A AdC "adotou uma decisão de proibição à aquisição pela Vodafone Portugal, S.A. (Vodafone) do controlo exclusivo sobre a Cabonitel, S.A., incluindo, em particular, sobre a Nowo Communications, S.A. (Nowo)", lê-se na deliberação da entidade reguladora. A proposta foi apresentada há quase dois anos, a 30 de setembro de 2022, e a falta de resposta da autoridade tem sido criticada pelos vários players do mercado de telecomunicações.

A Concorrência "decidiu não autorizar a transação por considerar que a operação de concentração é suscetível de criar entraves significativos à concorrência efetiva nos mercados relevantes identificados, prejudicando os consumidores".

Em setembro de 2022, a Vodafone tinha celebrado um acordo para comprar o quarto operador em Portugal, a Nowo, à Llorca JVCO Limited, dona da Masmovil Ibercom. Na altura Mário Vaz, que era CEO da Vodafone Portugal, defendeu que a proposta estava ligada à intenção de criar valor e aumentar a expansão da rede fixa da empresa. Passaram quase dois anos, e depois do parecer da Anacom de que a compra poderia produzir efeitos nocivos, e de vários sinais de que não iria aprovar a compra, a Autoridade da Concorrência publicou hoje a sua decisão.

Compra da Nowo pela Vodafone travada pela Autoridade da Concorrência
Compra da Nowo pela Vodafone travada pela Autoridade da Concorrência
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"Em resultado da operação o poder de mercado da Vodafone sairia reforçado. No seu conjunto, estimou-se que estes efeitos levariam a uma perda de excedente de consumidor e a uma perda de bem-estar social na ordem, respetivamente, dos €54 milhões e dos €20 milhões por ano. Todos estes resultados apontaram, portanto, para uma deterioração do equilíbrio pré-concentração que, importa recordar, é um equilíbrio que já se afasta de um equilíbrio competitivo", escreve a autoridade no comunicado.

Recorde-se que a Vodafone já tinha apresentado várias quatro propostas (compromissos) para tentar colmatar as questões da Autoridade da Concorrência. O primeiro pacote a 12 de dezembro de 2023, seguindo-se mais três propostas a a 31 de janeiro (retirado em 26 de fevereiro), a 26 de fevereiro, e a 22 de abril, dia a AdC.

O SAPO TEK contactou a Vodafone Portugal que indica que "A Vodafone confirma ter sido notificada pela Autoridade da Concorrência sobre a decisão final que proíbe a aquisição da Nowo, encontrando-se neste momento a analisar os seus fundamentos."

Argumentos contra (2) - (0) Argumentos a favor

Veja aqui os argumentos da Anacom e da AdC que resultam numa decisão desfavorável à compra da Nowo pela Vodafone Portugal

No longo documento partilhado, a Autoridade da Concorrência az uma cronologia dos actos e das diligências neste processo e os dados que a levaram a esta decisão, e pode ler aqui nos argumentos para a caracterização do mercado :

A AdC procedeu, previamente à avaliação dos impactos prováveis da operação de concentração, a uma caraterização detalhada da indústria das telecomunicações em Portugal.
Do ponto de vista estrutural, verificou-se, por um lado, que os mercados de telecomunicações em Portugal são caracterizados por níveis de concentração elevados e heterogéneos ao longo do território continental e, por outro, que os períodos de fidelização e as ofertas em pacote reforçam as barreiras à mobilidade de clientes entre operadores e, consequentemente, reduzem os níveis de concorrência no setor e reforçam as barreiras à entrada e à expansão de novos operadores.

Por seu turno, identificou-se um nível significativo de paralelismo nas ofertas dos 3 principais operadores — MEO, NOS e Vodafone —, quer ao nível da tipologia das ofertas, quer dos respetivos tarifários.

Foi também possível identificar um conjunto de mecanismos e procedimentos através dos quais os três principais operadores mantêm esses paralelismos ou alinhamentos nas suas ofertas.

Para além da recolha de um vasto acervo de elementos sobre o mercado, incluindo documentação interna das empresas, a AdC procedeu ao desenvolvimento e implementação de um modelo econométrico da indústria, em que esta foi modelizada através de um modelo de equilíbrio estático, com concorrência em preços e produtos diferenciados.
Este modelo permitiu à AdC caracterizar, através de uma metodologia tecnicamente robusta, não só o atual equilíbrio de mercado, como, também, avaliar e quantificar os impactos prováveis da operação de concentração sobre os preços no mercado das telecomunicações em Portugal.

Em face de toda esta evidência, concluiu-se que o equilíbrio pré-concentração da indústria não corresponde a um equilíbrio competitivo de concorrência em preços num mercado oligopolista com 4 empresas, isto é, existem claros indícios de se estar em presença de um equilíbrio pré-concentração com um grau significativo de coordenação (equilíbrio cooperativo).

