Por Pedro Afonso (*)

A Transformação Digital dita hoje a evolução de toda a sociedade. Qualquer empresa, seja qual for o seu setor, que se queira competitiva, tem de assumir o digital como parte integrante da sua existência, daquilo que quer ser no futuro próximo. Só 12% das empresas na lista Fortune 500 há pouco mais de 50 anos permanece nesta lista atualmente. E nessa altura, o número médio de anos que uma empresa permanecia nessa lista era de aproximadamente 75 anos. Hoje, permanece 15 anos na Fortune 500. E a tendência é diminuir.

Estamos na era do Darwinismo Digital. A mudança vai acontecer, quer porque escolhemos fazê-la quer porque somos obrigados a fazê-la. Abraçar a mudança é a única escolha possível se queremos assegurar a sobrevivência. Já para assegurar a sustentabilidade no médio, longo prazo, não basta o simples acto de mudar. É necessário passar à ação suportando cada decisão no propósito e nos valores da organização - aquelas características de uma determinada pessoa ou organização, que determinam a forma como se comporta e interage com outros e com o seu ecossistema. E é preciso fazê-lo com Coragem: um dos valores críticos necessários para ser consequente. Ter a coragem de questionar, transformar, agir e comunicar.

Questionar: a nós próprios e questionar as nossas certezas.

No processo da Transformação Digital de uma organização, transformamos a forma como agimos e até como pensamos. Questionar quais os Valores da organização nas decisões a tomar, simboliza a ambição de que a organização se quer transformar dentro da sua identidade, dentro do seu propósito. Devemos questionar o que temos para oferecer, mas devemos enquadrar com o propósito da organização. Transformar digitalmente um ecossistema (empresa, organismo, país) é sinónimo da nossa evolução. Nossa, enquanto organização, enquanto líderes e sobretudo, enquanto sociedade. Para competir, uma empresa tem que sair do armário do linear e digitalizar-se. Ter um novo olhar para o negócio será parte integrante da sua existência, daquilo que quer ser, ou coloca em causa a sua existência… tantos exemplos que se poderiam enumerar! Ainda que pareça um pouco dramático, é essa adaptação contínua que vai assegurar a sobrevivência. Sem que seja uma sobrevivência a qualquer preço. É urgente liderar e decidir com uma visão a longo prazo. É certo que a necessidade de entregar negócio, de garantir resultados e retornos para os acionistas, é comum a qualquer prazo. Mas há opções que, parecendo certas hoje, ditam a derrocada final amanhã. É preciso identificar as nossas certezas, os nossos absolutos… e questionar. Ter a coragem de nos questionarmos verdadeiramente e alinharmos as decisões, pelos mesmos valores. Aqueles Valores que significam a identidade da organização.

Transformar: a nós próprios, e ao nosso negócio.

Há uma empresa que liderava o setor da fotografia – e que de repente desapareceu. Inventou a fotografia digital, e desapareceu por causa da fotografia digital. Infelizmente, a Kodak falhou o compasso da história. Falhou por receio de competir com o negócio do presente, falhou porque decidiu deixar na gaveta essa inovação, até que um dia, outros, inovaram e avançaram na sua vez.
A Kodak olhou apenas os seus resultados de curto prazo. Limitou-se a contemplar o presente. Tão bons que foram os seus últimos exercícios de financeiros. Faliu! Faltou-lhe coragem para fazer a transformação necessária. A busca do resultado pelo resultado deixou para trás a sua história. Deixou de se rever e decidir de acordo com os valores que a tornaram num dos gigantes mundiais. Os seus decisores tiveram Medo de apostar e de encarar o futuro como um desafio, promovendo a fotografia digital. Procuraram antes assegurar o resultado garantido de curto prazo e manter o status quo. Decidiram com Medo, o mesmo de sempre: a mesma abordagem ao cliente, o mesmo produto. Este foi um final menos feliz. Ganhou o Valor Medo!

