Depois do "Capitão América" que falou sobre a iniciativa A Starting Point para envolvimento civil e informação sobre as eleições e que não afastou totalmente a possibilidade de se candidatar a um lugar político, o "Capitão Portugal" Marcelo Rebelo de Sousa fechou com chave de ouro o Web Summit 2020, numa mensagem onde salientou que os temas do digital também têm a ver com o futuro da humanidade. E o palco passou para o Castelo de São Jorge e um concerto dos Dead Combo.
Foi um Web Summit estranho para todos os que nos últimos anos palmilharam muitos quilómetros para acompanhar as melhores talks, conhecer as startups mais promissoras e fazer "networking" na conferência que se tornou um ponto central do mundo do empreendedorismo e tecnologia. A "missão" assumida de acolher mais de 100 mil pessoas na plataforma online foi cumprida com poucos percalços mas com muita preparação da parte da organização, que nas últimas semanas pré gravou a larga maioria das talks. Os streams correram bem para quem acompanhou no telefone ou na web app, com a alternativa de ver tudo o que se passou no "palco" central a partir do widget do SAPO.
Mesmo que Paddy Cosgrave defenda que o futuro das conferências é híbrido, não houve ninguém das largas dezenas de pessoas com quem falámos que não tivesse dito que "era melhor ao vivo". As saudades de Lisboa, dos pastéis de nata e do contacto pessoal são muitas vezes referidos, com a promessa de que "em 2021 estamos aí". Pelo menos se a COVID-19 deixar. Os pré-registos já estão abertos.
A organização do Web Summit está confiante e já garantiu que em 2021 volta ao espaço do Pavilhão Atlântico e da FIL (e que conta com o alargamento dos pavilhões da feira que foi prometido) para ter 70 mil pessoas "fisicamente" e mais 70 mil online. Nós também esperamos que sim.
O melhor que o Web Summit 2020 revelou
Não faltaram talks interessantes, com o mesmo nível de qualidade habitual nos oradores, entre as empresas mais relevantes, os decisores políticos e económicos e as empresas que se destacaram nos últimos meses. E apesar do palco ter sido a casa de cada um, até foi interessante entrar nos vários mundos, dos escritórios, salas de estar e até cozinhas usadas como cenários para as videoconferências.
Em muitos casos a imagem não era fantástica e o som não foi brilhante, e isso até pode ter afastado algumas pessoas, mas não fez com que os temas perdessem a relevância.
Estamos ainda à espera dos números finais, se é que o Web Summit os vai revelar, mas ficámos curiosos sobre os 104 participantes, até porque nunca vimos nenhuma sessão ultrapassar as 5 mil pessoas online, e isso aconteceu só uma vez, na sessão de abertura.
Uma das funcionalidades mais utilizadas parece ter sido o Mingle. Paddy Cosgrave disse ter ficado surpreendido pelo nível de utilização da ferramenta de speed dating que junta participantes com interesses comuns em conversas de 3 minutos, referindo ontem que dois membros de startups ultrapassaram ontem os 500 Mingles, o que corresponde a mais de 30 horas de conversas. Provavelmente esse recorde já foi ultrapassado.
A equipa do SAPO TEK também experimentou e encontrou pessoas de vários países e uma dúzia de histórias diferentes para contar, e fez "amigos" e ligações entre as conversas, mesmo que curtas.
No que ao empreendedorismo diz respeito há que destacar a entrega do prémio Pitch a uma "medtech", a Lalibela Global Networks da Etiópia, que está a digitalizar dados médicos em África. É a terceira medtech premiada pelo Web Summit, e isso mostra uma tendência. Mas muitas mais mostraram os seus trunfos, fazendo reuniões e pitches, e Paddy Cosgrave referiu que foram marcadas mais de 900 reuniões com investidores.
As conversas passaram pela ética, regulação, questões ambientais e sempre sobre os desafios da pandemia da COVID-19 e das transformações que traz, como seria de esperar. Ainda sem respostas fechadas, sem estratégias fiáveis numa altura em que a Europa e os EUA enfrentam uma segunda vaga mais ameaçadora, e com as vacinas ainda a serem uma promessa, a forma como a tecnologia pode contribuir para a saúde esteve no centro de muitas intervenções.