Neste cenário prévio à operação de concentração, todas as empresas apresentam um significativo poder de mercado, tendo a AdC estimado que o nível médio de preços das telecomunicações é superior, em cerca de 21%, ao que resultaria de um cenário de concorrência oligopolista com 4 empresas, o que corresponde a uma perda de excedente do consumidor e de bem-estar social na ordem, respetivamente, dos € 349 milhões e € 90 milhões por ano.

A autoridade alinha ainda os efeitos unilaterais e coordenados que decorrem da operação de concentração

. Efeitos Unilaterais decorrentes da operação de concentração

Em termos de efeitos unilaterais, considerando que a Nowo exerce uma pressão concorrencial relevante sobre os restantes operadores de mercado, a AdC estimou que da operação de concentração resultariam aumentos significativos de preços por via:

i. do aumento significativo dos preços dos produtos da Nowo (em média, aumentos de 55%, 21% e 14%, respetivamente nos serviços Móvel standalone, nas ofertas em pacote 3P e 4/5P);
ii. em menor medida, dos preços dos produtos da Vodafone (em média, aumentos de 2,8%, 3,9% e 3,1%, respetivamente nos serviços Móvel standalone, nas ofertas em pacote 3P e 4/5P, estes últimos na área do footprint da rede da Nowo)

iii. de forma marginal, dos preços dos restantes operadores de mercado.

Em resultado da operação, o poder de mercado da Vodafone sairia reforçado. No seu conjunto, estimou-se que estes efeitos levariam a uma perda de excedente de consumidor e a uma perda de bem-estar social na ordem, respetivamente, dos €54 milhões e dos €20 milhões por ano. Todos estes resultados apontaram, portanto, para uma deterioração do equilíbrio pré-concentração que, importa recordar, é um equilíbrio que já se afasta de um equilíbrio competitivo.

Efeitos Coordenados decorrentes da operação de concentração

Em termos de efeitos coordenados, concluiu-se que a operação de concentração seria suscetível de resultar no aumento da probabilidade, da sustentabilidade e do grau de coordenação de comportamentos por parte dos 3 principais operadores de mercado – a MEO, a NOS e a Vodafone. Para esta conclusão contribuiu, por um lado, a similitude das ofertas dos três principais operadores de mercado e, por outro, que da operação de concentração resultaria a eliminação do único operador – a Nowo – que apresenta ofertas diferenciadas e com preços mais baixos face aos restantes.
O reforço das barreiras à entrada decorrentes da operação, designadamente pela concentração de espectro na Vodafone – e que, consequentemente, deixaria de estar disponível para novos entrantes no mercado, no segmento móvel –, contribuiu, também, para a conclusão de que sairiam reforçadas as condições para haver uma coordenação de comportamentos entre os 3 principais operadores de mercado.
Nesse mesmo sentido, estimou-se, com recurso ao modelo econométrico da indústria desenvolvido pela AdC, que existiria um aumento dos incentivos à coordenação, já de si positivos no equilíbrio pré-concentração, decorrente da operação de concentração.

No mesmo documento, a AdC faz a sua conclusão da avaliação: 

Tendo em conta o supra exposto, a AdC concluiu que a operação de concentração em causa é suscetível de criar entraves significativos à concorrência efetiva nos diversos mercados de telecomunicações, resultando da mesma impactos unilaterais e coordenados conducentes a aumentos significativos de preços, reforço do poder de mercado, reforço das barreiras à entrada e reforço das condições de equilíbrio cooperativo da indústria.

Leia os argumentos apresentados pela ANACOM na íntegra:

. Eventuais aumentos de preços da Vodafone e, adicionalmente, aumentos de preços específicos para os clientes da Nowo.

A Nowo é atualmente o prestador que oferece os preços mais reduzidos num conjunto significativo de serviços e ofertas, fixos e móveis. Tendo em conta que os preços praticados pela Vodafone são, em muitos casos, superiores aos praticados pela Nowo, esta operação poderá resultar em aumentos de preços da Vodafone e também para os clientes da Nowo (após o respetivo período de fidelização contratualmente definido). No caso dos clientes da Vodafone, nas zonas onde a Nowo está presente, os mesmos deixariam de ter como alternativa um operador com preços mais baixos, o que resultaria na diminuição da pressão concorrencial e, como tal, poderia originar um aumento de preços. No que respeita aos clientes da Nowo, caso estes pretendessem mudar de operador na sequência de um aumento de preço, não existiria uma alternativa que oferecesse preços semelhantes aos que atualmente a Nowo pratica.

. Aumento da concentração no mercado nacional e em alguns mercados geográficos infranacionais.

