A "evolução do ecossistema mediático ibérico entre 2025 e 2030 será caracterizada pela integração generalizada da IA, com aplicações extensivas na recolha, produção e distribuição de conteúdos", lê-se na análise das tendências e inovações do ecossistema mediático em Portugal e Espanha 2025/2023, do Observatório Ibérico de Media Digitais e da Desinformação (Iberifier), a que pertence a agência Lusa, e que também alerta para os riscos.

Estas tendências foram delineadas pelo Iberifier a partir de entrevistas a 71 peritos sobre 16 áreas, da IA às novas narrativas, das redes sociais à big data, da organização laboral ao marketing, que resultaram num texto síntese submetido depois à opinião de 101 diretores e responsáveis de media dos dois países.

Mais de 90% dos inquiridos no estudo "defende que o desenvolvimento da IA vai criar uma ameaça acrescida à informação" por que cria "desinformação mais sofisticada e difícil de verificar".

Será a "grande disrupção tecnológica a curto e médio prazo para todos os setores dos media", que leva a uma segunda tendência identificada pelo Iberifier: a necessidade de mais verificação (fact checking).

Desinformação relacionada com a IA no topo dos riscos globais. Ameaças climáticas também
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Segundo o observatório, é necessário desenvolver "programas de formação eficazes" para que jornalistas e verificadores consigam ferramentas para "compreender a utilização da tecnologia" e "promoverem a literacia mediática".

O estudo aponta ainda uma percentagem relevante (17%) de inquiridos que não tem uma posição clara sobre a questão da inteligência artificial, havendo ceticismo sobre a forma de retirar o máximo partido destas ferramentas.

A grande maioria dos responsáveis dos media considera que, na resposta, se deve "privilegiar a produção de formatos audiovisuais" mais "fáceis de entender" e de "maior impacto", e também dar formação em ferramentas de IA.

Na análise da maioria dos especialistas e responsáveis de media de Portugal e Espanha admite-se que estas novas ferramentas serão sobretudo aplicadas "a processos intermédios de produção: resumos e traduções".

Independentemente de todas as cautelas, a esmagadora maioria dos gestores (94%) acredita que a "IA irá reforçar a experiência do utilizador, personalizando conteúdos e prevendo necessidades", transformando os "paradigmas da produtividade e automação de tarefas".

Inteligência Artificial nos media já é "uma tendência do presente"

"A inteligência artificial é uma tendência, mas não é de futuro, é do presente e aquela que, segundo todos os especialistas, vai trazer maior alteração" aos órgãos de informação, afirmou o jornalista e investigador Miguel Crespo em entrevista à agência Lusa, sobre o relatório divulgado pelo Observatório Iberifier.

A IA, disse, tornou-se uma questão "impossível de ignorar", dado que muitos dos participantes no estudo do Iberifier a mencionavam nas suas respostas para identificar as tendências nos media de 2025 a 2030.

O investigador aponta duas maneiras possíveis de olhar a IA. Por um lado, pode ajudar os jornalistas em "tarefas industriais", por exemplo, na desgravação de entrevistas, traduções ou feitura de resumos, dando-lhes mais tempo para o "lado criativo" da profissão.

"Podemos ver a Inteligência Artificial no extremo que alguns investigadores e pensadores a põem, uma revolução tão grande como foi a chegada da Internet ou eventualmente maior ainda para aquilo que são as nossas sociedades (...). Ou podemos ver de uma forma não tão grandiosa como mais uma gama de ferramentas que vem contribuir para o nosso trabalho", acrescentou. É neste segundo grupo em que Miguel Crespo se inclui, embora com algumas ressalvas.

"Como em tudo aquilo que é criado para o bem também pode ser usado para o mal", ou seja, automatizando processos que "não deveriam ser automatizados, como a produção de trabalhos jornalísticos complexos criativos, onde o fator humano é determinante", disse.

Na lista de riscos inclui a possível precariedade na profissão de jornalista, mas também "mais desinformação, mais manipulação" e feita de "uma forma muito mais simples" por novas ferramentas de IA.

Haverá "maus empresários, maus gestores de media" que podem "aproveitar estas ferramentas para dispensarem pessoas", mas Miguel Crespo acredita que haverá "profissionais que queiram investir em saber explorar estas ferramentas".

Redes sociais serão cada vez mais dominantes na distribuição de conteúdos

Esta é uma das tendências traçadas para 2025/2030 no estudo do Observatório Iberifier. Os media terão de adaptar as suas estratégias de comunicação "a um contexto de alteração de algoritmos e de saturação de informação, mais radical que nunca".

Em entrevista à Lusa, Miguel Crespo afirmou que o consumo de notícias ou conteúdos é cada vez mais fragmentado, multicanal, o que não está diretamente relacionado com a IA.

É uma tendência que tem vindo a desenvolver-se "desde que há Internet, que aumentou exponencialmente com as redes sociais e que, com a personalização das plataformas e que inteligência artificial vai ajudar ainda mais, esse conteúdo será cada vez mais multicanal".

"Eu leio uma informação num site, vejo um TikTok, vejo no Instagram, vejo no X com televisão, ouço rádio e tudo isto é cada vez mais misturado", descreve. O que acontece nestes consumos de redes sociais, mas não só, acrescenta, há cada vez "mais vídeos curtos, vídeos verticais, porque a maior parte dos consumos são feitos no telemóvel".