Lançado há cerca de um ano, o Horizonte Europa é o 9º programa-quadro e vai reunir os fundos europeus para investigação e inovação no período entre 2021 e 2027. É o maior pacote de sempre da UE para a I&I, com um orçamento de cerca de 95 mil milhões de euros, e está centrado no apoio às metas europeias para a transição verde e digital. Vai ser também uma peça fundamental para os objetivos europeus em matéria de I&D até 2030, que passam por aumentar o investimento público e privado nesta área para 3% do PIB até ao final da década.
O programa está dividido em três grandes áreas de referência: excelência científica (em recursos humanos e infraestruturas); desafios globais e competitividade industrial europeia (com grande foco nas metas de neutralidade carbónica para 2050); Europa inovadora e inclusiva. No pilar da competitividade, o digital, a mobilidade (e as cidades inteligentes), o espaço, a energia ou a indústria estão entre as grandes áreas de aposta.
Nesta nova arrumação das prioridades de I&I europeias, Alcino Lavrador encontra boas notícias. “No novo programa quadro 2021-2027, vemos uma mudança no sentido positivo, ou seja, na vontade de criar uma verdadeira economia digital e verde na Europa, com Produtos e Serviços Europeus”.
Como exemplos dessa orientação, destaca o Digital Europe Programme e a criação do New European Innovation Council, focado no suporte a inovações disruptivas e com potencial de criação de novos mercados, criado por Cientistas, PMEs Inovadoras e Startups. “Potenciam as oportunidade para as entidades portuguesas pelo seu foco na economia real e orientação para empresas de menor dimensão”, refere o diretor-geral da Altice Labs, sublinhando a importância deste tipo de instrumentos para um país como Portugal, onde as PME dominam.
“Os programas europeus na área da Investigação e Inovação têm padecido de muito foco na investigação e na criação de protótipos e pouco foco na inovação, ou seja, nos resultados com TRL (Technology Readiness Level) mais elevados e nos produtos verdadeiramente diferenciadores e prontos para entrarem no mercado”, admite Alcino Lavrador, considerando que essa opção acabou por fazer a Europa perder terreno na inovação, para outras geografias.
A mesma opinião é partilhada por Pedro Amaral, vice-presidente do Instituto Superior Técnico para as Ligações Empresariais e Operações, admitindo que em todas as etapas de inovação, no que se refere à experiência da instituição, a conversão de inovações em produtos ou serviços tem sido “aquela que menos é conseguida ao nível dos projetos I&D financiados”. Reconhece que “a grande maioria dos projetos que têm sido alvo de desenvolvimento encontra-se em TRLs mais baixos, o que incrementa o risco de implementação do lado das empresas”.
Para isso, defende, contribui o enquadramento de uma parte destes projetos, que tem por base a forma como as equipas de investigação apresentam resultados disruptivos, “não havendo ainda em Portugal uma cultura de apoiar financeiramente as empresas que desejam testar antes de investir”. Esta abordagem começa só agora a despontar, com a criação de um sistema de interface que vai permitir construir um sistema de incentivos para que as empresas consumam de forma mais rápida os resultados destes projetos de I&D.
Pedro Amaral também olha, por isso, com entusiasmo para as mudanças no programa que vai financiar os os esforços europeus de I&I até 2027, no que se refere a um maior direcionamento para dar resposta a necessidades concretas da economia da região. Mas, diz que ainda está claro o formato que permitirá aos centros de competência como o Técnico capacitar as empresas com os recursos adequados (humanos e materiais).
“Se existir uma abordagem de investimento direto em projetos I&D de carácter demonstrador ou mesmo em escalas piloto, é muito importante que existam condições de financiamento para que a indústria consiga transformar os projetos em riqueza para o país, ao mesmo tempo que os centros de saber conseguem manter o apoio necessário ao processo de inovação subsequente”, refere.
Cidades inteligentes e energia já juntam ciência e empresas nacionais em novos projetos Horizonte
Portugal traçou como meta duplicar a participação nacional no programa Horizonte Europa, 2021-27, face àquilo que conseguiu no Horizonte 2020, e atrair cerca de dois mil milhões de euros em incentivos. O objetivo considera a participação portuguesa nos Programas-Quadro europeus Horizonte Europa, Programa Espaço, ERASMUS+, bem como no Programa Europa Digital e CEF2-Digital. Pressupõe a capacidade de atrair anualmente cerca de 2% do financiamento europeu para Portugal.
Os números de balanço referentes ao primeiro ano do Horizonte Europa e à participação portuguesa, ainda não estão fechados, mas várias entidades portuguesas conseguiram já luz verde para novos projetos.
No final do ano, a ANI divulgava, por exemplo, que 30 projetos com participação nacional nas áreas da mobilidade e indústria tinham sido aprovados pela Comissão Europeia. No total vão permitir trazer para Portugal 21 milhões de euros em financiamento à I&I.
Os projetos em questão cabem nos clusters 5 (Clima, Energia e Mobilidade) e 4 (Digital, Indústria e Espaço) do H Europa. Neste último, foram aprovados 26 projetos com participação nacional, e três são coordenados por instituições portuguesas: LNEG, INESC TEC e CITEVE. O INESC-ID coordena um dos quatro projetos aprovados no âmbito do cluster 5 (o EV4EU), onde também participam outras empresas e organismos portugueses. É o caso da EDP, que está já com cinco projetos nas áreas de integração de veículos elétricos, analítica de dados, comunidades de energia, digitalização de edifícios e descarbonização da indústria.
