No ano passado, a Deco Proteste recebeu 2.511 contactos com questões sobre bens usados. Ou seja, 7% dos contactos sobre bens de consumo tratados em 2022 pela organização de defesa do consumidor visaram este tema, a maioria com questões relativas a garantias de veículos, mas o interesse por produtos noutras áreas, como a eletrónica, também tem vindo a aumentar.

Neste domínio, e a nível global, números da IDC revelam que em 2022 as vendas de equipamentos usados e oficialmente recondicionados cresceram 11,5%, para 282,6 milhões de unidades. As previsões para os próximos anos mantêm-se de crescimento, por várias razões. O fator preço, numa altura em que muitos compradores têm menos orçamento disponível é central. A preocupação com os temas da sustentabilidade e impacto ambiental das decisões de compra está a crescer, tendências que a Deco Proteste também identifica em Portugal.

Mas o mercado dos recondicionados também cresceu porque a oferta se diversificou e profissionalizou, e a proteção dos consumidores que fazem essas escolhas foi melhorada. Surgiram novas empresas dedicadas à venda de recondicionados e os próprios retalhistas começaram a dedicar espaço nos seus catálogos para este tipo de produtos, o que oferece mais segurança ao consumidor, do que a simples compra de um usado.

“Computadores recondicionados não são apenas equipamentos em segunda mão, como os que se vendem entre particulares, em sites como o OLX ou Custo Justo”, exemplifica a Deco Proteste.

Os recondicionados são avaliados e reparados por profissionais, garantindo que se encontram em condições de serem vendidos ao público. Há uma escala de avaliação do estado do produto (do Bom ao Excelente), que determina o preço de venda. “Para além disso, nestes retalhistas ou vendedores especializados é garantida, não apenas a durabilidade do produto, mas também a segurança na transação, e a possibilidade de devolução ou apoio pós-venda”, acrescenta a organização.

Nos telemóveis e noutros equipamentos eletrónicos a lógica é a mesma. Todos os produtos recondicionados vendidos por profissionais têm de ter uma garantia, que pode não chegar aos três anos que a lei passou a prever no ano passado (se existir acordo entre as partes), mas não pode ser inferior a um ano.

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A mesma lei prevê que quando um recondicionado avaria, o cliente tem direito à reparação da avaria, reembolso do montante pago na compra, ou substituição do bem por outro no mesmo estado. Numa situação de reparação, a garantia estende-se por seis meses, algo que pode acontecer um máximo de quatro vezes, medidas de proteção do consumidor que também vieram ajudar a dinamizar este mercado.

Vale a pena comprar um recondicionado?

O último teste realizado pela Deco Proteste nesta área dos recondicionados já é de 2021 e centrou-se nos telemóveis. Mais concretamente no iPhone 8, um dos modelos recondicionados mais populares da altura. Foram comprados equipamentos em 10 lojas entre a grade A+ e C, explica a Proteste.

Depois de analisar detalhes das diferentes componentes dos equipamentos, as conclusões permitiram apurar que alguns estavam a ser vendidos na categoria errada. Verificou-se que a grande maioria dos equipamentos trazia, pelo menos, o cabo USB e carregador correspondentes. Alguns tinham ainda auriculares, embora nem sempre originais da marca. Todos estavam desbloqueados e com o software reposto. As baterias foram testadas e verificou-se que apenas três equipamentos tinham as baterias com uma capacidade de 100%, nos restantes variava entre 84% e 90%.

Na mesma altura a belga Test Achats, congénere da Deco Proteste, testou seis portáteis recondicionados, em três categorias de preços e comparou-os com modelos novos da mesma categoria. A conclusão foi surpreendente. Verificou-se que é possível encontrar um portátil recondicionado melhor do que um novo do mesmo valor.

“No entanto, o suporte para Windows 10 deixará de existir a partir de outubro de 2025. Em muitos casos é possível fazer a atualização do Windows 10 para o Windows 11, mas convém sempre primeiro confirmar se o processador do portátil recondicionado em que está interessado é compatível”, sublinha a Deco Proteste.

A organização de defesa do consumidor lembra ainda que, no caso dos PCs, um dos componentes que mais frequentemente acusa algum desgaste é a bateria. Uma boa prática para evitar dissabores é verificar se ainda há baterias originais à venda ou, na pior das hipóteses, se há baterias de marcas compatíveis com a do recondicionado. Também é boa ideia verificar com o vendedor se esta componente está incluída na eventual garantia do aparelho.

Ainda assim, o balanço destes testes é positivo e desde então a oferta disponível no mercado continuou a evoluir, com mais lojas a vender recondicionados e a investirem na qualidade dos produtos que comercializam. Com os devidos cuidados, é uma opção que vale cada vez mais a pena considerar.

O SAPO TeK já tinha escrito sobre os cuidados a ter na compra de um recondicionado, num artigo que teve por base as recomendações divulgadas para Deco Proteste, que pode encontrar aqui. Recentemente publicámos também um artigo sobre o mercado de recondicionados em Portugal, onde participaram várias empresas especializadas nesta área que aí explicam o que têm para oferecer. São também unânimes na perspetiva de que este é um segmento em crescimento.

A Worten, que vende recondicionados desde 2019, partilha a mesma opinião. “É um mercado em constante crescimento e, nesse sentido, temos tentado acompanhar esta tendência com o aumento da oferta”, explica Nuno Natário, Head of Commercial Worten Iberia.

