Startups, unicórnios, tecnológicas e empresas de maior dimensão em Portugal já usam tecnologia de Inteligência Artificial para vários projetos e nos últimos meses a aplicação da IA generativa acelerou processos e trouxe um novo interesse na integração em modelos de negócio. Isso faz com que seja mais próximo o cenário de um hub de IA em território nacional?
A ideia de que Portugal poderia ter um papel mais relevante no contexto da inteligência artificial já tinha sido defendido por vários responsáveis nesta área e a Feedzai, Didimo, DefinedCrowd, Unbabel e Talkdesk estão na linha da frente dos pioneiros, a trabalhar neste tema há vários anos, e não são as únicas.
Os modelos da OpenAI trouxeram novo impulso e ferramentas com grandes modelos de linguagem, e a ligação ao Azure AI da Microsoft facilita a implementação por parte das empresas, enquanto o financiamento do Plano de Recuperação e Resiliência, no âmbito das agendas mobilizadoras, promete dar corpo a dois consórcios nacionais que podem trazer competências e capacidades de desenvolvimento críticas. O Accelerat.AI e o Center for Responsible AI estão a focar-se no desenvolvimento e investimento nas diferentes áreas, com iniciativas diferenciadoras, mas há muito mais trabalho a ser feito, e nem sempre divulgado publicamente.
A Microsoft Portugal mostrou em abril vários projetos que estão em desenvolvimento e que tiram partido da tecnologia OpenAI e Azure AI, e a aplicar os modelos de IA generativa e linguística nos seus processos de negócio e soluções. Manuel Dias, National Technological Officer na Microsoft Portugal explicou ao SAPO TEK que "começamos a ver usecases para a área de indústria, de retalho, banca, marketing". Reconhece que em Portugal há um movimento relevante de adesão, que é mais acelerado do que em outros países à data, e afirma que "é muito importante perceber o que é possível fazer com a tecnologia e depois a nossa capacidade crítica e a nossa criatividade, para não pensarmos que vamos perder o emprego mas como podemos redesenhar novos processos de negócio".
Ao mesmo tempo o Governo está a rever a estratégia para a Inteligência Artificial e o secretário de Estado da Digitalização e Modernização Administrativa, Mário Campolargo, já convidou a equipa que vai coordenar os trabalhos. É liderada por Arlindo Oliveira, Presidente do INESC, investigador e professor do Instituto Superior Técnico que tem a coordenação geral, enquanto João Gama ficou com o tema da Inteligência Artificial. As orientações do AI Act que está a ser desenhado na União Europeia serão uma das bases mas a ideia é adaptar também a estratégia às necessidades e interesses das tecnológicas portuguesas.
Reunimos várias das iniciativas e projetos conhecidos e aos quais o SAPO TEK já teve acesso, numa lista que não é exaustiva mas que já dá uma ideia do que está a ser feito em Portugal.
Veja aqui alguns dos projetos:
. Center for Responsible AI (consórcio)
Liderado pela Unbabel, o consórcio Center for Responsible AI é composto por 11 startups, dos quais dois unicórnios: a Unbabel e a Feedzai, a que se juntam a Sword Health, Apres, Automaise, Emotai, NeuralShift, Priberam, Visor.ai, YData e YooniK, oito centros de investigação de Lisboa, Porto e Coimbra (Fundação Champalimaud, CISUC, FEUP, Fraunhofer Portugal AICOS, INESC-ID, IST, IST-ID/ISR e IT), uma sociedade de advogados (Vieira de Almeida) e ainda cinco líderes de indústria em Ciências da Vida, Turismo e Retalho, a Bial, Centro Hospitalar de São João, Luz Saúde, Grupo Pestana e Sonae).
O projeto vai investir 78 milhões de euros e criar mais de 210 postos de trabalho em Portugal. Em junho vários projetos na área da saúde subiram a palco, mostrando a dinâmica gerada pelo desenvolvimento nas empresas envolvidas neste consórcio.
. Accelerat.AI (consórcio)
O Accelerat.AI é coordenado pela Defined.Ai de Daniela Braga e garantiu um financiamento de 34,5 milhões de euros para desenvolver IA conversacional, tirando partido do peso do português entre as línguas mais faladas do mundo, já que está em sexto lugar da lista. A empresa fundadora do consórcio declarou recentemente o apoio ao modelo de linguagem Llama 2, que a Meta e a Microsoft disponibilizaram em formato de acesso aberto
. Centro de Competências em OpenAI da Singularity Digital Enterprise
A Singularity Digital Enterprise lançou no início deste ano o Centro de Competências em OpenAI, em Fevereiro de 2022, antecipando já o movimento significativo que aconteceu no mercado desde essa altura. E conta já com vários projetos no portfólio, como explicou ao SAPO TEK Pedro Martins, CEO e fundador da empresa. “Através deste centro de competências em OpenAI, a Singularity Digital Enterprise pretende ajudar os seus clientes nacionais e internacionais a explorar e a potenciar a capacidade que o OpenAI traz para os seus modelos de negócio, além de criar soluções que tenham impacto significativo na performance, eficiência e produtividade das suas organizações”, sublinha.
Entre as áreas já em desenvolvimento, algumas com pilotos em clientes, estão o Apoio ao Contact Center, onde uma aplicação desenvolvida com recurso ao Inteligência Artificial e Open AI tem como objetivo otimizar o atendimento ao cliente no contact center recorrendo a tecnologias avançadas de processamento de linguagem natural (NLP) para converter a voz dos clientes em texto, reconhecendo o cliente e integrando a informação no Customer Relationship Management (CRM) da empresa. A área da pesquisa semântica de documentação e base de dados está igualmente em desenvolvimento, melhorando a capacidade de analisar, em larga escala, o conhecimento interno das empresas.
