Por Jorge Borges (*)
A Nvidia acaba de alcançar uma capitalização bolsista recorde de 5 biliões de dólares*, consolidando a sua posição de empresa mais valiosa do mundo. É o símbolo perfeito da era da inteligência artificial (IA): crescimento sem limites, promessas infinitas, e uma corrida global em que ninguém quer ficar para trás. Mas por trás deste brilho tecnológico importa questionar: quem vai realmente ganhar dinheiro com a IA?
A era do “quanto maior, melhor”
A nova geração de IA precisa de tudo em grande: terabytes de dados, gigawatts de energia e centenas de milhares de engenheiros e investigadores pagos a peso de ouro.
Cada novo modelo é maior, mais complexo e mais caro de operar. Mas, curiosamente, a rentabilidade é ainda diminuta. As principais empresas de IA, como a OpenAI, Anthropic ou a Google DeepMind, gastam fortunas a treinar e manter modelos que consomem energia e poder de computação a um ritmo exponencial.
O custo já não está apenas no treino dos modelos, mas em cada utilização. Cada vez que um utilizador pede ao ChatGPT, Claude ou Gemini para criar um texto, imagem ou código, há um custo real em energia e tempo de processamento (recordam-se do CEO da OpenAI declarar que um simples “por favor” e “obrigado” nas interações com o ChatGPT custam "dezenas de milhões de dólares” por ano?).
Em termos económicos, a IA generativa combina custos variáveis elevadíssimos com receitas marginais reduzidas — uma equação difícil de sustentar.
O paradoxo do modelo de negócio
Durante décadas, as empresas de software seguiram um modelo simples: elevados investimentos para desenvolvimento e preços diminutos para distribuir. A IA generativa traz consigo um novo paradigma: Cada nova interação tem custos variáveis significativos, o que torna as atuais subscrições mensais economicamente frágeis. Quando uma empresa cobra 20 euros por mês por acesso a um modelo de IA, dificilmente cobre o custo real do serviço.
O futuro deverá passar por modelos “pay-per-use”, em que se paga por cada utilização. É o mesmo caminho que o software seguiu no passado: primeiro comprava-se uma licença vitalícia, depois passou-se à subscrição, e agora caminha-se para o pagamento por utilização.
Quem está realmente a lucrar com a IA?
Se a corrida à IA é a nova febre do ouro, há três papéis possíveis:
- os mineiros - que desenvolvem os modelos (como a OpenAI ou a Anthropic);
- os vendedores de pás - que fornecem a infraestrutura (com a Nvidia à cabeça)
- os joalheiros - que usam a tecnologia para criar produtos finais e experiências de valor (como a Meta, com as suas plataformas sociais e de publicidade).
À semelhança do sec XIX, os “vendedores de pás” (e de jeans;-) são, para já, os grandes vencedores. A Nvidia vale hoje mais do que Apple, Microsoft ou Google, porque é quem fornece o “petróleo” desta nova economia: chips especializados em IA.
Já quem está a tentar construir modelos e plataformas on top, enfrenta margens reduzidas, custos altíssimos e uma concorrência feroz. Cada novo modelo lançado é rapidamente igualado ou superado por outros, com custos menores e sem barreiras reais de entrada.
As manobras das Big Tech
Se há algo que distingue esta nova corrida ao ouro é a diversidade de estratégias das grandes empresas tecnológicas. Todas investem fortemente em inteligência artificial, mas cada uma com um ângulo distinto — e, acima de tudo, com diferentes formas de tentar equilibrar risco e retorno.
Google: inovação com travão de mão puxado
A Google tem provavelmente a maior base de talento e investigação em IA do mundo. Poderia integrar modelos generativos em todos os seus produtos, mas não o faz em larga escala de forma deliberada.O gigante de Mountain View sabe que a IA generativa ameaça o seu próprio modelo de negócio baseado em publicidade. Por isso, a Google aplica IA de forma seletiva: o suficiente para não perder relevância face à concorrência, mas nunca ao ponto de canibalizar as suas receitas principais. É uma estratégia de contenção, mais defensiva do que agressiva. (Estaremos perante uma nova Kodak? Deixo essa reflexão para outro artigo.)