A oferta de recondicionados da retalhista começou com produtos da Apple, que continuam a liderar a procura, mas hoje estende-se também a dispositivos de outras marcas, como a Samsung, OPPO ou Xiaomi, agregados na marca Reuse. As poupanças podem chegar aos 50%, refere a Worten, que dá garantia de funcionamento de 12 meses a estes produtos e um prazo de devolução de 30 dias nas lojas. Em termos médios, e olhando para todo o mercado, as poupanças na compra de um recondicionado rondarão os 20% (dados KuantoKusta). As garantias podem chegar aos cinco anos (exemplo: Forall Phones).

O crescimento contínuo das vendas e a prevalência dos fatores que o justificam - procura de preços baixos e preocupações ambientais - têm levado as empresas que exploram o segmento a reforçar investimentos. No caso da Worten, isso passou, em 2022, pelo investimento num centro técnico para fazer triagem dos lotes de fornecedores externos e reverificações dos artigos provenientes de clientes.

Também no ano passado, a retalhista criou um Folheto de Sustentabilidade, que agrega produtos e soluções mais eficientes e sustentáveis, e que este ano já foi reeditado.

“Apesar de existir uma maior consciência e sensibilização para o tema, a verdade é que a maioria das pessoas tem dificuldade em fazer uma mudança significativa nos seus hábitos, porque simplesmente não sabe por onde começar”, defende Nuno Natário.

O folheto pretende dar pistas para escolhas mais responsáveis. Além dos produtos, agrega informação sobre serviços que incentivam a um comportamento mais ecológico, como serviços de reparação ou serviços ao domicílio, que entregam, instalam, recolhem e reciclam gratuitamente o equipamento antigo. Paralelamente, a Worten Reuse conta ainda com um serviço de retomas, que permite aos clientes venderem os equipamentos antigos a “preços competitivos”, diz a marca.

Promover uma economia circular

A dinamização do mercado de retomas, prevêem consultoras como a IDC, será uma das grandes estratégias das marcas este ano, para acelerar ciclos de renovação de produtos que estão cada vez mais longos. Este será por isso, e cada vez mais, um dos grandes pontos de partida para o prolongamento do tempo de vida útil de equipamentos eletrónicos. Mas há outros, como a iniciativa que junta a Entrajuda à Electrão, há 14 anos e que já permitiu reutilizar 393 toneladas de equipamentos usados, com destaque para computadores e impressoras, mas também ecrãs e grandes eletrodomésticos.

Em 2022 deixaram de ir para a reciclagem e seguiram para as mãos de novos donos - famílias apoiadas por diferentes instituições de solidariedade social ligadas à associação, 61 toneladas de equipamentos. Estes equipamentos são entregues nos pontos de recolha da Entrajuda. Os que têm condições para isso são reparados por uma equipa técnica e jovens estudantes, em estágio profissional na associação. Os restantes, a Electrão encaminha para reciclagem.

A associação assume-se como a entidade gestora com a maior quota de mercado na gestão de equipamentos elétricos usados. No ano passado enviou para reciclagem 23.934 toneladas de equipamentos elétricos, mais 40% do que em 2021.

“Este aumento expressivo da reciclagem deve-se à continuidade da expansão do número de locais da rede de recolha Electrão, ao comprometimento e profissionalização dos diferentes parceiros, que permitem servir melhor o cidadão e ao contributo específico dos operadores de gestão de resíduos, com quem reforçámos a colaboração em 2022”, como explica Pedro Nazareth, CEO da associação.

Um dos resultados deste esforço, concretiza, traduziu-se na recolha e reciclagem de 6.665 toneladas de equipamentos usados, na sua maioria provenientes de empresas.

A associação partilha ainda que a quantidade de aparelhos em fim de vida recolhidos diretamente nos pontos de recolha Electrão aumentou 6% no último ano. As recolhas próprias passaram de 16.250 toneladas, em 2021, para 17.268 toneladas, em 2022. São boas notícias, mas podiam ser melhores, admite Pedro Nazareth. “Mesmo com este contributo do Electrão, que concorre para os resultados nacionais, a performance global do país é insuficiente para fazer face à fasquia imposta pela legislação comunitária”.

O responsável reconhece que este é um dos fluxos mais problemáticos do sector. O valor de alguns dos componentes integrados nos equipamentos elétricos e eletrónicos potenciam o funcionamento de um mercado paralelo, que continua a desviar e processar ilegalmente parte dos aparelhos e a impedir que os números da reciclagem cresçam na medida esperada.

Um estudo realizado pela Electrão revelou que três em cada quatro equipamentos elétricos usados, deixados pelo cidadão na via pública para recolha por parte da autarquia, são desviados para esse circuito.

“O desvio de aparelhos impede que Portugal alcance as metas a que está obrigado, mas representa sobretudo um problema ambiental já que alguns contêm substâncias perigosas, que têm que ser eliminadas de forma controlada em unidades especializadas”, sublinha Pedro Nazareth. A par disso, muitos portugueses continuam a depositar equipamentos elétricos e eletrónicos no lixo comum, indiferentes ao impacto ambiental desta prática. Mudar estas duas realidades implica mudanças de comportamento, empenho reforçado das entidades envolvidas e mais fiscalização, mas pode ajudar a fazer a diferença.