Depois de conhecermos a posição dos partidos PS, Chega e Iniciativa Liberal, assim como a opinião de algumas das organizações mais populares em Portugal, o SAPO TEK procurou também perceber a posição das editoras que são as responsáveis por produzir os videojogos e criam as condições para se realizarem os torneios, nomeadamente o suporte online ou as ferramentas de LAN. Falámos com Tiago Sousa, diretor geral da Associação de Empresas Produtoras e Distribuidoras de Videojogos (AEPDV) e com Rui Jesus, presidente da assembleia geral do OGE: Observatório do Gaming e dos eSports.
Tiago Sousa diz que o debate no parlamento foi uma tentativa de auscultar o sector, mas aponta que foi um diálogo unilateral e com muitos interesses nas respetivas agendas. Considera que deve existir uma harmonização a nível europeu, pois trata-se de um assunto que afeta todos os países da Europa. Refere que muitos discursos que ouviu no Parlamento se aproveitaram da ignorância de algumas partes e considera que nem todas as narrativas podem ser consideradas como sérias.
Na posição oficial da AEPDV, que alinha a sua agenda à associação Video Games Europe (VGE), que representa 19 empresas europeias e internacionais de videojogos e 13 associações comerciais nacionais em toda a Europa (que inclui Portugal), os eSports são competições com videojogos e não devem ser considerados um desporto. A associação defende que funcionam de formas muito diferentes e que a única característica semelhante é a existência de torneios, prémios, equipas concorrentes e jogadores individuais.
Sem videojogos não existiam os eSports
Considerando o desporto tradicional e os eSports serem sectores muito diferentes, aponta a resolução de novembro de 2022 do Parlamento Europeu, onde é referido que “os videojogos utilizados para jogos competitivos ou eSports são jogados num ambiente digital e pertencem a entidades privadas que gozam de controlo legal total e de todos os direitos exclusivos e irrestritos sobre os próprios videojogos”.
Para Tiago Sousa, se não houvessem videojogos, não haveriam eSports, mas se não houver desportos eletrónicos, os videojogos continuam a existir. Considera ainda um pouco vago as questões mencionadas sobre o potencial dos eventos realizados em Portugal como destino turístico. Mas na sua perspectiva, os eSports em Portugal mexem muito pouco com a economia e considera alguma “piada” ao tentar regular-se um sector que no país deve albergar cerca de 100 pessoas profissionais. “A população que isto pode abranger nem enche um Amoreiras”.
O responsável da associação de produtores aponta que seria melhor o regulador apontar ao sector dos videojogos em geral e não apenas aos eSports. Mas defende que existe uma grande fragmentação dos eSports a nível nacional, assim como os videojogos, que são legislados por diversas peças de lei, como as leis do consumidor, da concorrência, os impostos associados, a proteção dos menores, a proteção dos dados, etc. “Pensar que os eSports são uma área completamente cinzenta em termos legislativos é algo completamente desinformado.
Tiago Sousa defende que devem ser melhoradas as condições para facilitar os vistos e as condições melhores no geral para os atletas, aplaudindo a ideia. Mas a procura do melhor enquadramento europeu e a decisão da vertente dos desportos eletrónicos deve ser encarado com cuidado, caso contrário vai levar ao afastamento das editoras, que são os “donos da bola”. E tal como se disse na altura ao Comité Olímpico, os videojogos têm propriedade intelectual detida pelas editoras. Para tal, devem criar videojogos de raiz para os desportos eletrónicos, nunca se podem ignorar as editoras que investiram na criação das propriedades intelectuais.
A AEPDV lembra que existe também um risco de fragmentação jurídica, pois nenhum país da União Europeia reconheceu os eSports como desporto. E afirma que qualquer país que regule os eSports como desporto provavelmente perderá as próximas oportunidades de investimento externo.
