Portugal percorreu um longo caminho na construção de um ecossistema de atividades de suporte ao Espaço que está prestes a reforçar com dois projetos de peso em 2024: o centro tecnológico de Santa Maria, que inclui o Porto Espacial, e o chamado GeoHUB, para promover a utilização de dados abertos de observação da terra.
Estão reunidas todas as condições “para mostrar aquilo que Portugal é capaz no sector espacial”, tinha assegurado a ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior durante a conferência de comemoração dos 30 anos de lançamento do PoSAT-1, falando dos voos suborbitais planeados e do desenvolvimento das capacidades de acesso e retorno ao Espaço, com a criação do centro tecnológico de Santa Maria, que inclui o Porto Espacial, a componente que mais expetativa têm gerado.
“O porto espacial é uma capacidade que queremos desenvolver, mas não é ‘a’ capacidade que vai transformar Portugal neste sector”, começou por dizer Ricardo Conde, presidente da agência espacial portuguesa, Portugal Space, em entrevista ao SAPO TEK. “Não coloquem os ovos todos no porto espacial que pode não vir a ter uma expressão de volume que têm outras vertentes”, acrescentou.
Depois da demora na revisão da lei do espaço, estão agora previstos para este ano os primeiros voos suborbitais a partir dos Açores, confirmou Ricardo Conde. Estes voos podem ultrapassar a chamada linha de Kármán que estabelece formalmente o limite entre a atmosfera terrestre e o espaço, mas não chegam a entrar em órbita, regressando minutos depois.
Para 2024 estão também já acordadas duas missões de reentrada, a primeira das quais planeada para o mês de julho. “Inicialmente estas missões serão experimentais e depois comerciais, mais para a frente”, explicou Ricardo Conde, acrescentando que o objetivo é fazer das instalações nos Açores um ponto de referência para a Europa neste género de atividades.
O presidente da Portugal Space voltou a admitir que uma das maiores intenções é assegurar o “made in flight” do Space Rider, o veículo reutilizável de carga da ESA, que tem o seu primeiro voo programado para o final do próximo ano, entretanto reagendado.
Veja imagens do projeto Space Rider
“Estamos a construir o centro tecnológico espacial nesta perspetiva: fazer com que o Space Rider aterre em Santa Maria. Neste momento a probabilidade é de 50/50”, afirmou.
A ESA explica o que está previsto para o Space Rider em vídeo
Sobre o porto espacial, Ricardo Conde disse que o projeto está atualmente na fase de conclusão do design e que a construção também deverá arrancar ainda em 2024, depois do concurso que precede essa etapa, em mais um passo que poderá transformar Santa Maria num dos atores da indústria espacial, como alternativa para o lançamento de pequenos foguetões.
“Pode haver voos suborbitais sem haver porto espacial para os voos orbitais e vice-versa”, sublinhou Ricardo Conde. “São componentes diferentes e independentes do ecossistema”.
Janeiro e fevereiro serão meses para conversar e debater, “com várias empresas que já mostraram interesse”, um possível modelo de funcionamento, a apresentar publicamente depois em março. Em cima da mesa está a oferta de mecanismos de licenciamento expedito, condições de candidatura a fundos e contrapartidas de mercado. “A intenção não é dar cimento, é dar mercado”, disse o responsável ao SAPO TEK.
Novas oportunidades para o Espaço concentradas nos Açores, mas não só
A criação do centro tecnológico nos Açores é encarada pelos diferentes intervenientes do sector espacial em Portugal com expectativa, pelas oportunidades que pode trazer para o país e para a indústria portuguesa.
Para Pedro Matias, Presidente do ISQ, a expectativa é grande, dado que permite o envolvimento direto no terreno de muitas empresas que estão com atividades no cluster aeroespacial, apontou ao SAPO TEK. “A médio prazo acreditamos que vai permitir qualificar ainda mais a indústria portuguesa para este tipo de atividades não só a nível nacional, mas sobretudo a nível internacional”.
