Já se apregoa há algum tempo o advento da inteligência artificial e quão esta pode ser fantástica para a sociedade, mas simultaneamente terrível se for utilizada de forma pouco consciente. Mas a IA já se encontra entre nós, de forma mais ou menos evidente, de forma útil ou experimental, e embora não tenhamos de nos preocupar com as “exterminadores da Skynet”, é preciso garantir que a sua utilização responsável continue a servir o ser humano nas áreas onde seja possível.
Olhando para a última década, o SAPO TEK procurou, junto da Associação Portuguesa Para a Inteligência Artificial (APPIA), conhecer quais os principais passos dados no desenvolvimento e aplicação de IA na última década, perguntas respondidas por Paulo Novais, Professor Catedrático da Escola de Engenharia da Universidade do Minho e Presidente cessante da APPIA, e Luís Paulo Reis, Professor Associado da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Diretor do LIACC/UP e Presidente eleito da Associação.
Segundo os professores, “os passos mais importantes estão relacionados com o enorme incremento na quantidade (e qualidade) de dados disponíveis e com enorme incremento da capacidade de processamento para utilização e treino de algoritmos de IA”. Destacam sobretudo o desenvolvimento de novos algoritmos para a utilização desses dados e capacidade de processamento utilizando machine learning. O deep learning também foi salientado como sendo capaz de resolver problemas, de forma distinta, mas melhor que os humanos “mesmo em domínios onde se considerava que a Inteligência Humana seria insuperável”, referem, dando como exemplos jogos complexos como o Go ou compreender e traduzir discursos em tempo real.
Relativamente ao ano que encerrou, a IA teve um enorme crescimento, segundo os líderes da APPIA, já que “suscitou a atenção de quase todas as empresas mundiais e governos internacionais que começam a usar em grande escala em todos os seus serviços e produtos”. Foi ainda destacado o fortalecimento e surgimento de novas empresas ligadas à área, sobretudo ao nível de Startups.
Duas áreas que a IA está a revolucionar são os Serviços Financeiros e a Saúde, referem os professores, em que milhares de cientistas internacionais ligados à inteligência artificial foram contratados “com salários de topo” pelas grandes empresas mundiais nessas áreas, realçam. Relativamente à Saúde, os especialistas destacam que 2019 foi um ano em que os sistemas baseados em IA se tornaram decisivos, com o grande incremento nos sistemas inteligentes que ajudaram a aperfeiçoar análises, diagnósticos e recomendações de tratamentos.
Os sistemas biométricos de autenticação estão cada vez mais desenvolvidos, como o reconhecimento facial e as impressões digitais, que estão a ser utilizados por fintechs, por exemplo, para dar acesso às contas dos utilizadores. Essa revolução aconteceu em 2011, com a primeira aplicação de home banking, que desde então se tornou comum a todas as instituições bancárias.
Embora de uma forma positiva, ou mais cética, a IA tem sido encarada como uma moeda de duas faces…
Para combater a face negativa da IA é necessário a criação de normas para uma utilização responsável
Embora exista o grupo mais cético que acredita que a IA vai retirar muitos empregos, sobretudo em áreas onde as tarefas são repetitivas, outros defendem que invés de “roubar”, vai criar novas oportunidades de emprego, sustentado na experiência das revoluções industriais anteriores, as máquinas permitiram ajudar sem deixar ninguém sem trabalho. E foi nesse sentido que a União Europeia apresentou um documento com recomendações para legislar a IA na Europa. A imparcialidade, transparência, futuro do trabalho, democracia, assim como a privacidade e proteção dos dados sociais são algumas das suas diretrizes. Ao todo, são “sete mandamentos” para que a ética seja considerada e a IA seja utilizada com confiança.
Ainda dentro deste capítulo, 2019 viu a Google reconhecer a importância de criar um conselho externo de vigilância, para garantir a utilização responsável da IA, preocupada sobretudo com a forma como os algoritmos eram utilizados no reconhecimento facial, para serem mais justos e responsáveis. No entanto, devido às nomeações controversas para os órgãos do conselho, desde o primeiro dia que ninguém se entendeu, e acabou por ser descartada a ideia, levando a Google a afirmar que vai procurar opiniões externas sobre o assunto de outra forma.
O Facebook também decidiu investir em centro de investigação independente para a ética na IA, procurando compreender o impacto que esta vai ter na vida das pessoas. A instituição foi criada na Alemanha e vai ser apoiada pela rede social nos próximos cinco anos. Há ainda um consórcio de 40 empresas, das quais a Google e Facebook fazem parte, para a criação de um benchmark de avaliação para inteligência artificial, convidando todos, até as empresas mais pequenas a utilizá-la nas suas necessidades e melhores práticas.
Mais negativo está o filósofo e professor da Universidade de Oxford, Nick Bostrom, que considera que a IA é um perigo maior e imediato para a humanidade, do que as próprias alterações climáticas. O filósofo reconhece que a tecnologia pode ajudar a humanidade, mas considera o lado oposto. Que venha a ser de tal forma eficiente, que comece a levar os cenários ao extremo para o qual foi concebida. Aqui sim, parece um cenário onde só falta entrar um tal de Schwarzenegger a dizer “I’m back”. E foi para este tipo de pensamento que durante o Web Summit, Cassie Kozyrkov, chief decision scientist da Google, pediu para as pessoas não se distraírem com a ficção científica, referindo que os problemas da IA são “culpa dos humanos”.
