Está a decorrer até terça-feira o Primeiro Encontro Luso-Brasileiro sobre pirataria audiovisual, em lisboa, reunindo figuras do governo, representantes dos principais operadores televisivos, assim como responsáveis de instituições e entidades portuguesas e brasileiras ligadas ao mercado audiovisual e direitos de autor. O encontro foi uma oportunidade para debater assuntos relacionados com o flagelo da pirataria que continua a causar prejuízos para os produtores e proprietários de direitos de autor.
O Brasil é já considerado o quarto país do mundo com maior consumo de pirataria audiovisual, que representa um prejuízo de 29 mil milhões de euros, num contraste acentuado com Portugal, considerando que o tráfego em websites com conteúdos piratas diminuiu, ainda que seja preocupante para as entidades envolvidas.
Nuno Soares Oliveira, presidente da FEVIT, destacou que a pirataria mudou e é mais abrangente, pois introduziu novas formas de partilha, devido ao crescimento da internet, os streams, ainda que saliente que os moldes convencionais continuem a existir. Destaca ainda que há novas formas de propagar os conteúdos piratas, utilizando meios de acessibilidade mais fáceis, e próximos aos serviços legais, mas por um preço inferior, pois não paga direitos de autor e todas as questões legais. Sendo mais sofisticados, o seu combate tem sido mais complexo e difícil, afetando todo o circuito legal de distribuição dos conteúdos.
O combate à pirataria necessita de uma atualização de legislação para criar meios de reação rápida e eficazes, de forma a torná-la prática, mas acima de tudo que defenda os autores, refere Nuno Soares Oliveira. “O combate só será eficaz se for feita em esforços conjuntos, desde os players da indústria, as entidades reguladoras aos sistemas da justiça”, salienta.
António Paulo Santos, Diretor Geral da FEVIP, refere que esteve em Brasília recentemente e compreendeu a vontade do combate à pirataria, pois os sistemas ilegais de IPTV coloca em causa o ecossistema da televisão, porque deixa de haver dinheiro para manter a programação dos canais.
Eduardo Carneiro, da Agência Nacional do Cinema do Brasil (ANCINE), refere que foram acedidos 300 mil milhões a sites de pirataria do mundo em 2017, o que pode custar 150 mil postos de trabalho. É referido que os conteúdos ficam alojados em cloud, o que torna difícil aceder, sendo a IPTV o principal flagelo, e que já existem quatro milhões de boxes de conteúdo ilegais no mercado. As redes sociais são utilizadas como forma de promoção e aquisição de conteúdos piratas, direcionado os potenciais compradores para websites ilícitos.
Há ainda o problema do sinal furtado, sendo depois fornecido por streaming ou através de cyberlockers. Um em cada três websites de pirataria audiovisual contém algum tipo de malware, destaca Eduardo Carneiro. A ANCINE tem vindo, desde o ano passado, a criar uma câmara técnica de combate à pirataria, estreitando o relacionamento com os vários órgãos, instituições públicas e sociedade civil no que refere à promoção de combate aos conteúdos piratas.
Segundo Eduardo Carneiro, é necessária uma maior articulação e integração entre os órgãos públicos e privados para maior eficiência no combate, seja através de fornecimento de subsídios e auxílio em operações policiais de investigação e repressão. Procura ainda acordos de cooperação com os maketplaces, assim como o corte do fluxo de financiamento de websites ilegais por meio da publicidade. Medida que já foi, aliás, introduzida em Portugal com resultados positivos, e que agora o Brasil quer replicar. No Brasil, o bloqueio apenas pode ser feito através de ordem judicial.
O representante da IGAC (Inspeção-geral das Atividades Culturais), Silveira Botelho, destaca a missão da instituição no controlo e audição dos serviços e organismos dependentes da área cultural, assim como a fiscalização e a proteção do direito de autor. A sua missão é acrescentar valor à cultura, autores e aos espetáculos, com uma atuação em ambientes físicos, mas também no digital. O IGAC tem um projeto didático, de forma a criar comportamentos anexos aos direitos de autor desde idade jovem, visto que as crianças têm acesso a livros e DVDs que facilmente podem ser pirateados. “Conseguirem perceber, de forma positiva, o que significa os direitos de autor é importante”, salienta. A educação é uma medida contra a pirataria, que tem sido comparado ao que foi feito com a reciclagem.