Microsoft: o jogador com mais cartas na manga
A Microsoft foi a primeira a transformar IA em vantagem competitiva real — através da aliança com a OpenAI e da integração do Copilot em todo o ecossistema Office, GitHub e Windows. Mas o mais interessante é que a Microsoft joga em todos os tabuleiros: é investidora na OpenAI, mas também apoia alternativas open source, como o Llama da Meta, que corre na sua infraestrutura Azure. Com isto, a Microsoft posiciona-se como o “hub” da IA empresarial, vendendo acesso, capacidade de computação e integração — independentemente de qual modelo o cliente prefira. É uma jogada inteligente, de longo prazo, mais centrada na infraestrutura e na nuvem do que no produto final.
Meta: a IA como motor de plataformas
A Meta segue uma lógica diferente. Para Mark Zuckerberg, a IA não é um produto — é a infraestrutura que alimenta as suas plataformas e wearables (vi o futuro no último MWC quando experimentei os Meta RayBan ). A Meta aposta em escala e influência - quer que o seu ecossistema de IA se torne o padrão de facto, tal como o Android o foi para o mobile
O risco de uma bolha
O mercado da IA vive um entusiasmo em muito semelhante com a bolha das “dot-com” dos anos 90. O padrão repete-se: toda a gente vê o potencial de criação de valor, mas poucos conseguem capturá-lo.
Hoje, as promessas da IA são evidentes — produtividade aumentada, novas formas de trabalho, automação inteligente, criatividade ampliada. O problema é que o modelo económico da base ainda não está resolvido. Se o custo de oferecer IA é superior ao que os utilizadores estão dispostos a pagar, o crescimento torna-se insustentável.
Mais cedo ou mais tarde, é inevitável um ajustamento. Empresas com investimentos gigantescos e receitas insuficientes terão de reavaliar estratégias. E o impacto pode atingir não só os criadores de modelos, mas também as empresas que fornecem chips e infraestrutura, se o ritmo de crescimento abrandar (ou ficar bastante abaixo das expetativas dos investidores que levaram a Nvidia aos 5T$).
A procura do valor real
Isto não significa que a IA seja uma moda passageira — longe disso. O potencial de transformação é enorme (e ainda agora começou;-). Mas há uma diferença substancial entre criar valor e capturar valor.
Na minha opinião, as empresas que realmente vão prosperar não serão necessariamente as que treinam os maiores modelos, mas sim as que conseguirem construir propostas de valor diferenciadas — onde o cliente entende e valoriza claramente por que está a pagar.
São os casos da Oracle e da Salesforce, que representam o lado maduro da IA empresarial – menos wow factor e mais valor tangível. Ambas oferecem modelos pré-treinados e adaptáveis a funções específicas, com base em dados proprietários e seguros, transformando IA em produtividade, previsibilidade e vantagem competitiva real, sem depender de hype nem de investimento massivo em GPUs.
O futuro é inteligente. Mas será rentável?
Para já, os utilizadores são os grandes beneficiados. Estamos a viver uma fase em que a IA é altamente subsidiada pelos investidores. Ferramentas poderosas estão disponíveis a preços baixos ou gratuitamente, apesar dos custos elevados para as suportar. À medida que o mercado amadurecer o acesso ilimitado deverá dar lugar a modelos de pagamento com base na utilização.
A corrida pela liderança em inteligência artificial está longe de terminar, mas o entusiasmo acabará por dar lugar à realidade económica. A Nvidia é hoje o símbolo do sucesso, mas o verdadeiro desafio para o resto da indústria é outro: transformar inovação e adoção em rentabilidade (e esse corrida, apesar de todo o barulho, ainda vai no início).
*ou trillion dollars na escala americana. Mas são sempre 5 + doze zeros!!
(*) Docente e consultor, especialista na interseção entre marketing, tecnologia e inovação
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