a aplicação Google Search é sistematicamente mais usada nos dispositivos Android, nos quais vem pré-instalada, do que nos dispositivos Windows Mobile, em que os utilizadores têm de a descarregar. Isto também mostra que os utilizadores não descarregam aplicações concorrentes em números que possam compensar a vantagem comercial significativa resultante da pré-instalação. Por exemplo, em 2016:
- nos dispositivos Android, (em que o Google Search e o Google Chrome foram pré-instalados), mais de 95% da totalidade das pesquisas foram feitas através do motor de pesquisa Google Search; e
- nos dispositivos Windows Mobile, (em que o Google Search e o Google Chrome não foram pré-instalados), menos de 25 % da totalidade das pesquisas foram feitas através do motor de pesquisa Google Search. Mais de 75 % das pesquisas foram efetuadas no motor de pesquisa Bing da Microsoft, que vem pré-instalado nos dispositivos Windows Mobile.
A prática da Google reduziu, por conseguinte, os incentivos aos fabricantes para pé-instalarem aplicações de pesquisa e de navegação concorrentes, bem como os incentivos aos consumidores para descarregarem essas aplicações. Isto veio reduzir a capacidade dos concorrentes para concorrerem efetivamente com a Google.
A Comissão avaliou igualmente em pormenor os argumentos da Google de que era necessária a associação vinculativa da aplicação Google Search e do programa de navegação Chrome, em especial para permitir à Google recuperar o seu investimento no Android, e concluiu que estes argumentos não eram procedentes. A Google atinge milhares de milhões de dólares em receitas anuais apenas com a Google Play Store, recolhe muitos dados que são valiosos para as suas atividades de pesquisa e publicidade a partir de dispositivos Android e teria ainda beneficiado de um fluxo significativo de receitas provenientes da publicidade associada à pesquisa sem as restrições.
2) Pagamentos ilegais subordinados à pré-instalação exclusiva do Google Search
A Google concedeu incentivos financeiros significativos a alguns dos principais fabricantes de dispositivos, bem como a operadores de redes móveis, na condição de procederem à pré-instalação exclusiva do Google Search em todos os seus dispositivos Android. Esta ação prejudicou a concorrência ao reduzir significativamente os incentivos para a pré-instalação de aplicações de pesquisa concorrentes.
A investigação da Comissão revelou que um motor de pesquisa rival teria sido incapaz de compensar um fabricante de dispositivos ou um operador de rede móvel pela perda dos pagamentos da quota de receitas da Google e ainda realizar lucros. Isto acontece porque ainda que o motor de pesquisa rival fosse pré-instalado em apenas alguns dispositivos, teria de compensar o fabricante de dispositivos ou o operador de rede móvel pela perda da quota de receitas da Google em todos os dispositivos.
Em conformidade com o acórdão recente do tribunal da UE no processo Intel, a Comissão teve em atenção, entre outros fatores, as condições em que os incentivos foram concedidos, o seu montante, a quota de mercado abrangida por estes acordos e a sua duração.
Nesta base, a Comissão considerou ilegal a conduta da Google entre 2011 e 2014. Em 2013 (após a Comissão ter começado a analisar esta questão), a Google começou a suprimir gradualmente o requisito. A prática ilegal cessou de forma efetiva a partir de 2014.
A Comissão avaliou igualmente em pormenor os argumentos da Google de que era necessária a concessão de incentivos financeiros para a pré-instalação exclusiva do Google Search em todos os dispositivos Android. A este respeito, a Comissão rejeitou a alegação da Google de que eram necessários pagamentos baseados na exclusividade para convencer os fabricantes de dispositivos e os operadores de redes móveis a produzir dispositivos para o ecossistema Android.
3) Obstrução ilegal do desenvolvimento e da distribuição de sistemas operativos Android concorrentes
A Google impediu que os fabricantes de dispositivos utilizassem qualquer versão Android alternativa que não fosse aprovada pela Google (ramificações Android). A fim de poder pré-instalar nos seus dispositivos aplicações exclusivas da Google, incluindo a Play Store e o Google Search, os fabricantes tiveram de comprometer-se a não desenvolver ou vender um único dispositivo que fosse que funcionasse com uma ramificação Android. A Comissão constatou que esta conduta era abusiva a partir de 2011, data a partir da qual a Google passou a deter uma posição dominante no mercado das lojas de aplicações para o sistema operativo móvel Android.
Esta prática reduziu significativamente a oportunidade de desenvolver e vender dispositivos que funcionassem com ramificações Android. Por exemplo, a Comissão encontrou provas de que a conduta da Google impediu um certo número de grandes fabricantes de desenvolver e vender dispositivos que utilizassem a ramificação Android da Amazon chamada «Fire OS».
Ao proceder deste modo, a Google impediu ainda que os seus concorrentes introduzissem aplicações e serviços, em especial serviços de pesquisa genérica, que pudessem ser pré-instalados nas ramificações Android. Por conseguinte, a conduta da Google tem tido um impacto direto nos utilizadores, negando-lhes o acesso a uma maior inovação e a dispositivos móveis inteligentes baseados em versões alternativas do sistema operativo Android. Por outras palavras, em resultado desta prática, era a Google — e não os utilizadores, os criadores de aplicações e o mercado — que efetivamente determinava quais os sistemas operativos que poderiam prosperar.
A Comissão avaliou igualmente em pormenor os argumentos da Google de que estas restrições eram necessárias para impedir uma «fragmentação» do ecossistema Android e concluiu que não eram procedentes. Em primeiro lugar, a Google poderia ter garantido que os dispositivos Android que utilizam aplicações e serviços exclusivos da Google cumpriam os requisitos técnicos da Google sem ter de impedir a emergência de ramificações Android. Em segundo lugar, a Google não apresentou quaisquer elementos de prova credíveis de que as ramificações Android são afetadas por falhas técnicas ou falhas no apoio às aplicações.
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