Existem desde 2006 e foram lançadas ainda por Mariano Gago, as parcerias para a investigação e formação com três universidades norte-americanas: Carnegie Mellon, Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT) e Universidade do Texas em Austin. Dezassete anos depois, os acordos estão em vias de serem renegociados, ou terminados. Era pelo menos essa a intenção da Fundação para a Ciência e Tecnologia, sob a tutela do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, liderado por Elvira Fortunato.
As opiniões sobre o real impacto destas parcerias no sistema científico português hoje dividem-se, sobretudo por causa da relação custo/benefício que resulta do esforço financeiro associado aos programas, mais de 300 milhões de euros em termos acumulados. Quem defende a continuidade acredita que desistir agora será a pior das soluções para capitalizar o investimento já realizado.
“Estes programas vieram contribuir de forma decisiva para uma mudança do ecossistema tecnológico português”, defende Nuno Nunes, co-diretor do programa Carnegie Mellon Portugal.
“Se tivesse de identificar um factor de impacto apontaria para a transformação da cultura e do ecossistema [científico português], que tinha muita competência, mas por não ter a exposição e a reputação das universidades de topo mundiais, não tinha acesso às redes que permitem depois ter acesso a financiadores, capital de risco, etc”.
Esse “impacto determinante na criação de um ecossistema que não existia”, para Nuno Nunes, hoje percebe-se a vários níveis, entre eles a própria rede de parceiros dos programas. As empresas que há 15 anos aderiram à parceria eram principalmente incumbentes, empresas mais tradicionais, e “hoje quando olhamos para os parceiros industriais do programa vemos os unicórnios portugueses todos envolvidos, porque ou nasceram da parceria, e foram fundados por pessoas que tiraram partido dos programas de formação, ou resultaram de outras iniciativas da comunidade que a parceria proporcionou”.
As três parceiras, com nuances diferentes, têm atuado principalmente em três áreas: cooperação científica, formação avançada e empreendedorismo, com estas duas últimas a marcarem fortemente as duas das três frases que cada um dos programas teve até à data.
O impacto inicial dos programas na verdade é consensual e reconhecido por todos os interlocutores do sistema científico português, mesmo pelos que decidiram tornar públicos os pareceres que tinham feito chegar à Fundação para a Ciência e Tecnologia sobre o tema, a defender a suspensão.
Em junho, o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), que tem mantido a posição, defendeu que é “é preciso avaliar o modelo e refletir sobre ele”. Os reitores pedem que “antes da continuidade ou renovação das parcerias, deve ser feito um exercício de definição clara de objetivos e resultados esperados” e reclamam da falta de uma avaliação custo-benefício.
Com uma posição idêntica, o Conselho de Laboratórios Associados acrescentou algumas contas ao parecer que também fez chegar à FCT e que foi tornado público pela mesma altura. Segundo esses números, que constam de um relatório confidencial da FCT ao qual o SAPO TeK também teve acesso, as três universidades americanas recebem tanto como todos os laboratórios associados do sistema científico nacional. No total terão sido pagos 111,4 milhões a Carnegie Mellon; 137,3 milhões ao MIT; e 60,7 milhões à UTA.
Desde que arrancou a terceira fase dos programas, em 2018, as universidades americanas terão recebido 100 milhões de euros, segundo as mesmas contas. Por comparação, para o período entre 2021-2025, os Laboratórios Associados – com cerca de cem unidades de investigação e quase dez mil investigadores - vão receber anualmente 24 milhões de euros.
Relação custo/benefício mantém-se com a evolução do sistema científico nacional?
Além do peso financeiro, as parcerias são alvo críticas pela expressão dos resultados e pelo âmbito, que os críticos consideram reduzido, tanto no que se refere às áreas de I&D, como no número de universidades envolvidas, de ambos os lados. O CRUP ainda sob gestão de António de Sousa Pereira, que está agora a passar o testemunho a Paulo Ferreira, reitor da Universidade de Aveiro, defendia, nessa linha, que deve ser desenhado um “novo programa de apoio à internacionalização das universidades portuguesas e unidades de investigação, com um leque mais alargado de universidades e privilegiando consórcios com universidades europeias”. Apresentam-se também dúvidas sobre o impacto das startups criadas nesta esfera e dos formandos que passaram pelos programas, no ecossistema de inovação português, sublinhando-se a falta de dados públicos de acompanhamento dos resultados das iniciativas.
A formação avançada é no entanto uma das grandes bandeiras dos três programas. Embora só um deles assegure doutoramentos de grau dual, o CMU Portugal, todos têm promovido iniciativas de intercâmbio de experiências e o acesso de investigadores, docentes e alunos portugueses às escolas americanas envolvidas, pelo menos em alguns momentos da parceria.