Caso se considere que os mercados relevantes têm uma abrangência geográfica nacional, verifica-se que a operação de concentração resulta num reduzido acréscimo das quotas de acesso da Vodafone, atingindo este operador uma quota máxima de 31,8%, que não ultrapassa o limiar de 40% a partir do qual poderia existir uma posição dominante.

No entanto, em nove concelhos do país a concentração vai aumentar e a quota de mercado da Vodafone ultrapassará os 40%. Muito embora este efeito seja mitigado pelo facto de os principais concorrentes da Vodafone e da Nowo disporem de elevadas coberturas nesses concelhos, o mesmo deve ser objeto de investigação pela AdC, designadamente se existir suficiente evidência quanto à transferência de clientes da Vodafone para a Nowo num cenário de aumento de preços da primeira.

. Redução da concorrência e da rivalidade nos mercados retalhistas dos serviços de comunicações eletrónicas fixas e móveis, já hoje.

Num mercado caracterizado por elevadas barreiras à entrada, elevada concentração, homogeneidade em termos de ofertas, reduzida diferenciação tarifária, períodos de fidelização que criam obstáculos relevantes à mudança de operador e preços elevados, a eliminação de um concorrente com preços competitivos, a Nowo, reforça uma estrutura de mercado simétrica. Tal poderá potenciar riscos de um equilíbrio entre operadores com um nível de concorrência inferior ao que poderia ser já hoje.

. Redução da concorrência potencial nos mercados retalhistas dos serviços de comunicações eletrónicas fixas e móveis.

A Nowo já oferece serviços em pacote convergentes, incluindo serviços móveis e, na sequência do Leilão de 2021, teve acesso a recursos que poderiam permitir um reforço da oferta de serviços móveis, quer em regime stand alone, quer integrados em pacotes de serviços em condições mais atrativas e chegar a um universo de clientes mais alargado. Nestas circunstâncias, a Nowo poderia promover um equilíbrio competitivo reforçado neste mercado não só a nível dos preços e da inovação, como também de aumentar o grau de heterogeneidade das ofertas, e da sua aproximação às preferências dos utilizadores. Neste contexto, a operação de concentração representa a eliminação de uma ameaça potencial a uma estrutura de mercado que apresenta riscos relevantes de permanecer num equilíbrio estável com menor concorrência do que aquela que poderia existir se a Nowo permanecesse no mercado como entidade autónoma.

A Nowo dispõe de capacidade instalada significativa, atingindo a sua cobertura valores superiores a 15% a nível nacional, existindo mesmo algumas áreas que tem uma cobertura superior à da Vodafone. Desta forma, em termos de concorrência potencial, o efeito da presente operação sobre a dinâmica concorrencial nestes mercados é superior ao efeito que a análise das quotas de mercado indicia.

. Redução da eficácia das medidas de promoção da concorrência que a ANACOM introduziu no Leilão 2021, com impacto também em futuros leilões

Com a aquisição da Cabonitel, a Vodafone passaria a ter controlo sobre espectro, detido pela Nowo, que a ANACOM não lhe permitiu licitar no Leilão de 2021. Adicionalmente, teria obrigações de desenvolvimento de rede menos exigentes do que aquelas que teria tido se tivesse obtido parte desse espectro no Leilão de 2021. Tal desvirtua os objetivos e medidas que a ANACOM introduziu no Leilão de 2021. Adicionalmente, a aprovação da operação de concentração, tal como foi notificada, poderia também pôr em risco a credibilidade das regras que venham a ser definidas em futuros leilões, distorcendo ainda as decisões das empresas nesses mesmos leilões.

. Possibilidade de encerramento de fatores de produção.

A aquisição de controlo sobre espectro que a Vodafone não podia ter adquirido no Leilão de 2021 pode negar espectro a novas operações, ou operações distintas das dos principais operadores, impedindo ou diminuindo o desenvolvimento da concorrência no mercado de comunicações móveis em Portugal pela criação de limites ao surgimento e/ou crescimento de concorrentes.

Tal efeito é verosímil na medida em que a evidência de que a ANACOM dispõe aponta no sentido de o valor intrínseco do espectro em causa, pela Vodafone, ser significativamente inferior ao valor estratégico que poderá decorrer por se negar acesso ao input espectro a um ou mais operadores com os quais concorra  nos mercados a jusante, permitindo-lhe, por exemplo, praticar preços mais elevados, ou investir e inovar menos, em ambos os casos podendo obter lucros económicos mais elevados, em prejuízo dos utilizadores.

. Possibilidade de encerramento de clientes.

Os atuais clientes da Nowo poderiam ser particularmente relevantes para favorecer uma entrada, ou expansão, com sucesso no mercado português. Nessa medida, não é excluída a hipótese de que a concentração em causa, na medida em que nega esses clientes a um novo entrante ou a uma operação distinta da dos operadores históricos, possa conduzir àquilo que se designa como um encerramento de clientes.