Entre os dias 14 e 16 de agosto, pela primeira vez desde que há registos meteorológicos, choveu na região central alta do manto de gelo da Gronelândia, um lugar onde está sempre tanto frio que a precipitação só acontece na forma sólida de neve. Ou acontecia.

Este manto, que ocupa cerca de 80% da área da ilha, é a segunda maior massa de gelo do mundo, apenas atrás do continente da Antártida. O seu ponto mais elevado fica a mais de 3.200 metros de altitude e, em pouco mais de 30 anos, só tinha registado temperaturas positivas três vezes antes de 2021: em 1995, 2012 e 2019.

O extraordinário evento foi seguido pelo derretimento da neve e do gelo na superfície, mas parece que a culpa do sucedido não ficou verdadeiramente a dever-se à chuva, segundo defende agora uma equipa de investigadores do Departamento de Glaciologia e Clima do Serviço Geológico da Dinamarca e da Gronelândia (GEUS), em colaboração com colegas da França e da Suíça.

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Analisando os dados detalhados de todos as estações meteorolóficas colocadas ao longo do manto de gelo, juntamente com medições de refletividade da superfície - o chamado albedo - feitas pelo satélite Copernicus Sentinel-3 e informações sobre os padrões de circulação atmosférica, os investigadores descobriram que a chuva foi precedida de uma onda de calor numa época do ano em que o degelo sazonal costuma desacelerar.

No artigo científico aceite na publicação Geophysical Research Letters, os investigadores explicam que rios atmosféricos excecionalmente quentes varreram a Gronelândia no final dos meses de verão, trazendo condições acentuadas de degelo quando tal época deveria estar a chegar ao fim, cita a ESA.

“O aumento súbito do derretimento do gelo na superfície da Gronelândia poderia ter acontecido sem que nenhuma chuva tocasse o solo”, garante Jason Box, principal autor do artigo.

Os investigadores atribuem a culpa ao próprio calor, que derreteu e removeu completamente a neve da superfície, alterando assim o chamado albedo da superfície - grego para “brancura” - o que fez com que a neve e o gelo absorvessem mais raios de sol.

Entre 19 e 20 de agosto de 2021, o derretimento terá feito com que a linha de neve da camada de gelo perto de Kangerlussuaq recuasse 788 metros em altitude, expondo uma ampla área de gelo escuro profundo. Em circunstâncias normais, a neve cobriria e isolaria esse gelo, mas como a neve derreteu de repente expôs o gelo ao calor, causando ainda mais derretimento.

Embora a chuva tenha sido uma surpresa e um marco na história do clima, os cientistas sabiam que tal aconteceria mais cedo ou mais tarde, dado o aumento das temperaturas no Ártico. Aconselham por isso à investigação aprofundada do funcionamento dos rios atmosféricos e não apenas das chuvas, concluindo que entender a frequência das ondas de calor parece ser mais importante do que a precipitação líquida que as ondas de calor podem ou não produzir.