Está a decorrer a conferência tecnológica do APDC e um dos temas focou-se na Democracia na Era Digital. Em como os algoritmos e a IA afetam o dia-a-dia das pessoas e como isso influencia a forma de estar na sociedade em geral. A questão da democracia, falou-se na proteção do pluralismo, e como referiu o professor Daniel Innerarity, um dos convidados da sessão, o treino dos dados é crucial em qualquer contexto, inclusivamente o político.
Mas terá sido a democracia melhorada com o uso da tecnologia? Para Graça Fonseca, socióloga e política, a principal ameaça à democracia é a simplicidade. O tempo atual é mais complexo que a dos nossos avós. E tudo é digital, seja o exponencial das condições climáticas, a globalização. Mas afirma que tudo é efémero: “vivemos tempos em que tudo dura pouco. Emocionamo-nos muito, mas esquecemos tudo rapidamente. E isso aplica-se aos ciclos políticos”. Graça Fonseca diz que a média é receber 4 mil a 10 mil conteúdos por dia e é difícil processar tudo. “E isto é o contexto que a democracia vive hoje em dia”.
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“Quando se fala que a tecnologia é exponencial, tudo é exponencial. Ouvi a palavra futuro ou a medio prazo. O futuro é hoje e isto nunca aconteceu antes. Temos de trazer o futuro para o contexto político”, acrescenta Graça Fonseca. Afirma ainda que no País de Gales existe alguém responsável pelas gerações futuras. “O futuro é hoje”. Dá o exemplo que, de um dia para o outro milhões de pessoas passaram a ficar em casa, a serem testadas a temperatura. “Empresas e carros pararam. Nós reagimos perante o “Já”, mas não pelo amanhã. Mas o amanhã é já”.
Miguel Poiares Maduro acredita que a tecnologia acabou por servir de atalho, quebrando barreiras entre as pessoas e os políticos. É possível participar nas decisões de forma direta, permanente e rápida. “A realidade é que isso altera os processos de liberação na politica e a forma como mudamos as nossas preferências, muitas vezes enganamo-nos a nos próprios”.
Dá o exemplo que antes íamos ao medico e eles dava o diagnóstico. “Agora as pessoas vão ao Google ver se o diagnóstico foi bem feito. Aquele acesso dá-nos o mesmo conhecimento que o médico? Muitas vezes acredita-se mais no Facebook e Twitter, tendo-se perdido os intermediários”. Diz ainda que os algoritmos estão a substituir os jornalistas como intermediários. Porque são conduzidos por modelos de monetização, que só dão as informações que queremos. Cria-se dessa forma uma polarização.
O professor diz que a invenção da impressão facilitou os processos de globalização, por trocar informação mais rápido. Mas essa facilitação também ajuda a partilhar informação falsa e perigosa. “E é isso que estamos a assistir atualmente, que a rapidez com que formulamos conhecimento e com isso recebemos e moldamos as nossas preferências politicas. Podemos participar mais rapidamente e melhor, mas nem sempre da forma mais correta”.
Graça Fonseca diz que o que aparece nas redes sociais e se torna viral, condiciona o trabalho democrático. Esse é um dos desafios de hoje em dia. “O poder que cada um de nós tem como cidadão, politico ou funcionário, aumentou”. Foi salientado que tudo tem os dois lados, porque a comunicação pode ser feita por um líder politico, como por um líder terrorista. Há um problema de comunicação diz Graça Fonseca, porque como estamos expostos a um grande número de conteúdos, não conseguimos comunicar. O tempo que um hashtag fica destacado no Twitter diminuiu muito. Até nas redes sociais esse tempo baixou e tem limites. É limitada a forma como absorvemos a informação. Diz que a tecnologia é extremamente necessária. Tem de ser criado um melhor ambiente para a economia digital e as tecnologias têm de saber responder às necessidades da democracia.
Miguel Poiares Maduro referiu que a transformação tecnológica reforça a política de empatia emocional, que ganha ao racional. E é preciso equilibrar essa balança. As pessoas tomam muitas decisões baseadas no emocional. Por outro lado, diz que tecnologia está a ajudar a divulgar fake news, mas também está a desenvolver ferramentas que permitem verificar se os dados são reais em meros segundos.
Em que medida os cidadãos acreditam se os jornalistas ou políticos têm opiniões enviesadas? Tudo vale o mesmo, porque se mete essa noção de autoridade nas pessoas. As redes sociais amplificam as ideias falsas e perigosas. Se souber que uma coisa é partilhada por muitas pessoas, é porque isso acaba por ser a verdade assimilada pelas pessoas. Há aspetos que é preciso identificar e limitar esse perigo, referem os intervenientes.
Graça Fonseca diz que o espaço digital é onde vivemos mais de metade da nossa vida, seja para encontros confêrencias, pagamentos, etc. "Vivemos num espaço onde ninguém manda: não há policia ou governos". E isso requer regulação na sua opinião. "Necessidade de corresponsabilização, porque vivemos numa sociedade individualista. Precisamos de contrariar isto. Temos de perceber que as empresas, polícias, políticos e cidadãos somos todos responsáveis. E enquanto não apontarmos todos como responsáveis, existem riscos, de contexto social e ética. Tudo tem de ser um movimento de responsabilidade partilhada, destaca Graça Fonseca.
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