A parceria com a Universidade do Texas em Austin é uma das três que ligam há vários anos o sistema científico português a universidades de renome nos Estados Unidos. Nesta, a computação avançada foi sempre uma das áreas de aposta e uma das que continua a merecer forte atividade e grande interação entre investigadores, dos dois lados do Atlântico, depois de um acordo assinado em 2007 e que envolveu 12 empresas portuguesas de tecnologia e media.
A parceria deu um contributo importante para a criação da Rede Nacional de Computação Avançada e o primeiro supercomputador petascale em Portugal, o BOB, foi aliás “doado” pela UT Austin (via Texas Advanced Computing Center), no âmbito do acordo. O sistema acabou por ser decisivo para que Portugal pudesse participar na European High-Performance Computing Joint Undertaking (EuroHPC) e acolher o Deucalion, uma das peças da rede europeia de supercomputação, que multiplicou por 10 a capacidade de computação disponível em Portugal.
O Deucalion já serviu mais de 300 grupos de investigação em 37 instituições portuguesas, com 34 milhões de horas de CPU, algumas ao serviço de projetos realizados no âmbito da parceria com a Universidade do Texas, que neste momento visa mais quatro áreas. São elas: Física Médica, Interações Espaço-Terra, Nanotecnologia e Inovação Tecnológica e Empreendedorismo, embora esta última tenha acabado por ter pouca expressão na fase em curso.
Nesta terceira fase do programa, coordenada pelo INESC TEC, a maior parte do financiamento disponível foi canalizado para projetos de investigação exploratória e industrial, onde acabaram por surgir iniciativas com motes tão diversas, como o desenvolvimento de novas terapêuticas para o cancro; a criação de revestimentos baseados em nanomateriais, para aumentar o tempo de vida de ferramentas de produção utilizadas em indústrias altamente exigentes; ou a reconversão de plataformas petrolíferas em estruturas de produção de energia eólica offshore.
No total, desde 2018, foram encaminhados 21,9 milhões de euros para iniciativas no radar do UT Austin Portugal, 11 foram projetos de inovação liderados por empresas. Nasceram aqui o Sentinel, que recorre à nanotecnologia e à inteligência artificial para uma nova solução de diagnóstico precoce do cancro da próstata; o Magal Constellation e o Upgrade, que idealizaram novos instrumentos para monitorizar alterações climáticas e nos oceanos a partir do espaço; ou o BigHPC, que lançou as bases para uma solução inovadora de gestão de recursos em sistemas de computação de alto desempenho, entre outros.
Rui Oliveira, co-diretor do programa, admite que estes - como outros projetos de I&D desenvolvidos ao longo da parceria - precisam de tempo para se materializarem em resultados concretos e, em alguns casos, precisam também de investimento significativo para continuarem a avançar, mas as sementes estão na terra. “Temos é de olhar para o que foi feito, com que objetivo foi feito e qual é o potencial”, sublinha. “Depois é preciso regar todos os dias esse potencial porque a semente pode estar debaixo da terra, mas se a pisarmos dificilmente vai brotar”.
“Trazer inovação para o mercado leva tempo”, acrescenta, querendo com isso destacar que resultados materiais desta última fase das parcerias podem ser menos sonantes, para já, mas nem por isso menos valiosos. O tempo dirá.
Cooperar de igual para igual
Em termos acumulados, a parceria com a Universidade do Texas em Austin envolveu mais de 50 instituições, cerca de 300 estudantes e investigadores e financiou mais de 70 projetos. Além dos projetos de I&I, em fases anteriores o Programa financiou diretamente bolsas de mestrado e doutoramento, com alunos a passarem temporadas na UT Austin e a tirarem partido da orientação científica de faculty da UT. Apostou-se igualmente em Programas de Doutoramento desenvolvidos por instituições académicas nacionais, em parceria com a UT.
Neste momento, o apoio a alunos de mestrado e doutoramento faz-se através do financiamento de projetos, atividades de mobilidade/intercâmbio e organização de cursos/formação avançada. Estas iniciativas de mobilidade são abertas a todos os investigadores afiliados a uma instituição portuguesa, mesmo que não estejam envolvidos em projetos financiados pelo Programa. A seleção é feita através de concursos e a principal condição de acesso é o alinhamento entre o trabalho desenvolvido pelos candidatos e as áreas do Programa.
O modelo aberto é uma particularidade do UT Austin desde o início - as várias iniciativas realizadas estão acessíveis a todas as universidades e centros de investigação com interesse em candidatar-se. Numa primeira fase, estas iniciativas foram pensadas essencialmente para “dar um empurrão grande à internacionalização da nossa atividade de investigação, e com isso criar um percurso que fosse enriquecedor para a nossa própria forma de gerir ciência”, assume Rui Oliveira.
Nas fases seguintes, “essa vertente continuou a ser trabalhada, mas já houve um reforço grande da [nossa] participação como líderes científicos, com muita atividade de workshops, cursos de formação, etc”.