Na Singularity Digital Enterprise foi ainda desenvolvida uma solução apoiada em Open AI de reescrita de código fonte antigo / datado para a atualização de sistemas de informação para linguagens de programação mais atuais e um BOT Superinteligente que interage com os clientes de forma amigável e natural, utilizando tecnologias de processamento de linguagem natural (NLP).
. Albertina PT
O Albertina apresenta-se como o primeiro grande modelo de IA generativa para a língua portuguesa, em código aberto e com acesso universal, com variantes, do português do Brasil e de Portugal, com acesso gratuito. O modelo foi disponibilizado publicamente em maio e foi desenvolvido pelo NLX | Grupo da Fala e Linguagem Natural da Ciências ULisboa em parceria com a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP).
Segundo António Branco, coordenador da equipa do projeto, o Albertina PT destina-se a investigadores e organizações, públicas e privadas, grandes e pequenas, de todos os sectores económicos, e quando foi publicado tinha 900 milhões de parâmetros, mas vai continuar a aprender.
O modelo é um codificador da família BERT, baseado na arquitetura neural Transformer e desenvolvido sobre o modelo DeBERTa, e António Branco defende que "trata-se de um marco histórico muito importante na preparação tecnológica da língua portuguesa para a era digital”.
. Guia Prático da Justiça (GPJ)
Foi um dos primeiros projetos de IA generativa na Administração Pública, usando ferramentas de machine learning baseadas no GPT da Open AI para dar resposta sobre casamentos e divórcios no Portal da Justiça, arrancando ainda em versão beta e com promessa de alargamento a outros temas. O GPJ foi desenvolvido pela DGPJ em parceria com a empresa Genesis.Studio e com o apoio da Microsoft e tira partido da informação divulgada no portal para responder aos cidadãos com linguagem natural e ligações a serviços. A estratégia Govtech da Justiça tem vários projetos de inovação e transformação digital e a Inteligência Artificial é apontada como uma das ferramentas para a simplificação.
. Assistente digital do ePortugal
É um dos projetos mais “realistas” e que pode chegar a mais pessoas. A assistente digital do ePortugal foi apresentada em maio deste anos e para já só responde sobre temas ligados à Chave Móvel Digital, mas o objetivo é alargar o âmbito de atuação. O projeto foi desenvolvido em dois meses e conta com a parceria entre a Agência da Modernização Administrativa (AMA), a Microsoft, a DareData Engineering e a Defined.ai. É baseado no GPT 3.5 turbo, o mesmo modelo do ChatGPT da OpenAI, e está alojado no Microsoft Azure, tirando ainda partido da tecnologia de reconhecimento de voz e conversão de texto em voz, em Português de Portugal. A voz é mesmo da Daniela Braga, a CEO e fundadora da Defined.ai.
Na base da tecnologia está ainda o Azure Cognitive Search e Azure Cosmos DB, que fazem pesquisa sobre a base de conhecimento da Chave Móvel Digital e o arquivo das perguntas mais frequentes dos cidadãos na ligação ao serviço online, nas lojas e no centro de contacto do ePortugal.
No futuro poderá também responder a outras questões sobre o Cartão de Cidadão, ou a Carta de Condução, por exemplo. A ideia é também que a ferramenta possa ser estendida a outros canais, como o call center ou um quiosque nas lojas, para encaminhamento do cidadão.
. Guia prático do Município de Miranda do Douro - Pauliteiros de Miranda
O projeto foi desenvolvido numa parceria entre a Câmara Municipal de Miranda do Douro, o CIT-TTM – Centro de Inovação e Tecnologia de Terras de Trás-os-Montes e com a Microsoft Portugal, mas apesar de parecer semelhante à assistente do ePortugal não tem uma resposta tão natural. O GPM – Guia prático do Município que aposta na divulgação cultural, histórica e turística da região, com explicações sobre os Pauliteiros de Miranda. Ainda está em versão beta e o avatar tem movimento, mas não simula as respostas que são dadas em texto e áudio.
. Quokka da Automaise
Desenvolvido pela tecnológica de Braga, o Quokka é um Large Language Model desenvolvido em Portugal e treinado para dar resposta a temas relacionados com a atividade de apoio ao cliente. A empresa decidiu investir na criação deste modelo com a preocupação de que se expressasse bem em português mas também por preocupações de segurança. “Há empresas que trabalham com dados muito sensíveis e não querem que o processamento dessa informação passe pelos principais modelos disponíveis, por questões de segurança. Com o nosso Large Language Model, alojado em servidores próprios, resolvemos essa questão”, explica Ernesto Pedrosa, CEO da Automaise.
Há muitos outros projetos e iniciativas, como a do BuddyGPT, um companheiro para WhatsApp e Telegram com a capacidade de resposta do ChatGPT e um número de respostas gratuitas mas também funcionalidades pagas. Outro exemplo é o do site da Zome.pt, uma rede imobiliária com integração de ChatGPT na pesquisa de imóveis, assim como o Astro Empires que também recorre ao modelo da OpenAI para respostas dentro do jogo português.
Do lado dos bancos também a “Caixa” da CGD, a M.A.R.i.A do Montepio ou a Bia e a Beatriz do Bankinter tiram partido de IA para comunicar com os clientes, e há mais "bots" que devem ser anunciados em breve.
Se tiver conhecimento de outros projetos pode enviar um email para a redação do SAPO TEK.
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