A pandemia de COVID-19 tem levado a um crescente aumento de aplicações e ferramentas criadas para travar a doença através da recolha de dados dos utilizadores. Face a esta nova realidade, a Comissão Europeia (CE) divulgou esta quarta-feira um conjunto de recomendações para definir de que forma os dados digitais podem ser utilizados para “combater e sair da crise da COVID-19”. O objetivo é a criação de uma "caixa de ferramentas europeia" que deverá estar pronta a 15 de abril.

Nas últimas semanas vários países têm recorrido aos dados de localização dos utilizadores através dos smartphones para controlar a COVID-19, também fora da Europa. Os Estados Unidos da América, por exemplo, estão a rastrear os telemóveis dos cidadãos para controlar como se movem e espalham o novo Coronavírus durante a pandemia. A própria CE anunciou no final de março um projeto através do qual iria pedir a várias operadoras europeias dados de geolocalização dos utilizadores, garantindo que, para proteger a privacidade dos cidadãos, os dados serão agregados e anónimos.

Em Portugal, e através do movimento português tech4COVID19, foi desenvolvida a plataforma Covidografia, que faz a autoavaliação sintomática do COVID-19 na população. A tecnologia constrói uma fotografia, anónima e confidencial, dos sintomas e da evolução do COVID-19 na população portuguesa, permitindo fazer um rastreamento anónimo das redes de contágio no país.

É preciso ter atenção com os direitos e liberdades dos cidadãos, alerta a CE

“As tecnologias e dados digitais desempenham um papel valioso no combate da crise da COVID-19, visto que muitas pessoas na Europa estão ligadas à Internet através de dispositivos móveis”, pode ler-se na recomendação da CE. “Contudo, uma abordagem fragmentada e descoordenada corre o risco de restringir a eficácia das medidas, além de causar sérios danos ao mercado único e aos direitos e liberdades fundamentais”, avisa.

Neste sentido, a CE considerou fundamental desenvolver uma abordagem comum no que diz respeito à utilização das tecnologias e dos dados na resposta à crise. Essa deverá ser eficaz em apoiar as autoridades nacionais, em particular as autoridades de saúde e os governantes.

Operadoras europeias vão disponibilizar dados de geolocalização a Bruxelas para travar a COVID-19
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Para isso, deverá disponibilizar dados suficientes para compreender melhor a evolução da COVID-19 e o seu impacto. Por outro lado, estas tecnologias podem também dar um maior poder aos cidadãos no que toca às medidas de isolamento social, tornando-as mais eficazes.

Como objetivo, a iniciativa da CE pretende também proteger os direitos e liberdades fundamentais dos europeus, sobretudo aqueles referentes à privacidade e a proteção de dados pessoais, numa altura em que o Regulamento Geral da Proteção de Dados celebra quase dois anos de entrada em vigor na Europa.

“A Europa é mais forte quando age de forma unida”, frisou em comunicado Thierry Bretton, comissário europeu responsável pela pasta do Mercado Interno. “Com as recomendações adotamos uma abordagem coordenada europeia para o uso destas aplicações e dados sem comprometer nossas regras de privacidade e protecção de dados da União Europeia, evitando a fragmentação do mercado interno”, garante.

O que dizem os especialistas sobre a utilização de dados em plena pandemia?

A utilização de dados para o combate da COVID-19 tem levado a alguma polémica a nível mundial. São mais de 100 as organizações de direitos humanos, direitos digitais e liberdades cívicas que assinaram uma declaração conjunta onde defendem que a pandemia da COVID-19 não deve ser usada como desculpa para alargar a vigilância digital.

Mais de 100 organizações estão preocupadas com excessos da vigilância digital durante a pandemia de COVID-19
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"Um aumento dos poderes de vigilância digital estatais, tais como obter acesso aos dados de localização dos telemóveis, ameaça a privacidade, a liberdade de expressão e a liberdade de associação de formas que podem violar direitos e degradar a confiança nas autoridades públicas - prejudicando a eficácia de qualquer resposta em matéria de saúde pública", refere o documento que também foi assinado pela portuguesa  D3 - Defesa dos Direitos Digitais, entre outras organizações como a Access Now, a Amnistia Internacional, a Human Rights Watch, a Privacy Internacional, a EDRi - European Digital RIghts.

Em Portugal o presidente da D3 - Defesa dos Direitos Digitais, afirma que a pandemia da COVID-19 "tem deixado a nu graves falhas na infraestrutura tecnológica do Estado, a ponto de colocar em causa a nossa soberania tecnológica", mas avisa que "o perigo mais imediato para os direitos humanos está em eventuais cedências a visões mais securitárias que, sob a pretensa do combate à epidemia, levem à implementação de sistemas invasivos de vigilância da população, sem consideração pelos direitos humanos", explica Eduardo Santos.