Embora aprecie o reconhecimento dos eSports como forma legítima de entretenimento competitivo, a associação acredita que a fusão dos videojogos e do desporto pode criar confusão. E dá o exemplo de classificar os eSports como desporto possam levar à perceção de que jogar videojogos e praticar a atividade física são comparáveis, o que não considera ser verdade. A fusão dos dois pode ser prejudicial na comunicação aos consumidores sobre o estilo de vida equilibrado e o incentivo à atividade física.
Incerteza do que se quer para o país
O presidente da assembleia geral do OGE: Observatório do Gaming e dos eSports e também da associação de eSports FEPODEL, Rui Jesus, refere que no debate ficou a sensação que o Parlamento está a tentar perceber o que se quer para o país. Afirma que existe muita fragmentação dos eSports, não apenas em Portugal, mas no resto do mundo. O panorama dos eSports na África, na Ásia, na América ou na Europa é diferente. “Se vemos que o gaming ainda está a evoluir para os eSports no mundo, os nossos políticos têm legitimidade de perguntar para onde vamos”.
O melhor caminho ainda é uma grande indecisão na visão de cada partido, diz Rui Jesus e isso foi também o motivo da Comissão Europeia ter recomendo a criação do Observatório dos eSports. Mas não existem publicamente dados em Portugal para saber quem é o jogador, quem joga, quando joga. “Não existem esses dados reais, esses estão na posse das empresas que fazem os seus estudos para os seus videojogos, mas que não são partilhados para o país e por isso não há dados públicos”.
Por isso, para Rui Jesus, o importante é fazer um levantamento desses dados, perceber quantas equipas existem no país, quantos jogadores integrados nas equipas, quantos jogadores casuais que só jogam online. “Ninguém sabe isso e, portanto, é impossível decidir bem sem isso”, destacando o papel que o OGE pretende ter, de agregar a informação.
A questão de as leis arranjarem melhores condições para os atletas, para Rui Jesus, isso é uma questão do mediático. “Fala-se em ajudar a indústria, mas qual indústria? Não estamos a fazer de produção de jogos, estamos a falar de eSports, uma indústria que ninguém conhece. Essas organizações são empresas? Têm contratos? O que é isso dos jogadores? Anda muita gente a falar sem ter noção, porque não existe informação fiável sobre os eSports em Portugal”.
Para Rui Jesus, que também é jurista, o que é preciso é um retrato real, o mais rapidamente possível, feito pelo Observatório, “porque não existe mais ninguém”. Só depois de reunidos esses dados se pode decidir o que se vai fazer. Quando se fala nos atletas, para Rui Jesus tem de se falar de algo estável, não havendo atualmente um cenário consolidado. Respondendo às queixas das organizações que não conseguem registar jogadores pela falta de enquadramento legislativo, Rui Jesus aponta que também “essas organizações não estão sujeitas a nenhuma lei”.
“Todas as coisas têm de ter regras e os eSports não têm”. Em Portugal surgiu um projeto-lei, os partidos estão a despertar e neste momento existe uma balança com dois pratos: de um lado a opção desportiva e do outro lado a opção económica. “Estamos aqui num evento internacional de eSports [ESI Lisbon], mas se perguntar, vai ver que todos estão, como se costuma dizer, à nora”.
Ainda assim, acredita que o Estado começou a lidar com a situação da melhor forma, nomeadamente a parte educação e a formação dos jovens. Diz que os jogadores que se assumem como “profissionais” deveriam apresentar-se como “semiprofissionais”, porque não existe essa profissão, não há carreira em Portugal. Ou seja, não se pode chamar profissional a um jogador quando não existe uma coleta direta da sua atividade, porque também não é reconhecida a profissão em Portugal, caem na categoria “geral”. E com isso, defende que “não se pode pedir ajuda para algo que não está definido, não tem regras e que não se sabe se tem estrutura e consolidação para estar aqui daqui a três anos”.
Na sua conclusão, sente que está a haver um afastamento do reconhecimento dos eSports como um desporto. Pelos dados existentes, diz que ao legislar isto será feito pelo lado da economia, indústria, não tanto pelo desporto. E pela proteção do consumidor jovem e com a doença da adição dos videojogos, finaliza o responsável pelo Observador de eSports.
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