Por outro lado, também é um estímulo muito importante para as Universidades portuguesas “porque passam a ter uma estrutura no próprio país onde podem desenvolver trabalho, envolver alunos e desenvolver teses de mestrado e doutoramento”, acrescentou.
Na Omnidea destaca-se a “enorme vantagem geográfica” que Portugal face a possíveis concorrentes diretos. Além de Portugal, na União Europeia só existe mais um país com uma geografia adequada para lançamentos espaciais seguros de satélites de observação terrestre, em órbitas solares síncronas, a Suécia, que no entanto tem de lidar com instabilidade meteorológica, e/ou as condições severas nos meses de inverno. “Tal pode representar grandes dificuldades à operação, tornando-se inviável para uma grande maioria de lançadores e satélites”, referiu Tiago Pardal.
Para o CEO da Omnidea, Portugal deve preparar, neste âmbito, enquadramentos vantajosos - regulatório, legal, logístico e estratégico - que tornem a operação em território nacional atrativa para players do sector.
O porto espacial de Santa Maria não será por si só uma vantagem em relação a outros países, mas definitivamente coloca-nos na corrida espacial, defendeu por sua vez Ivo Vieira, CEO da Lusospace, acrescentando que, salvo grandes países como os Estados Unidos, China, India e outros, todos os outros precisam de cooperar para criar sinergias e ter lugar no mercado.
“O porto espacial só uma peça de todo o puzzle da corrida ao espaço. Precisamos de lançadores, satélites, produtos”, afirmou Ivo Vieira.
Mas nem só de centro tecnológico espacial nos Açores vive a PT Space este ano. As atenções da agência espacial portuguesa estão também viradas para o lançamento do chamado GeoHUB, com a intenção de concentrar num único portal o acesso a dados abertos de observação da Terra.
O GeoHUB nacional não é mais do que uma resposta para tornar o acesso aos dados de observação da terra mais democráticos”, explicou Ricardo Conde. A partir daí a ideia é usar esses dados abertos para desenvolver aplicações que permitam uma melhor gestão e monitorização do território.
Está também pensado o desenvolvimento de uma componente de “space wheather” em Portugal, para análise de alertas de meteorologia espacial, como atividade solar intensa, com as chamadas erupções solares, além de outras.
“Isso é um esforço que vai exigir coordenação com várias entidades, vai envolver os sistemas de supercomputação nacionais, os sistemas de armazenamento, e estamos a trabalhar neste momento nisso”, disse o presidente da PT Space, que não esconde que gostava que houvesse uma forte ligação aos operadores nacionais, para desenvolverem as suas constelações de observação da Terra.
“Gostava que os fornecedores desses dados fossem portugueses. Por isso é que estamos a desenvolver este esforço dentro das agendas do PRR, daquilo que financiamos na agência e dos programas da ESA”, referiu.
E essa é uma possibilidade forte, dado o "excelente momento" que o ecossistema empresarial português vive. “Muitas empresas portuguesas têm vindo a apostar neste sector desde há vários anos, com muito esforço, dedicação e grande profissionalismo”, defendeu Pedro Matias.
“Fruto de um grande trabalho feito por exemplo na indústria dos moldes ou mesmo dos componentes automóvel várias empresas passaram também a colocar o sector aeroespacial nas suas agendas e com grande sucesso”, referiu o presidente do ISQ.
O responsável destacou ainda “uma aposta concertada e constante” nestas áreas do ponto de vista das políticas públicas, “o que é crucial para alavancar o tecido empresarial português nestas matérias. É muito importante que o Portugal 2030 reforce este apoio”.
Para Ivo Vieira, o ecossistema português para o espaço já tem uma boa maturidade, mas a nível de um “adulto” de 18 anos. “Agora precisa de sair de casa e começar a ser independente e crescer”. A Agenda New Space do PRR é um projeto que vai permitir obter esse crescimento adicional, considera.
Ainda há muita coisa para fazer, “mas não nos resta mais que congratular todos os atores que contribuíram para chegarmos onde estamos hoje e acreditar que o crescimento nacional é uma inevitabilidade, rematou Tiago Pardal.
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