A fotografia entrou na vida de João Bernardino enquanto ainda era estudante, mas, na altura, não era a sua disciplina de eleição. Enquanto designer não a abandonou, mas, mais tarde, o Instagram levou-o a redescobrir esta área com novos olhos e a percorrer novos caminhos.

"Costumamos ouvir aquela história de que os telemóveis vão acabar com as câmaras, mas o que muitas vezes acaba por acontecer é que o telemóvel também leva a uma câmara novamente e foi isso o que me aconteceu”, explica o fotógrafo e criador de conteúdo ao SAPO TEK.

A vontade de registar o mundo em seu redor com a câmara do smartphone começou a surgir em 2015, quando dividia um estúdio com um colega arquiteto que tinha um colaborador muito ligado ao Instagram.

“Eu, na altura, nem muitas redes sociais tinha, mas, com a presença dele, e a perceber como o Instagram funcionava, comecei a aperceber-me de que tinha um telemóvel que era uma câmara no bolso e que era fácil fotografar com ele”, reconta. A partir daí, as suas atenções voltaram-se para a rede social, produzindo “muita fotografia mobile quase diariamente”.

Pelo caminho sentiu a necessidade de voltar um pouco atrás e, embora gostasse da “ideia de ter uma câmara fotográfica que metia no bolso”, existiam certos aspectos a nível técnico que um telemóvel não conseguia oferecer.

De câmara em riste, “para fotografar em situações lumínicas mais adversas e para chegar mais longe”, começou a redescobrir também fotografia mais convencional, algo que o levou a rever conceitos que já conhecia e a conhecer mais sobre o lado digital desta arte. “Voltei à fotografia pelo Instagram e não a larguei de lá para cá”, realça.

Além de o fazer redescobrir a fotografia, o Instagram abriu um novo mundo de possibilidades à medida que foi crescendo na rede social, com foco na criação de conteúdo para marcas. “Houve uma certa altura em que eu comecei a ser bastante requisitado e comecei a ligar-me tanto à fotografia e à criação de conteúdos que mudei um bocado a minha profissão e, neste momento, é o que eu faço”, detalha,

No seu portfólio conta com experiências como #PortugalPorDentro, com a Samsung, onde partiu à descoberta dos caminhos da Nacional 2, a mais longa estrada portuguesa, e, mais recentemente, com a Xiaomi, a propósito do lançamento dos modelos Xiaomi 13 e 13 Pro.

Entre as experiências mais memoráveis, o fotógrafo e criador de conteúdo recorda quando foi convidado para visitar Norilsk, cidade russa acima do círculo polar ártico, onde as temperaturas rondavam os 32 graus negativos. “Foi um bocadinho como aterrar em Marte”, relembra. “Adorei fotografar na cidade, mesmo a parte dos edifícios, do brutalismo soviético que ainda se sente. Foi uma experiência única”.

João Bernardino destaca ainda a experiência que teve, a convite da Comissão Europeia, para uma viagem pelos Balcãs a propósito do Ano Internacional do Comboio. “O comboio saiu em Lisboa, mas eu só o apanhei em Zagreb, percorri os Balcãs todos e foi muito engraçado”.

Novos horizontes tecnológicos na fotografia

Atento às tendências da tecnologia e à forma como interagem com a fotografia, João Bernardino olha também para a crescente aposta do mundo mobile nas capacidades fotográficas dos smartphones . “Até agora têm-se vendido muito os telemóveis pelas câmaras e essa é uma tendência que vai continuar muito provavelmente”, aponta.

“A parte do desejo de um telemóvel muitas vezes prende-se com as câmaras e, sinceramente, do que tenho visto eu acho que não são câmaras fotográficas. São câmaras, mas não são a mesma coisa do que uma câmara fotográfica”, afirma, ressalvando algumas aproximações que estão a ser feitas no mercado.

Mais recentemente, tem vindo a fazer experiências com o Midjourney, o sistema de inteligência artificial, semelhante ao DALL-E ou ao Stable Diffusion que permite gerar imagens a partir de descrições textuais, partilhando os resultados no Instagram.

Nas suas palavras, a experiência tem sido “a loucura total”, mas admite que “é impossível” não pensar nas implicações da tecnologia para o meio artístico.

“Eu encaro-a mais como uma revolução, uma grande revolução tecnológica no meio artístico e na arte”, começa por explicar. “Já houve várias e a fotografia foi uma delas. Quando a fotografia surge, a pintura e as artes em geral mudam e reinventam-se devido a essa evolução tecnológica. Acho que a IA é isso mesmo também”.

Para o fotógrafo e criador de conteúdo, não há forma de escapar ao impacto da IA na arte e nas profissões ligadas à fotografia. No entanto, a tecnologia poderá trazer novos moldes a este mundo. “A fotografia, enquanto disciplina artística, enquanto uma arte, vai continuar a existir: vai reinventar-se e vai reposicionar-se exatamente em confronto, ou não, com a inteligência artificial”.

“Tenho uma visão positiva sobre as coisas: não vou largar a câmara, não vou abandonar a fotografia, mas, nitidamente, tenho a sensação que vai mudar a forma como vejo o mundo”, realça.

Poder “fotografar” ou criar imagens de uma época que não viveu com recurso a IA é para João Bernardino algo incrível, que olha para esta característica como a “verdadeira revolução” trazida pela tecnologia no meio da arte. É certo que existem questões levantadas acerca do uso desta tecnologia, mas, na sua visão, “são secundárias perante o impacto que a inteligência artificial vai ter no nosso mundo e nas nossas profissões”.

Muitas vezes, a inteligência artificial é um reflexo do que nós somos e do que nós conhecemos e da cultura que temos. Nesse sentido sou bastante progressista”, afirma, admitindo que ainda está numa fase de experimentação mais livre e que ainda precisa de se aprofundar mais.

Tecnologia e fotografia estão intimamente ligadas, com a segunda a seguir o ritmo da evolução da primeira. Mas não é só na tecnologia onde sente a mudança. Com o passar do tempo, o trabalho que partilha com o mundo também vai registando uma evolução.

“Muitas vezes são as localizações por onde eu ando a fotografar, muitas vezes em trabalho que me acabam por levar a publicar as coisas. Acima de tudo, eu tenho mudado muito”, salienta.

“Desprendi-me muito de ter uma assinatura pela localização. (...) Eu acabo, mesmo pela questão de se ter tornado a minha profissão e de visitar locais muito diferentes, por me  libertar dessas amarras da tendência ou de tentar cristalizar demais a minha galeria e o meu trabalho”.

Mas o que recomenda João Bernardino a quem quer explorar o seu lado mais criativo e captar o mundo em seu redor?  Lançar-se sem medos e entrar no espírito de descoberta são fundamentais, assim como “sermos quem somos”, “procurar os nossos interesses” e “explorá-los profundamente e obcecadamente”, tudo com uma boa dose de persistência.