Por Paulo Fonseca (*)

Um inquérito recente, promovido pela Comissão Europeia, demonstrou que 33% dos consumidores declararam passar demasiado tempo ou gastar demasiado dinheiro em determinados websites e aplicações, sendo que 31% referiram que essa dependência digital se deveu a funcionalidades específicas, como a reprodução automática de vídeos, a obtenção de recompensas pela utilização contínua ou o receio de penalizações por inatividade. Mais grave são os resultados do recente Inquérito Nacional sobre Comportamentos Aditivos Online dos Jovens: 60% dos portugueses entre os 15 e os 24 anos usa, em média, a Internet durante quatro horas ou mais por dia.

Isto não é apenas um consumo diário excessivo de internet. Trata-se de dependência. E como em qualquer dependência, é preciso avaliar, planear, agir e resolver. No entanto, os comportamentos aditivos digitais não são ainda formalmente considerados como um distúrbio comportamental e nem tão pouco um diagnóstico reconhecido na maioria dos diagnósticos clínicos.

É impossível continuar a ignorar este problema e sobretudo justificá-lo com a má gestão individual do tempo ou uma insuficiente literacia digital. O ambiente em linha não vicia por mero acaso. Muitas das plataformas que dominam o nosso dia-a-dia, desde redes sociais a lojas de apps – são intencionalmente desenhadas para provocar este efeito. E pior que isso – permite-se que as empresas tecnológicas explorem as nossas vulnerabilidades como uma forma de rentabilidade, sobretudo no que respeita aos mais novos. As cores, os sons, os algoritmos, as notificações, o autoplay, o scroll infinito, as recomendações e os filtros não estão ali só para entreter. Estão ali sobretudo para reter.

E retêm. Retêm a nossa atenção, os nossos dados e a nossa autonomia. Premeiam-nos com maior ansiedade, baixa autoestima, pressão social e exaustão. Os resultados dos vários inquéritos são inequívocos: a dependência digital deve ser encarada como um problema de saúde pública e é fundamental que as empresas assumam a sua responsabilidade, sobretudo aquelas que violam constantemente os direitos dos menores através de modelos de negócio que recorrem a interfaces manipuladores. Estamos cada vez mais perante um ecossistema orientado para a manipulação emocional e para a dependência, com implicações sérias no desenvolvimento infantil e juvenil.

Já existe legislação, sobretudo a nível europeu, mas cremos que não aborda o problema de frente. O Regulamento dos Serviços Digitais exige, efetivamente, que os fornecedores de plataformas em linha, acessíveis a menores, adotem as medidas adequadas e proporcionadas para assegurar um nível elevado de privacidade, proteção e segurança, mas são regras sujeitas a interpretações vagas e as recentes linhas orientadoras propostas pela Comissão Europeia, apesar da sua boa intenção, parecem confiar cegamente na capacidade de autorregulação das plataformas, o que é um erro. Paralelamente, o sistema de fiscalização é complexo, moroso e pouco consistente no panorama europeu.

A DECO tem cumprido o seu papel. Para além de ter contribuído com inúmeras denúncias de plataformas que lesam os direitos dos consumidores e, em particular, dos menores, tem alertado os sucessivos Governos para esta problemática. No terreno, com uma rede de mais de 3500 escolas, continuamos a privilegiar a literacia digital – em 2024 capacitámos mais de 28.000 alunos nos diferentes níveis de ensino para este problema. Mas é preciso mais!

Sem prejuízo dos esforços que todos fazemos, a verdade é que estamos a falhar aos jovens enquanto sociedade, sobretudo quando deixamos que empresas com milhões de utilizadores desenhem sistemas pensados para criar hábito, pulverizar conteúdos ilegais ou até mesmo para explorar as nossas emoções e fraquezas. Por isso, é importante que as autoridades estejam munidas dos recursos humanos e técnicos necessários para combater práticas digitais que gerem dependência e que a legislação seja mais clara e ambiciosa, sobretudo na garantia de que, a geolocalização, os cookies, as opções de partilha, as notificações push e as recomendações baseadas em práticas de engagement estejam desativados por defeito. Da mesma forma, a pegada digital dos menores deve ser salvaguardada, proibindo-se, por exemplo, o uso dos seus dados para treino dos sistemas de inteligência artificial.

Acima de tudo, deve ser criada uma lista aberta de práticas e funcionalidades proibidas por gerarem comportamentos aditivos. Não há qualquer justificação para que um adolescente necessite de abrir 5 menus para desligar as notificações, ou que tenha de aceitar que o seu perfil seja público por defeito.

Enquanto isto não suceder, não basta recomendar menos tempo de ecrã, culpar os pais ou promover o “uso responsável” nas escolas. Um ambiente em que o consumidor é manipulado e estimulado a ser dependente, não é liberdade. É exploração. Se Portugal e a Europa querem continuar a ser uma referência em direitos digitais têm de classificar o comportamento digital aditivo como um caso de saúde pública e responsabilizar os responsáveis. Não fazer nada, neste caso, não é autorregulação. É cumplicidade.

(*) Assessor Estratégico e de Relações Institucionais da DECO