No início deste ano, a edição francesa da revista Forbes apontava Portugal como sendo o novo destino para investir. Uma população “jovem e qualificada” associada ao apoio ao empreendedorismo assente no aumento do número de incubadoras, startups e programas de aceleração tornam o pequeno retângulo do oeste europeu bastante apetecível para a instalação de centros tecnológicos.

Esta foi uma tese também defendida pelo Wall Street Journal, que considerou a cidade de Lisboa como uma das preferidas na hora das tecnológicas instalarem os seus hubs, e empresas como a Google vieram dar razão a estas previsões.

Também a norte se tem verificado uma mudança no paradigma de desenvolvimento, com novas empresas a surgir alicerçadas em modelos de negócio mais inovadores e diferenciadores. Talvez por isso, a hipótese de que a Amazon tenha escolhido o município do Porto para instalar um dos seus projetos seja mais do que um rumor.

Mas, será que no mapa da inovação digital do país só há espaço para estes dois centros urbanos ou as cidades a sul do Tejo têm condições para competir com Lisboa e Porto como centros e pólos de empreendedorismo?

Raquel Ponte é Senior Administration Executive na Turbine Kreuzberg PT, uma empresa berlinense que desenvolve projetos informáticos e que, por mero acaso, chegou a Faro em 2015 e lá se fixou.

Ao SAPO TEK, Raquel Ponte explicou que, para além da possibilidade de trabalhar pontualmente em destinos aprazíveis como o Algarve ser uma tendência muito querida para os millennials, foi o potencial da cidade que despertou a vontade de abrir uma filial no sotavento algarvio.

“As pessoas em Faro são muito acolhedoras e tolerantes, a cidade tem um aeroporto excelente, com ligações a quase toda a Europa e, claro, há o clima, a gastronomia e as praias”, destaca Raquel Ponte que aponta também o “baixo custo de vida, em comparação com o que se passa na Europa e até com o Porto e Lisboa, que sofreram uma enorme inflação nos últimos anos" como alguns dos elementos que podem consubstanciar esta dinâmica de investimento IT em Faro.

Promover a inovação nas várias áreas

A necessidade de consolidação do ecossistema TI no Algarve é também fomentada pela proliferação de eventos técnicos, onde se promove a inovação e a transferência de conhecimento, como as Geek Sessions Faro ou o Shift Faro.

Miguel Coquet é o co-mentor das Geek Sessions, um “grupo informal de profissionais e entusiastas das novas tecnologias, que se encontram em pequenos eventos de partilha de conhecimento na forma de workshops, lighting talks ou outros formatos de partilha” e que nasceu depois do freelancer que trabalha para a Buzzfeed regressar de uma imersão de três dias de Codebits, em 2010.

“Conversávamos sobre o valor de eventos feitos pela comunidade e para a comunidade e como isso contribuía para a elevação profissional de cada um e como o oposto era detrimental para a carreira. Tendo experiências passadas similares num contexto académico, decidimos que conseguiríamos fazer mais”, explica Miguel Coquet em entrevista ao SAPO TEK.

Para Coquet, estes eventos são “catalisadores de uma comunidade embrionária que se começa a fazer sentir e que carece de nutrição”, uma vez que o tecido empresarial algarvio era constituído por empresas de dimensão regional que produziam pouca inovação e se limitavam a ser “utilizadores” de tecnologia.

Tal como Raquel Ponte, o freelancer destaca o papel da Universidade do Algarve (UALG) e do CRIA - Divisão de Empreendedorismo e Transferência de Tecnologia na diferente dinâmica que tem surgido a sul do país e que, por sua vez, fomenta a inovação e a criatividade.

Nascida em 2003, a Divisão de Empreendedorismo e Transferência de Tecnologia da Universidade do Algarve - CRIA foi formalmente reconhecida como uma divisão funcional da Universidade em 2010 e tem como objetivo a promoção da competitividade da região do Algarve.