Agir: saber quando refletir, e quando agir.

Na Lego, o final da sua história foi bem diferente. Agiu e refletiu para voltar a decidir. Ainda assim, o processo de metamorfose foi também doloroso. Conhecida e reconhecida mundialmente pelos seus jogos tradicionais de construção, sofreu fortemente o impacto do digital. “Playstations”, “Nintendos”, e outras distrações de jogos digitais abanaram fortemente a estrutura core do negócio - os resultados caíram acentuadamente. Numa primeira abordagem agiu. Agiu com a receita tradicional das consultoras de gestão, os cortes nos custos por todas as formas e feitios: redução de pessoal, externalização da produção para a Ásia, e outras. Dois anos depois, os resultados mostraram o reforço da tendência de quebra, e a quota de mercado reduziu ainda mais. Numa segunda abordagem, refletiu. Uma paragem que a fez olhar para dentro - olhar para si e ver quais os seus valores intrínsecos, os mesmos que a tinham transformado na marca de eleição, um pouco por todo o mundo - permitiu-lhe renascer. Essa autoanálise mostrou os valores fundamentais da marca: a qualidade, o sentido de família, de comunidade. Ao comprar uma peça de lego em qualquer parte do mundo tínhamos a garantia que assentava perfeitamente no sistema lego. E Brincar com Lego, significava um momento em família de diversão e aprendizagem. E foi este o epicentro da reinvenção da Lego. Mantendo os seus Valores originais.
Hoje, a Lego continua a ser a Lego com que todos brincámos em miúdos ou graúdos, com a mesma qualidade que nos garante que uma peça comprada em qualquer parte do mundo encaixa na perfeição nas outras peças que temos em casa. E que podemos brincar com os nossos filhos! E o caminho para o Digital, com a associação a outras grandes marcas, que entretanto surgiram no mercado, permitiu-lhe oferecer jogos interativos que acompanham a evolução dos interesses de hoje: Lego Star Wars, Lego Ninjago, e outros. Motivos de interesse dos jovens e da família. E os resultados estão à vista. A Lego teve a coragem para se transformar, assumindo, na ação, manter os seus Valores fundamentais.

Comunicar: promover relações entre pessoas, ideias e negócios… com impacto.

A transformação digital é um risco e um desafio. Um risco tanto maior para quem se preocupar apenas com os resultados no curto prazo ou com o resultado pelo resultado. Mas é um desafio aliciante, uma oportunidade, para os que fazem negócio com o cuidado de respeitar a sua própria história e os seus valores intrínsecos. Não aos valores que muitas vezes são colocados nos websites sem correspondência real aos valores praticados no dia-a-dia da empresa. E sobretudo no interface com os clientes. Todos os dias. Cada colaborador tem a responsabilidade de alinhar permanentemente os seus valores com os da empresa. E se não sabe, deve perguntar. É também por isso que existe (ou deve existir) liderança numa organização. Mais uma vez com coragem, comunicar em conformidade com aqueles que são os valores: os nossos, os da nossa empresa, e os nossos…alinhados com os da nossa empresa!

Porque a transformação digital que neste momento histórico estamos a viver e a fazer acontecer, será o impacto das ações que fizermos hoje, daqui a uma geração. E se o fizermos com base nos Valores, alinhados e refletidos, vamos construir um mundo melhor para os nossos filhos!

E, se não o fizermos pelos nossos clientes, se não o fizermos pelos nossos acionistas, se não o fizermos pela nossa empresa, então que o façamos, apenas e só, pelos nossos filhos.

Agora podemos, por medo, tomar as decisões de sempre!

Ou, com coragem, tomar decisões com impacto para sempre!

Questionem, Transformem, Ajam e Comuniquem.

Façam tecnologia com Coragem!

(*) CEO da AXIANS PORTUGAL

Nota da Redação: Foram corrigidas pequenas gralhas.