Das deepfakes à história de superação da Rocket Lab
Como é que a Wikipedia lida com os desafios da nova era digital? Jimmy Wales, fundador da Wikipedia, deu a conhecer que melhorar a qualidade do conteúdo gratuito disponibilizado é uma das missões principais do projeto: “somos muito rígidos em relação às fontes”, explicou. O projeto tem conseguido manter-se “à tona” no “mar” de desinformação online e, para isso, conta com a ajuda da sua comunidade de editores humanos.
A propagação de informações falsas na Internet esteve também em destaque na sessão "The danger of deepfakes", onde Nina Schick, autora do livro “Deepfakes: The Coming Infocalypse”, defendeu que a “inteligência artificial é a ferramenta mais sofisticada de desinformação”.
Fora da utilização nociva da IA, Daniela Braga, fundadora da DefinedCrowd, e Carlos Moedas, ex-comissário europeu e atual administrador da Gulbenkian, defenderam que a Europa está a “perder terreno” e a fragmentação de estratégias está na base do problema, sublinhando também a importância de criar um hub dedicado à tecnologia em Portugal.
À medida que a IA se torna cada vez mais presente nas nossas vidas, as cidades estão a encontrar formas de se manter a par da evolução. Em Lisboa, a adaptação à pandemia tem vindo a ser um dos pontos-chave, e, na China, há um projeto que promete revolucionar o conceito de cidade como o conhecemos.
Já no campo da regulamentação das tecnologias, Věra Jourová, vice-presidente da pasta dos Valores e Transparência da Comissão Europeia, afirmou que o “wild west” das plataformas digitais como o Facebook, Google e até o Twitter tem os dias contados com a chegada da nova Lei dos Serviços Digitais.
Num mundo “pós-Trump” o que tem de mudar na regulamentação das redes sociais? Para Nick Clegg, vice-presidente de assuntos internacionais e de comunicação do Facebook é necessário encontrar um equilíbrio e o governo de Joe Biden terá de lutar para garantir que a Internet permaneça um espaço verdadeiramente livre e aberto.
A sustentabilidade ambiental foi outro dos tópicos que esteve sobre a mesa de debate em múltiplas das sessões do Web Summit 2020. A tecnologia, assim como o intelecto e engenho humano, em especial das gerações mais jovens, são para Jane Goodall motivos de esperança, numa altura em que a janela temporal para salvar o planeta do repetido desrespeito humano para com o meio-ambiente se está a fechar.
A Planet Labs quer fazer a diferença no combate à crise climática através da sua constelação de satélites e Will Marshall, cofundador e CEO da empresa, explicou que, embora a COVID-19 seja o desafio deste ano, as alterações climáticas que o planeta enfrenta terão consequências ao longo de múltiplas gerações.
Dos satélites para os foguetões, Peter Beck, fundador da Rocket Lab, deu também a conhecer a história de superação da sua empresa depois do acidente com o foguetão Electron. Semanas depois de uma pequena falha elétrica ter ditado o fim desastroso da missão, a Rocket Lab “voltou à carga”, demonstrando que “falhar depressa” é um dos seus motes principais.
Videojogos, realidade virtual e aumentada
A indústria dos videojogos também foi protagonista de algumas das intervenções no Web Summit, neste caso com o fantasma da COVID-19 a ter um impacto muito positivo na área do entretenimento. O isolamento devido à pandemia fez disparar as horas jogadas, as vendas de videojogos e a utilização de serviços ligados ao gaming. Para Laura Miele, líder dos estúdios da Electronic Arts, este foi um ano sem precedentes, afirmando que os estúdios de videojogos fizeram todos os possíveis para lançar títulos no mercado, enquanto que Hollywood se retraiu e empurrou os seus lançamentos para 2021.
A COVID-19 também impactou os eSports, com praticamente todos os eventos presenciais a serem cancelados. Mas as organizações, como a ESL, rapidamente se adaptaram e voltaram a focar-se no online, obtendo recordes de espetadores das suas competições. E se os videojogos cresceram, outras indústrias estão à espreita para obter sinergias e seguir à boleia do seu impacto na cultura popular. Que digam as empresas ligadas à indústria da moda, como a Louis Vuitton, que já desenha linhas de roupa inspiradas em videojogos ou mesmo conteúdos dentro dos jogos. O valor virtual pode ser igual ao físico, dizem os especialistas, e o blockchain pode dar um empurrão. Os videojogos podem mesmo ser um espaço virtual onde se pode gerar riqueza e há empresas a produzir ferramentas para facilitar a entrada de outras, com menos recursos.