Os responsáveis do CMU Portugal continuam aliás a acreditar que o modelo de formação de grau dual é um formato que permite o melhor de dois mundos: “segurar” quem está a fazer o doutoramento em Portugal e ao mesmo tempo dar-lhe oportunidade de experienciar uma realidade diferente. “Todos estes jovens foram formados em Portugal. A nossa formação de base em engenharia é muito boa e isso é reconhecido, o que muitas vezes falta no ecossistema académico português é esta ambição internacional que universidades como uma Carnegie Mellon podem dar”, acredita Nuno Nunes.
O responsável defende que este tipo de ligação a ecossistemas mais virados para o empreendedorismo, onde tipicamente se pensam projetos a uma escala global, continua a fazer falta a Portugal e contribui para colmatar a fuga de talento. “Fala-se muito hoje em talento a fugir de Portugal. A solução passa muito por termos empresas de dimensão e ambição que conseguem competir com as outras, as que vêm a Portugal fazer nearshore e contratar serviços de baixo valor acrescentado”. Fomentar a ambição, através deste tipo de programas, é contribuir para fazer nascer no país projetos que vão dar “oportunidades ao nosso talento, que não teriam se fossem trabalhar para estas outras empresas”.
Os gestores dos outros dois programas não veem a formação de grau dual como essencial, mas destacam também a importância e os bons resultados das iniciativas de intercâmbio que têm promovido, num sistema científico e académico que é hoje incontestavelmente diferente daquele que existia há quase duas décadas.
Dados da Direção-geral de Estatísticas da Educação mostram que em 2012 viviam em Portugal quase 25 mil doutorados e em 2020 mais de 37 mil (94% portugueses). No mesmo intervalo temporal passou de 1% para 6% a percentagem de doutorados que criam as suas próprias empresas. O sector empresarial passou entretanto a tomar a dianteira do investimento em I&D e no ano passado alocou a este tipo de projetos 2,6 mil milhões de euros, 62% da despesa total com I&D realizada no país, segundo os dados do último Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional.
Na verdade, nenhum destes números é brilhante, na comparação com o resto da Europa, por exemplo, mas todos mostram uma evolução, tanto no interesse pela formação avançada, como na I&D por parte das empresas, que em consequência disso aumentam o seu contributo para a criação de emprego científico.
Os interlocutores das parcerias acreditam que os programas têm tido um papel importante também aqui. Seja por via das startups que ajudaram a criar, que centram os seus negócios em produtos de inovação, seja pelo espaço que ajudaram a abrir dentro de empresas mais tradicionais para a I&D, com os projetos de investigação em conjunto.
Projetos de larga escala mobilizaram recursos das parcerias desde 2018
Nesta terceira fase, todas as parcerias centraram esforços precisamente nessa ligação à inovação nas empresas, acabando por remeter para segundo plano tanto as iniciativas de capacitação como de apoio ao empreendedorismo, por diferentes razões. Desde logo a pandemia (no caso das ações de mobilidade), a visão estratégica da tutela, que tem a palavra final sobre as linhas de ação de cada programa, mas também por causa do financiamento disponível, que pela primeira vez não veio apenas da esfera da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Veio também da Agência Nacional para a Inovação e dos instrumentos de apoio à I&D em copromoção, geridos pela Agência.
Nos três programas a maior parte dos recursos e iniciativas foram direcionados para projetos de larga escala, liderados por empresas. As críticas às parcerias também focam este redirecionamento de atividades, principalmente por ter tirado espaço às restantes atividades. Quem está no terreno como Inês Lynce, co-diretora do CMU Portugal, acredita que a oportunidade para este ajuste “veio na altura certa” e mostrou algo importante: que as parcerias atingiram um ponto de maturidade capaz de dar confiança e interesse às empresas, para se envolverem e investirem. Os projetos de I&D que juntaram empresas, universidades portuguesas e americanas contaram com financiamento do Portugal 2020 e das próprias empresas.
“Esta terceira fase vai dar origem a unicórnios? Provavelmente não, pelo menos como no passado, também por força do instrumento [financeiro] que se encontrou e que exigiu que as coisas se acomodassem”, sublinha também Rui Oliveira. O co-diretor do programa Austin Portugal lembra, no entanto, que o foco das parcerias sempre esteve no avanço científico. “De outra forma os nossos parceiros não trabalham connosco. Estamos a falar de uma colaboração com três universidades que se posicionam sempre como líderes mundiais no avanço científico, não com institutos de transferência de tecnologia”.