Os professores responsáveis da APPIA consideram que para superar as questões éticas é necessário IA com ética, salientando que a IEEE Global Initiative on Ethics, entre outras, têm vindo a discutir e definir questões como a responsabilidade legal, a transparência, políticas, incorporação de valores em sistemas de IA, estruturas de governança e regulação. Consideram que é necessário abordar uma IA sensata (Wise AI) com a definição de aprendizagem de valores e princípios, deteção de anomalias, justiça e equidade em IA. “É deste modo necessário aplicar técnicas confiáveis e facilmente compreendidas pelos seres humanos, para termos uma "caixa preta" transparente” referem os membros da APPIA.
A face positiva da IA consegue ser o “binóculo” do olho humano e ajudar a resolver mistérios do universo
Por muito que a medicina continue a avançar, muitas das doenças com que a humanidade luta na atualidade podem ver as respetivas curas acontecerem graças à tecnologia. Ou pelo menos, antecipar cada vez mais a deteção levando os médicos a agirem rapidamente. Veja-se como a Google está a utilizar a IA para detetar cancro do pulmão e para o provar, nos primeiros testes realizados, a sua ferramenta conseguiu detetar mais 5% de casos do que os que foram identificados por uma equipa de seis radiologistas certificados.
Obviamente que a IA terá de ser sempre utilizada como uma ferramenta de auxiliar de diagnóstico e nunca substituir um médico nas decisões. Os especialistas consideram a IA como um estetoscópio que dá mais segurança e informação na hora das decisões. Para além do cancro, outras doenças estão a ser antecipadas através da tecnologia, como a IBM que quer aplicar técnicas de machine learning para combater o Alzheimer. O objetivo é criar um sistema menos intrusivo e dispendioso dos utilizados atualmente e promete prever, com uma exatidão de 77% o risco da doença. Por outro lado, a Huawei está a investir em tecnologia que permitem detetar deficiências visuais nas crianças, ajudando a diagnosticar sinais precoces de doença, através de um smartphone.
E na hora de utilizar próteses, depois de ter sofrido um acidente grave, em casos de pessoas que tiveram de amputar as pernas, utilizar uma prótese recorrendo à inteligência artificial pode ser bem mais fácil de ajustá-las aos pacientes, diminuindo as várias horas de adaptação e calibração para questão de minutos.
E em Portugal também já se criam tecnologias em torno da IA. Por exemplo, a IBM Portugal e a Mundipharma estão a usar a tecnologia no tratamento de diabetes, com o objetivo de ajudar os médicos a prescrever um tratamento mais personalizado ao paciente. E em Coimbra os investigadores criaram um programa que avalia as emoções presentes nas músicas para reconhecer automaticamente a diferença entre temas alegres e tristes, tensas e melancólicas que pode ser utilizado na indústria do entretenimento, marketing e publicidade, por exemplo.
Os professores da APPIA referem a discussão que está a realizar-se sobre a Estratégia Portuguesa para a Inteligência Artificial com grande envolvimento do Governo, Universidades e Empresas. Destacam ainda a realização da principal conferência de IA portuguesa (EPIA Conference on Artificial Intelligence) que além de ter duplicado a dimensão relativamente à penúltima edição, mudou de bianual para anual. A aplicabilidade da IA à indústria e comunidade foram temas relevantes dos eventos ligados à inteligência artificial.
A APPIA refere ainda o número de países que tem vido a discutir as suas estratégias nacionais de IA, assim como os Emirados Árabes Unidos que criaram no seu Governo, um Ministério da Inteligência Artificial. O trabalho dessa pasta poderá, a curto prazo, garantir uma poupança de 50% dos gastos gerais do Estado, avançam os professores.
Como anteriormente referido pelos professores da APPIA, a IA começa a derrotar humanos em jogos. Veja-se IA da Google, a DeepMind que acumula experiência equivalente a 200 anos por semana no videojogo StarCraft II e venceu por 10-1 uma equipa profissional de eSports. Atualmente já consegue derrotar 98,8% dos jogadores, tendo chegado ao nível Grandmaster do jogo. E há também um bot do Facebook a ganhar jogos de Poker, mas a empresa promete manter em segredo as suas descobertas e técnicas de “poker face”.
E se na saúde a IA consegue ser o microscópio para ajudar os médicos, na ciência em geral pode mesmo tornar-se um telescópio. No Peru, a IA da IBM ajudou cientistas a descobrir 143 novos geoglifos. Trata-se de misteriosas ilustrações presentes na superfície do deserto de Nazca que têm vindo a intrigar os investigadores desde o início dos anos 20, do século passado…
E qual será o futuro da inteligência artificial?
São muitos os exemplos relativos à utilização da IA na investigação e já no campo prático, mas como será o futuro para a tecnologia? “Os computadores estão ao nosso nível humano em certas funções básicas ou mesmo as que já são complicadas para os humanos”, destacam os professores da APPIA, reforçando que a visão por computador é (provavelmente) melhor que a humana. E a tradução da linguagem já está muito próxima da capacidade humana, mas destaca-se pelo alcance claramente superior porque um computador pode traduzir texto em centenas ou milhares de linguagens em algumas décimas de segundo. Concluem assim que a visão, escrita (texto), imagens e fala estão praticamente ao nível humano.
A curto prazo, acreditam que vai haver ganhos de produtividade em todas as operações repetitivas em que podem ser automatizadas usando funções. E como exemplos, destacam o uso da IA para tornar produtos e serviços existentes mais efetivos, confiáveis, seguros e com maior longevidade, como as peças de vestuário ou carros autónomos. Também os processos de automação, ao nível da monitorização e controlo podem ser melhorados, incluindo processos de colaboração humano-robô, incluindo robôs assistentes e assistentes virtuais mais detalhados. Veja-se a recente revelação do Neon, a nova inteligência da Samsung que pretende simular o humano. Alguma vez conheceu um artificial? Este é um slogan que bem poderia ser estampado no filme Blade Runner…
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