Se a pandemia fez disparar o gaming, o que dizer do Zoom? De autêntica desconhecida no final de 2019, a plataforma de teleconferência disparou durante a pandemia, tendo faturado mais no último trimestre do que todo o 2019, como pode ver na história contada na primeira pessoa pelo fundador Eric Yuan durante o Web Summit. Também a Loom esteve presente na cimeira tecnológica e contou um pouco sobre a evolução dos balões que pretendem levar a internet aos locais remotos e populações menos favorecidas.
A indústria automóvel também foi impactuada pela pandemia, afinal as pessoas nem têm liberdade para viajar de carro, quanto mais pensarem em comprar um novo veículo. Mas isto apenas aplica-se à indústria convencional, porque há novos players no mercado que dispararam durante a crise, por oferecem novas experiências de condução. Veja-se como é que a Tesla de Elon Musk se tornou a mais poderosa fabricante da atualidade. Mas outras empresas, ligadas ao software dos veículos autónomos também estão a sair-se bem…
A Google foi assunto recorrente durante o Web Summit. Por um lado, o responsável pela infraestrutura ligada à sua cloud reafirmou a promessa da total descarbonização até 2030. Do outro lado, a gigante tecnológica é acusada por não querer fechar negócios com o exército dos Estados Unidos, e defender o seu país, porque tem “incentivos” da China. “Quem ganha” com isso é Palmer Luckey, que já tem drones inteligentes ao serviço militar, segundo a sua intervenção no Web Summit…
O isolamento gerado pela pandemia fez acelerar a digitalização das empresas, que se transformaram e adaptaram-se facilmente. As entregas “instantâneas” já são uma realidade através dos drones, capazes de entregar papel higiénico e café onde for necessário. Houve cafés que faturaram mais a entregar durante a pandemia, demorando dois ou três minutos a chegar, desde o pedido, que antes da crise. Mas com toda esta digitalização, será necessário rever o documento dos Direitos Humanos redigido depois da segunda guerra? Este foi um dos temas que acompanhámos durante a cimeira.
Por outro lado, as empresas necessitaram de se adaptar muito rapidamente ao teletrabalho e a adoção de inteligência artificial. E há especialistas que dizem que quando as pessoas voltarem aos escritórios, depois da pandemia, podem não encontrar mais os seus empregos. A Huawei, através do seu chairman, também deixou uma mensagem sobre o futuro da tecnologia e o que o 5G e IA podem fazer por nós.
Uma edição com temas polémicos
A terapia genética foi um tema abordado durante a edição deste ano do Web Summit, deixando a reflexão: será no futuro “imoral" não curar uma doença que uma pessoa vai ter? Do “elixir” da juventude até à forma como podemos vivermos mais anos com qualidade de vida, as questões polémicas estiveram em cima da mesa durante o evento.
Brindados com outro tema que não é de todo consensual, ouvimos falar de produtos alimentares que contam com a ajuda da tecnologia e se afastam do modelo tradicional. O que pensam vários empresários sobre a sustentabilidade no setor alimentar? A questão foi analisada nesta edição.
E numa altura em que a pandemia obrigou o ensino a reinventar-se houve ainda tempo para ouvirmos a perspetiva de Byju Raveendran, fundador de uma plataforma neste setor. Tal como muitos especialistas têm vindo a defender, o empresário falou na necessidade de se complementar o ensino online com o presencial, até porque nada replica o recreio da escola.
No palco de Portugal, no segundo dia do evento ficámos a conhecer os vencedores do AI Moonshot Challenge. A primeira edição da competição mundial procurou as melhores soluções para ajudar os oceanos através da inteligência artificial e dados de satélite.
No SAPO TEK estivemos a acompanhar as talks mais interessantes e publicámos cerca de 50 artigos, e ainda temos mais para publicar das últimas conversas que não conseguimos finalizar hoje. Pode ver tudo no dossier que publicámos e rever algumas das talks nas imagens na galeria.
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