Esta é uma evolução que para o responsável foi natural, porque “temos hoje em Portugal várias instituições que colaboraram taco a taco com Austin, na realização destas coisas”. Incluir-se-ão nesse leque várias universidades e instituições como o INL - Laboratório Ibérico Internacional de Tecnologia, que foram tendo um “papel importantíssimo a ombrear com o que de melhor se fazia em Austin na nanotecnologia”, contribuindo para uma “colaboração [que se tornou] mais igual, com equipas perfeitamente equivalentes em termos de capacidade e empenho científico”, destaca o responsável.
UTEN é a grande bandeira do UT Austin Portugal no empreendedorismo
Na vertente de empreendedorismo e transferência de tecnologia, os resultados das atividades ligadas à rede UTEN (University-Technology-Transfer Network), braço de empreendedorismo do programa, que acabou por ser extensível às outras duas parcerias, são a grande bandeira do UT Austin Portugal.
Entre 2007 e 2012, a UTEN teve um papel de destaque na preparação “de um corpo de especialistas em comercialização e transferência de tecnologia em todas universidades e em alguns institutos politécnicos em Portugal”, garante Andreia Passos, diretora executiva do programa.
O desenvolvimento desta rede nacional de profissionais e gabinetes de transferência de tecnologia foi uma das vertentes da intervenção nesta área. A outra, o apoio a startups. Os números oficiais dizem que as iniciativas da UTEN tocaram mais de 200 startups, entre nomes como o da Feedzai, SwordHealth, DoDoc, Veniam, Abyssal ou Celfinet.
“Se o país dispõe hoje de um ecossistema de inovação que está na base do surgimento de um número sem precedentes de startups de rápido crescimento, algumas das quais fazem parte do grupo muito exclusivo de unicórnios, muito se deverá à UTEN”.
Nesta terceira fase, e atendendo ao orçamento e tipo de financiamento disponíveis, a tutela orientou prioridades para os projetos estratégicos, retardando o arranque das atividades englobadas na área da Tecnologia, Inovação e Empreendedorismo. No âmbito desses projetos, e por força do instrumento financeiro encontrado para os financiar (fundos do Portugal 2020, via ANI) acabaram por ser atraídas mais empresas já consolidadas no mercado nacional, do que novos projetos. O potencial dos resultados é grande, acredita a direção do programa, mas não passará pelos números de startups criadas no passado, porque o foco foi diferente.
Futuro: o que faz sentido e o que não é provável
Se a parceria UT Austin Portugal continuar para o futuro, e no que se refere à formação avançada, Rui Oliveira não acredita que venha a ter doutoramentos de grau dual, uma das lacunas apontadas por alguns críticos. Nunca teve e, até pelo modelo de negócio da própria universidade, será difícil que venha a ter.
“O que o programa continua a fazer, através dos Exchange e na minha opinião deverá continuar a fazer, é promover trocas de investigadores que vão passar até três meses a UT Austin”.
Portugal deu um salto qualitativo na formação avançada e estes instrumentos deixaram de ter o valor que já tiveram. Já a troca de experiências e a imersão noutras realidades vão continuar a ser importantes.
Em termos de áreas, Rui Oliveira acredita que faz sentido escolher aquelas em que ambos os lados conseguem potenciar o respetivo know-how. As energias renováveis são um dos exemplos apontados, pelo conhecimento que já existe em Portugal neste domínio, nomeadamente no que se refere à integração das renováveis na rede de abastecimento, e pelo interesse e esforço de investigação que a UT Austin também tem vindo a dedicar à transição energética.
Áreas tradicionais de trabalho da parceria, como a computação avançada e a nanotecnologia são também vistas como domínios onde a continuidade da colaboração traz grande potencial. No que se refere à computação, Rui Oliveira sublinha o enorme investimento que a Europa tem feito em infraestruturas de computação e em tecnologias associadas, todas elas desenvolvidas fora da região.
Promover mais investigação nesta área e no domínio da microeletrónica (chips) na região, nomeadamente em Portugal, tirando partido da expertise de parceiros com muito trabalho aí desenvolvido, pode ser uma mais valia. O responsável admite ainda que UT Austin terá abertura para estender a cooperação a outras áreas diferentes das atuais, como aconteceu no passado, em linha com os objetivos estratégicos que Portugal possa definir para a I&D e inovação.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, através da Fundação para a Ciência e Tecnologia está a reavaliar a continuidade das parcerias com três universidades norte-americanas, assinadas em 2006 e 2007 por Mariano Gago. Antes da crise política que fez cair o governo de António Costa previa-se que este fosse o último ano de vigência dos acordos, nos termos atuais. Este artigo integra-se num especial do SAPO Tek sobre o tema, onde fomos perceber o que tem sido feito no âmbito dos acordos e conhecer as críticas dos que defendem que as três parcerias podem já não fazer sentido.
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