O regulamento MiCA (Markets in Crypto-Assets) entrou em vigor em 2023, com a maioria das regras do regulamento passaram a ser aplicadas em dezembro do ano passado, após a implementação de duas das suas componentes em junho. Apesar da recente aprovação de dois diplomas com vista à regulação do mercado de criptoativos no país, Portugal ainda não adotou o regulamento.

Em entrevista ao TEK Notícias, João Augusto Teixeira, Chief Compliance Officer da Bit2Me, realça que “embora Portugal tenha cultivado uma excelente reputação como um vibrante polo tecnológico, um atraso na implementação de uma regulação fundamental como o MiCA pode criar uma percepção de incerteza”.

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Tendo em conta que “capital, talento e inovação tendem a gravitar em direção a jurisdições que oferecem clareza legal e estabilidade regulatória”, as empresas do sector que procuram estabelecer uma sede europeia vão “naturalmente favorecer países que já disponibilizaram um caminho claro e eficiente para a conformidade”, afirma.

“É necessária uma ação célere para que Portugal mantenha a sua vantagem competitiva e consolide o seu estatuto como destino de referência para empresas de ativos digitais”, sublinha João Augusto Teixeira.

Recorde-se que, ainda no início de agosto, o Ministério das Finanças tinha indicado que o processo legislativo relativo à adoção do MiCA estava em curso, com a aprovação final e o anúncio da entidade escolhida para ser o supervisor dos criptoativos em Portugal a acontecer em breve.

Em Portugal, a supervisão do sector era anteriormente dividida entre a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e o Banco de Portugal. Porém, com a entrada em vigor do regulamento MiCA, esta competência deixou de estar definida a nível nacional.

“A ausência de uma autoridade nacional competente designada significa que não existe um caminho claro para a obtenção de uma licença MiCA a nível local”, indica o Chief Compliance Officer da Bit2Me, enfatizando que esta situação “pode sufocar a inovação doméstica”.

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Para lá das empresas do sector, o “potencial vazio de supervisão e reparação” também traz riscos para os investidores. “Sem uma autoridade local formal para supervisionar o mercado, pode tornar-se mais difícil distinguir entre operadores conformes e não conformes”, numa situação que “pode expor os consumidores a atores que não cumprem os elevados padrões do MiCA”.

Nas suas palavras, Portugal deve concentrar-se em três áreas-chave para se poder posicionar de forma mais clara como destino para empresas do sector cripto.

Acelerar a “plena implementação nacional do MiCA” é, desde logo, uma área prioritária, com a designação de uma autoridade nacional competente dotada de recursos e de “mandato que lhe permita ser um regulador eficiente e acessível”.

Como realça João Augusto Teixeira, a autoridade nacional competente que for eventualmente designada deverá manter um diálogo proativo com a indústria, publicando orientações claras e estabelecendo prazos de autorização previsíveis, numa “abordagem de supervisão robusta, mas também favorável ao negócio”.

Outra das áreas-chave em que Portugal deve apostar é a promoção de “um ecossistema holístico, incentivando a literacia digital, estimulando a colaboração entre instituições financeiras e empresas de criptoativos e garantindo que o seu enquadramento fiscal se mantenha competitivo e claro”.

Na visão do responsável, “uma combinação de rapidez regulatória, clareza e uma estratégia nacional de apoio constituiria um sinal poderoso para a indústria global de criptoativos”.

Um "passaporte" cripto para toda a UE

Recentemente, a Bit2Me recebeu “luz verde” da Comissão Nacional do Mercado de Valores Mobiliários (CNMV) de Espanha para operar como Provedora de Serviços de Criptoativos ao abrigo do regulamento MiCA.

Na prática, esta autorização significa que a empresa passa a ter autorização regulatória total para operar em toda a União Europeia, incluindo em Portugal, numa espécie de “passaporte” para todos os 27 Estados-Membros.

Para os utilizadores da plataforma da Bit2Me, a aprovação traduz-se numa maior proteção e transparência, explica João Augusto Teixeira, com a empresa a estar agora sujeita “aos mesmos padrões elevados que outras instituições financeiras reguladas”.

Olhando para Portugal, apesar da falta de supervisão nacional definida, os utilizadores nacionais da plataforma “recebem exatamente as mesmas proteções e elevados padrões que aqueles em Espanha ou em qualquer outro país da União Europeia”.

Aqui, o principal desafio acaba por ser mais administrativo, conta o responsável. “O enquadramento do MiCA baseia-se na cooperação entre o supervisor de origem e o supervisor do país anfitrião. Sem um contraparte designado em Portugal, os canais formais de comunicação e reporte de supervisão ainda não estão ativos”, explica.

Por outro lado, “isso não afeta a validade da nossa licença nem a nossa capacidade de servir o mercado português”, afirma João Augusto Teixeira, acrescentando que a Bit2Me está preparada para “colaborar com a autoridade portuguesa designada assim que for formalmente estabelecida”.

MiCA não é uma "solução milagrosa"

O MiCA traz uma maior clareza jurídica à regulação dos criptoativos, mas, como aponta o responsável, “a regulação por si só não é uma solução milagrosa” e  deve “ser complementada pelo compromisso da própria indústria com práticas éticas e transparência”.

Além disso, com o ecossistema cripto em constante evolução, surgem fronteiras relevantes para a regulação, como as Finanças Descentralizadas (DeFi), bem como desafios específicos colocados por determinados Tokens Não Fungíveis (NFTs), aponta.

Nesse sentido, desenvolver uma “abordagem regulatória ponderada” para o DeFi afirma-se como um aspecto crucial, incorporando “princípios de proteção do consumidor e de estabilidade financeira sem sufocar a inovação central da descentralização”.

João Augusto Teixeira acrescenta que, “da mesma forma, serviços como empréstimos de criptoativos e staking, que ganharam popularidade, beneficiariam de uma maior clareza legal para assegurar uma divulgação adequada de riscos e a proteção dos utilizadores”.

“A chave será seguir o modelo do MiCA: criar regras específicas, baseadas no risco, que promovam uma inovação responsável”, realça.

Olhando para o futuro, espera-se que o mercado cripto continue a amadurecer e a integrar-se cada vez mais. Na visão do Chief Compliance Officer da Bit2Me, aos longo dos próximos cinco anos, “a clareza legal do MiCA deverá atrair um investimento institucional substancial, fomentando a criação de produtos mais avançados”.

O responsável espera que o foco da indústria vá “além da especulação, passando a priorizar aplicações práticas, como a integração fluida dos pagamentos em criptoativos na economia tradicional”.

Do lado da Bit2Me, o objetivo perante este novo cenário passa por “ser uma ponte de confiança entre o mundo financeiro tradicional e a economia dos ativos digitais”, focando-se em áreas como a simplificação da experiência do utilizador, mas também em oferecer uma maior acessibilidade ao nível institucional.