“Claro que qualquer uma destas universidades tem um ecossistema de inovação muito forte e baseado na própria universidade e todos os programas tiraram partido deste ecossistema, para que os nossos spin-offs pudessem incubar e nascer por esta via”, mas essa é uma consequência e não um ponto de partida.
Na edição deste ano do ranking de Xangai, um dos principais barómetros ao peso da investigação académica, as universidades norte-americanas continuam a dominar de forma massiva as posições cimeiras. O MIT surge na 3ª posição, a Universidade de Austin está na 43ª posição e a CMU entre a 101 e a 150ª posição.
A Fundação para a Ciência e Tecnologia não respondeu às questões do SAPO TeK para este artigo, mas o relatório confidencial a que tivemos acesso faz uma apreciação genericamente positiva dos resultados alcançados nas três parcerias ao longo do tempo. Considera-se que os principais objetivos traçados foram alcançados, embora reconhecendo, em cada uma das três, que algumas das iniciativas previstas ficaram por cumprir. Em alguns casos por questões de financiamento, noutros por causa da pandemia e noutros ainda porque as iniciativas não tinham caráter obrigatório e a gestão do programa assim decidiu. Há também notas para a necessidade de melhorar o envolvimento dos parceiros americanos em algumas ações, caso os acordos de cooperação venham a ser estendidos.
Os responsáveis dos programas aceitam que haja espaço para melhorar em algumas áreas, mas dizem que encerrar colaborações tão longas seria a pior forma de rentabilizar o investimento feito ao longo dos anos, a vários níveis.
“Acho que no passado a parceria deu resultados muito interessantes e dos dois lados devíamos estar interessados em renovar. Certamente em contextos diferentes, com valores diferentes, com áreas eventualmente diferentes. Acertando estas agulhas, a parceria como um todo e como estratégia, fazia todo o sentido dar-lhe continuidade”, defende Pedro Arezes, diretor do MIT Portugal.
“Sabemos que são parcerias muito exigentes do ponto de vista financeiro. E são também parcerias com muita responsabilidade, porque os nossos parceiros não são universidades quaisquer, são universidades de grande destaque a nível mundial”, sublinha o mesmo responsável. “Se não trabalharem com Portugal, trabalham com outros países, que muitas vezes são países de grande dimensão e com outra capacidade”.
No caso do MIT, a parceria com Portugal já é a mais antiga do género e, na perspectiva do responsável, deu ao país a oportunidade de mostrar de perto aquilo que de longe é mais difícil de perceber. “Acredito que esta experiência também permitiu ao MIT perceber que Portugal é um país que tem um sistema científico assinalável, para a escala, dimensão e periferia que ocupa na Europa. O que Portugal à sua escala faz e as bolsas de excelência que tem conseguiram surpreender”. Isso terá colocado Portugal numa posição de vantagem face a outros interessados no mesmo tipo de acordo. Pedro Arezes admite, no entanto, que “tem que haver uma perceção clara do valor destas parcerias para as diferentes instituições, porque ele existe” e isso tem de ficar claro no desenho das próximas fases do programa.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, através da Fundação para a Ciência e Tecnologia está a reavaliar a continuidade das parcerias com as três universidades norte-americanas, assinadas em 2006 e 2007 por Mariano Gago. Antes da crise política que fez cair o governo de António Costa, previa-se que este fosse o último ano de vigência dos acordos, nos termos atuais, ainda que a última renovação, em 2018, tivesse definido um horizonte de ação para os três programas até 2030, com reavaliações periódicas.
No verão, a ministra Elvira Fortunato já tinha respondido ao pedido dos reitores a indicar que as parcerias, nos moldes atuais, terminariam no final do ano. Numa conferência pós-Conselho de Ministros, em julho, admitiu que era intenção do Governo “reforçar as parcerias com as melhores universidades, não quer dizer que sejam só americanas”.
Note-se que este ano foram assinados acordos de colaboração também com a Universidade de Stanford para a área da sustentabilidade e com a Universidade da Califórnia em Berkeley, em todas as áreas científicas. Com universidades europeias as colaborações via projetos financiados, não seguindo estes moldes, também são permanentes e antigas.
A mudança de Governo no horizonte faz prever que o tema das parcerias permanecerá em revisão por mais algum tempo. Enquanto isso, o SAPO TEK aproveita para fazer um balanço do trabalho no terreno no Especial que poderá ler ao longo da semana. Fomos perceber o que tem sido feito no âmbito dos acordos com as três universidades americanas, com que impacto e falar com algumas das empresas que lideraram os projetos de grande escala, que foram as estrelas desta terceira fase de execução dos programas.
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