Carolina Panzolini, secretária especial do Ministério da Cidadania do Brasil, acrescenta que desde 2016 foi estruturado um núcleo de inteligência para o combate à pirataria. Este ano foi introduzida uma diretriz do governo federal para criar um órgão dentro do Ministério da Cidadania. O projeto Uso Legal mantém a educação como foco no combate, pois só assim se conseguem introduzir outros mecanismos adicionais. Há ainda um protocolo de intenções com o Ministério da Justiça do Brasil, para criar uma ponte entre os dois Ministérios para preencher as lacunas institucionais.
O Brasil integrou, em 2019, o comité permanente dos direitos autorais da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, levando o país a aderir aos tratados internacionais de combate à pirataria. Carolina Panzolini refere mesmo que Portugal é um case study da eficácia ao combate à cópia ilegal.
Da Polícia Judiciária, Dias Ramos, inspetor-chefe na unidade de cibercrime da PJ, deu alguns exemplos de casos em Portugal, da forma como os fornecedores ilegais mudam de sítio. O inspetor refere mesmo que 200 mil casas têm TV pirata, dados de 2014. Em 2015 e 2016 ainda não havia o departamento de combate ao cibercrime, mas que todos os departamentos a nível nacional reportaram casos de cardsharing e IPTV. Basta qualquer pessoa se queixar às autoridades para dar início a um processo de investigação, salientando o crescimento do IPTV.
Divulgou ainda um caso de sucesso de uma vivenda no Porto, com 4 antenas parabólicas para a partilha de card sharing. No seu interior não vivia ninguém, mas apenas material arrumado, como se fosse um escritório, um computador com base de dados de clientes, com mais de 700 pessoas. Tinha servidores, 40 boxes ativas e mais de 100 embaladas, diversos cartões de operadores nacionais e estrangeiros. Foram apreendidos cinco computadores para streaming, assim como preso um individuo, que era eletricista, apanhado em flagrante.
Pedro Verdelho, coordenador do gabinete de cibercrime do Ministério Público, é considerado o “pai” da lei do cibercrime. Na sua intervenção, salienta que o combate começou com a música, passando ao cinema, e agora estão em causa os conteúdos televisivos. “Os dois primeiros casos de pirataria mataram as respetivas indústrias”, salienta, projetando um tom negativo para aquilo que se destina ser o novo flagelo. “Reafirmar a ilegalidade” é algo que deve ser feito, contrastando com os autores que deveriam também entrar no barco. “Existem países que constroem ferramentas que não têm outro destino que não a ajuda na propagação de pirataria”, alerta Pedro Verdelho.
O terceiro ponto do seu pensamento, surge em termos de desafio, é que se continuam a utilizar métodos antigos para combater a pirataria moderna. Sendo um problema global, as fronteiras continuam a impedir a atuação dos agentes. “Os criminosos já não estão nas feiras a vender, estão anónimos, na Internet”. Trata-se de um problema virtual, ou seja, que aparece e desaparece num segundo, refere também. Pedro Verdelho apela à atualização de novos métodos de combate, sendo necessário ter atenção aos sistemas de bloqueio, porque se pisa na linha da censura. Destaca ainda o foco na prevenção, do que na repreensão.
João Leonardo de Andrade Júnior, responsável do Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil, relatou a Operação 404, destacando a sua equipa de nove elementos do cibercrime. Refere os 211 milhões de habitantes, com 420 milhões de dispositivos ativos, causando 8,7 mil milhões em prejuízo. A Operação 404 tinha 12 Estados participantes, com 30 mandatos, destacando que a coordenação entre todas as autoridades foi o principal efeito de sucesso.
O apoio técnico das associações foi também vital, assim como a Embaixada Norte Americana, para bloquear a hospedagem dos conteúdos no Google Drive e Amazon, por exemplo. Os provedores de internet apoiaram, oferecendo um tempo de resposta exemplar. Foram feitas remoções de links na Google, assim como nas stores de apps, foram feitas buscas a casas de pessoas que tinham dispositivos a apontar para estes conteúdos ilegais associados à operação.
Durante a operação, houve uma operadora, pequena, que colocou o mandato num grupo de WhatsApp, despoletando o alerta entre os visados, mas as autoridades acabaram por despistar utilizando a “engenharia de comunicação” mais eficaz: “isso é fake news”, sendo a resposta oficial para tentar confundir os criminosos.
É preciso tirar uma conclusão: é preciso haver colaboração entre as autoridades, especialistas e todos os envolvidos e visados no combate à pirataria, conclui António Paulo Santo, durante o painel.
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