O EV4EU - Gestão de Veículos Elétricos para a Neutralidade de Carbono na Europa tem como objetivo propor e implementar estratégias de gestão de veículos, criando condições para a implementação em massa do transporte em veículos elétricos.
“Vai considerar os vários aspetos e impactos da integração dos veículos elétricos, nomeadamente o impacto nas baterias, as necessidades dos utilizadores, impactos no sistema elétrico, integração com os mercados de energia e transformação das cidades. O objetivo é contribuir para a neutralidade carbónica”, explica a EDP. A demonstração das soluções propostas vai ser feita nos Açores, em colaboração com a EDA e com a Secretaria Regional dos Transportes, Turismo e Energia dos Açores.
A Altice Labs também já apresentou várias propostas no âmbito do Horizonte Europa, que estão em avaliação. As prioridades da unidade de inovação da Altice neste PQ vão para os temas da Inteligência Artificial, Redes do Futuro, nomeadamente 6G, Ultra-Banda Larga, Realidade Virtual e Aumentada, Humanos Aumentados, Internet Tátil, eHealth e Computação Quântica, entre outras.
Áreas onde Portugal mais pode tirar partido dos fundos para a I&D
Espera-se que até 2027 o gordo orçamento do maior programa europeu de sempre no apoio à I&I, ajude a UE a encaminhar-se para a liderança tecnológica em diferentes áreas críticas. As expectativas nacionais também são elevadas e há ideias definidas sobre as maiores oportunidades que daqui decorrem.
Soumodip Sarkar, vice-reitor para o Empreendedorismo e Inovação da Universidade de Évora defende que as áreas dos transportes e da mobilidade, da energia, Tecnologias de Informação e comunicações bem como a área da saúde, devem continuar a ser uma forte aposta de Portugal nos próximos anos.
“É importante que exista uma política de desenvolvimento híbrido, apostando-se no desenvolvimento tecnológico e em novas abordagens digitais, sem esquecer o desenvolvimento sustentável e sustentado das regiões e de como as universidades são motores fundamentais para o desenvolvimento das mesmas”.
Como também destaca o mesmo responsável, este papel da universidades, nomeadamente no que se refere à capacidade de colaborar com as empresas em projetos de I&D, pode ser tanto mais importante se o contexto de cada região for valorizado, já que há uma “evidente simbiose entre a investigação desenvolvida por uma universidade e a região onde está sediada”. No caso da Universidade de Évora, o agronegócio, o património cultural e a biotecnologia/biologia, entre outras áreas, acabam por ser os pilares mais fortes de cooperação.
No que se refere ao panorama nacional, o vice-reitor da Universidade de Évora sublinha que é importante tirar partido do nosso posicionamento estratégico no aproveitamento destes oportunidades, sem esquecer as necessidades mais prementes e as tendências para o futuro “e nesse sentido apontamos os projetos de valorização do oceano, a saúde digital e a indústria 4.0 como sendo áreas em que o nosso país pode e deve apostar”.
Pedro Amaral acredita que “as áreas em que melhor temos condições de aproveitar os fundos disponíveis são aquelas que resultam em produtos, processos ou serviços com o maior valor acrescentado bruto para Portugal e que promovam a exportação”.
Para o responsável do Técnico, cabem aí as áreas industriais associadas à produção, armazenamento de energia e gestão ambiental do território e as tecnologias que permitam assegurar autonomia na transição climática. Mas cabem também as áreas relacionadas com a exploração de matérias-primas, processamento de materiais e tecnologias de produção, que possam contribuir para manter no país e na Europa todas as etapas das cadeias de valor.
Pedro Amaral destaca ainda a importância dos temas ligados aos produtos e serviços críticos para a transição digital, às cidades inteligentes, ou à saúde, com I&D que crie inovação e produtos capazes de atrair novas empresas do sector e os seus centros de decisão, para o país.
Nestes esforço de alinhamento que Portugal tem de fazer com as oportunidades de financiamento europeias, vários intervenientes nos programas destacam o papel da rede PERIN — Portugal in Europe Research and Innovation Network, uma entidade pública criada em 2019, integrada pela FCT, ANI, Portugal Space, entre outras, pelo contributo que tem dado para a “promoção e envolvimento dos atores portugueses da IDI no Programa Horizon Europa e em todos os seus sub-programas”, como sublinha Alcino Lavrador.
Numa entrevista ao SAPO TEK, que também faz parte este especial, Joana Mendonça, presidente da Agência Nacional de Inovação, assumiu que um dos grandes objetivos dos organismos que fazem a ponte com os programas do Horizonte Europa é precisamente o reforço do acompanhamento das empresas - menos representadas que as universidades e centros de I&D nos programas europeus. A responsável também explicou, que a intenção é reforçar esse apoio em todas as fases dos projetos europeus, desde a desmistificação da complexidade dos programas, ao apoio na identificação das calls mais adequadas para cada empresa e mesmo em fases posteriores.
Este artigo faz parte do Especial Fundos Europeus de apoio à I&D: o que mudaram nos negócios das empresas portuguesas?
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