“Procurando apoiar a comunidade académica e estudantil dos quatro campus da Universidade do Algarve, em Faro e Portimão, bem como todos os agentes instalados ou com projetos de desenvolvimento económico e social na região do Algarve, uma das missões do CRIA passa efetivamente por apoiar a valorização do conhecimento e a fixação de talentos na região, potenciando um desenvolvimento sustentado” esclarece Hugo Barros, coordenador da estrutura.

Ao SAPO TEK, Hugo Barros explicou que o impacto do CRIA é visível nas mais de 100 novas empresas assentes em inovação e conhecimento (startups e spinoffs) geradas com o apoio da estrutura desde a sua génese, “representando um importante número de postos de trabalho qualificado e uma importante contribuição para a exportação de bens e serviços assentes em recursos e conhecimento gerado na região”.

O que estará, então, em falta no panorama tecnológico do Algarve para que os olhos dos investidores e das gigantes tecnológicas avancem além Tejo?

Para Raquel Ponte ao longo dos últimos quatro anos tem-se verificado um conjunto de fatores favoráveis à promoção e valorização tecnológica na região algarvia, como o aumento do número de startups e de empresas estrangeiras a abrirem filiais locais para competir em mercado estrangeiro com salários mais atrativos. Uma decisão que parece ter tido bom resultado no caso da Turbine Kreuzberg PT.

"Começámos com três programadores, em 2015 e, atualmente a equipa já tem 12. Mas, gostaríamos de chegar aos 20 até ao final do ano", revela a responsável.

No entanto, aponta a necessidade de haver uma “maior coesão, colaboração e comunicação entre os vários atores da comunidade, no sentido de tornar o ambiente IT mais atrativo em Faro/ Algarve, uma transferência efetiva de conhecimento entre a UALG e as empresas e uma visão global e de liderança para a região”.

Hugo Barros acredita que o Algarve é já um centro de inovação na Europa, fruto do trabalho de algumas entidades regionais, públicas e privadas, mas aponta que é “necessário replicar estes exemplos de inovação e internacionalização, consolidando setores estratégicos, e apostando em setores nos quais exista capacidade e massa crítica relevante, quer ao nível empresarial como ao nível do conhecimento”.

O coordenador do CRIA refere que, apesar da clara diferença em termos de massa crítica existente, nomeadamente ao nível do número de habitantes, da caracterização do setor económico, da dimensão das empresas regionais e respetiva capacidade de investimento, e de absorção de inovação, a região algarvia  tem particularidades únicas na capacidade de atração de investimento em áreas de elevado valor acrescentado, em particular na área das tecnologias de informação e comunicação.

E isso é conseguido "valorizando as competências dos recursos, as dinâmicas dos agentes económicos (públicos e privados) e os recursos "intrínsecos" regionais, como a qualidade de vida, o sol, o bem estar, a dieta mediterrânica, a proximidade de recursos estratégicos (aeroporto internacional, proximidade dos portos de Faro, Portimão e Sines)".

" O potencial existe e é reconhecido, bem como um crescente número de casos de sucesso e boas práticas que importa replicar", explica Hugo Barros.

“Penso que será inevitável que o Algarve se torne um centro e pólo de inovação”, defende Miguel Coquet, mas, apesar de existir alguma procura de empresas europeias que preferem o Algarve em vez de Lisboa ou Porto como centro de produção, o freelancer diz que “a nível governamental ou institucional ainda não existe uma concertação nesse sentido”.

Para Miguel Coquet, “Lisboa e Porto são grandes centros urbanos, com uma concentração muito maior de população, investimento, capital e talento, numa quantidade com que não conseguimos competir”, desabafa.

Contudo, a região do Algarve tem outros trunfos que estes centros não têm como uma melhor qualidade de vida, habitação mais acessível e infraestruturas semelhantes (universidade, transportes e ligações aéreas diretas à maiorias das capitais europeias).

“Não tenho dúvida que cada vez mais, à luz das novas dinâmicas de trabalho, estas valências serão ainda mais atraentes do que já são hoje. A esse nível, não sei é se Lisboa e Porto podem realmente competir com o Algarve”, desafia Miguel Coquet.

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