Questionada à margem de uma conferência organizada pela Comissão Independente do Estudo sobre Abuso Sexual de Crianças na Igreja Católica Portuguesa, que hoje decorre na Fundação Calouste Gulbenkian, Lucília Gago justificou o envio de uma peça processual para o TC a defender a nulidade do acórdão sobre a lei dos metadados, que impede a sua recolha para efeitos de investigação criminal.
“Na forma como o acórdão foi publicado há efetivamente esse perigo de que algumas investigações possam soçobrar”, disse a procuradora-geral da República (PGR) aos jornalistas. Questionada se o receio é que tenha efetividade sobre casos já julgados e com condenações, Lucília Gago disse que “é isso que se tenta agora clarificar”.
Já hoje, em resposta à Lusa, o TC adiantou que irá analisar a arguição da procuradora-geral da República em que é defendida a nulidade da decisão daquele tribunal sobre a lei dos metadados e depois proferir uma decisão.
Já o Ministério da Justiça, por seu lado, disse estar a analisar "do ponto de vista prático e jurídico" o acórdão do Tribunal Constitucional sobre a lei dos metadados, o qual tem "relevante impacto na investigação, deteção e repressão de crimes graves".
Lucília Gago enviou na segunda-feira uma peça processual para o TC a arguir a nulidade da decisão relativa à lei dos metadados, por entender haver "contradição entre a fundamentação e o juízo de inconstitucionalidade".
“Complementarmente, requereu a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sobre a fixação de limites aos efeitos da mesma, requerendo que seja declarada a eficácia apenas para o futuro”, adiantava ainda uma nota da PGR.
O TC anunciou a 27 de abril ter declarado inconstitucionais as normas da chamada "lei dos metadados" que determinam a conservação dos dados de tráfego e localização das comunicações pelo período de um ano, visando a sua eventual utilização na investigação criminal.
Num acórdão proferido no dia 19, o TC entendeu que guardar os dados de tráfego e localização de todas as pessoas, de forma generalizada, “restringe de modo desproporcionado os direitos à reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa”.
O possível impacto desta decisão nos processos com recurso a metadados na investigação criminal desde 2008 está já a ser questionado por diferentes agentes do setor judiciário e foi inclusivamente comentado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que sublinhou a posição “muito firme” dos juízes do TC.
“O problema é o seguinte, o Tribunal Constitucional entende que a Constituição é muito fechada. Quando ela foi aprovada era muito fechada e muito restritiva e, portanto, tem mantido em sucessivas decisões uma posição muito firme que é não permitir uma lei que dê o acesso aos chamados metadados para efeitos de investigação criminal internacional”, disse Marcelo Rebelo de Sousa.
O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) tinha defendido, em resposta à Lusa, que a decisão do TC vinha impossibilitar a investigação criminal, nomeadamente no que diz respeito aos crimes informáticos, acusando ainda o TC de desproteger as vítimas destes crimes.
Por outro lado, o bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão, rebateu as críticas às possíveis consequências do acórdão do TC sobre o uso de metadados e lembrou que a investigação criminal tem de respeitar a Constituição.
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