O relatório da Amnistia Internacional foi divulgado esta terça feira e diz que a Noruega, o Bahrein e o Kuwait têm as apps mais invasivas, mas França também está na lista negra. A análise foi feita pelo laboratório de segurança a aplicações da Europa, Médio Oriente e norte de África, com testes técnicos detalhados a 11 aplicações, e o resultado mostra os riscos que a adoção destas soluções implicam quando as opções dos governos não são seguras.

E em Portugal, a app STAYAWAY COVID, que está a ser desenvolvida pelo INESC TEC e que deverá ser lançada ainda este mês, será segura? Paulo Fontes, diretor de Comunicação e Campanhas da Amnistia Internacional Portugal, explicou ao SAPO TEK que esta app não foi incluída na análise do laboratório e que "está no grupo das app que não representam uma ameaça tão grande para a privacidade", mas admite que "levanta algumas questões que gostaríamos de ver respondidas".

A Amnistia Internacional tem focado cada vez mais a dimensão dos direitos humanos no mundo digital, que hoje é indissociável de qualquer tema. Nos últimos meses várias análises sobre questões de privacidade online, redes sociais e plataformas têm sido feitas no âmbito dos discursos de ódio e racista, ou a forma como as mulheres negras e hispânicas são tratadas no Twitter, mas a organização tem recorrido também a crowdsourcing para identificar imagens de satélites de zonas bombardeadas, que se revelou muito útil para os ataques na Síria.

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A utilização de aplicações de rastreamento de contactos para combater a disseminação da pandemia da COVID-19 mereceu também uma atenção especial, embora a organização não coloque, à partida uma oposição à sua utilização, desde que não tragam ameaças à segurança e privacidade, e que sejam associadas a uma eficácia de resultados, não gerando falsa segurança por parte dos utilizadores ou ansiedade desnecessária com falsos positivos.

Estes são dois dos pontos que Paulo Fontes destacou na entrevista ao SAPO TEK. "Globalmente não retiramos utilidade e interesse. Têm de ser usadas para melhorar a vida das pessoas. [As apps] são mecanismos para utilização do rastreamento de contactos e e devem funcionar com eficácia", refere. A transparência, informação clara e mecanismos de esclarecimento são também pontos destacados.
Com a informação que está disponível sobre a app STAYAWAY COVID, a Amnistia Internacional Portugal admite que o nível de preocupação é mais reduzido do que aquele que existe em relação a aplicações que centralizam a informação. O facto de se recorrer às APIs da Google e Apple é apontado como um fator positivo, por ser um modelo menos invasivo, não guardando os dados centralmente, mas nos telemóveis das pessoas, e também pela opção de manter os dados guardados apenas por 14 a 21 dias, embora não sendo claro esse tempo e como é feita a eliminação da informação. "Nas FAQs indica-se também que é improvável mas possível ser identificada [a pessoa]", refere Paulo Fontes dizendo que seria melhor dar exemplos.

Novos modos de exclusão digital?

O modelo de eficácia é também uma preocupação, especialmente quando se refere que a app só será eficaz se for usada por mais de 60% da população, referindo um documento académico que sustenta a afirmação e que só está disponível em inglês, pelo que dificilmente será entendido por todas as pessoas.
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E este pode ser também um fator de exclusão digital. "Só 73% das pessoas têm smartphones", lembra Paulo Fontes, sublinhando que esta pode ser mais uma forma de discriminação das comunidades mais frágeis. "Aumenta o fosso digital", refere, indicando ainda que é necessária a ligação a dados ou à internet, que muitas pessoas não têm.

O responsável da Aministia Internacional Portugal destaca ainda a importância de uma avaliação de impacto que o SAPO TEK sabe que já foi entregue à CNPD. "É importante ter a validação de um organismo independente do developer da aplicação e que seja tornado público", defende.
Sobre a possibilidade de existirem falsos positivos, que levem a alerta de utilizadores que tenham estado próximos de pessoas que são identificadas como positivas à COVID-19, Paulo Fontes diz que é preciso não causar falsas expectativas e ansiedade, ou usar dados pessoais sem necessidade. Por isso defende que "se a aplicação não trouxer uma mais valia não faz sentido".
O diretor de Comunicação e Campanhas da Amnistia Internacional Portugal lembra que estas aplicações que têm o patrocínio de entidades públicas têm mais responsabilidade e devem ser escrutinadas. "É preciso responsabilizar as grandes empresas porque têm o poder de fazer a mudança", afirma.
Recorde-se que a app STAYAWAY COVID está a ser desenvolvida e o SAPO TEK sabe que os testes já estão em curso. Os responsáveis do INESC TEC confirmaram já que a avaliação de risco foi entregue à CNPD e que espera "resposta dentro de uma semana". "Os testes continuam a ser feitos, tanto à app como aos servidores de suporte", adiantou fonte da organização.