Por Luís Carvalho (*)
A Web 1.0 começou por ligar, nos anos noventa, a informação de vários sistemas informáticos distribuídos geograficamente, através da navegação de links, textos e imagens, primariamente usado por instituições académicas, e dada a sua génese, militares.
A Web 2.0 evoluiu gradualmente para um modelo de centralização de informação, onde atualmente um grupo de empresas “big tech” oferecem serviços ao alcance de um ecrã, de um toque. Smartphones, social, cloud são termos que entraram no vocabulário. A conveniência e vantagens percebidas de aplicações que mudaram o nosso dia-a-dia ofuscam na generalidade a dependência criada em serviços geridos por privados. Esta dependência ganha momentos de claridade na frustração da impossibilidade temporária de fazer posts quando uma rede social está em baixo, ou decide banir alguém.
Surge agora a Web 3.0, a próxima iteração baseada em tecnologia blockchain, incorporando princípios de descentralização financeira e economias baseadas em tokens. Ao contrário da Web 2.0, os princípios e tecnologia da Web 3.0 ditam que a informação e conteúdos não estão presos a nenhuma grande entidade ou sistema central, sendo a sua posse determinada de forma distribuída via blockchain. A maioria de nós terá ouvido falar do primeiro grande produto da Web 3.0, as criptomoedas - ou na versão mais curta crypto. Bitcoin, Ethereum e outros fungible tokens entraram gradualmente em conversas, primeiro em fóruns com motivação anti-sistema, alargando-se recentemente ao público geral.
Mais recentemente, novas ondas da Web 3.0 têm-se tornado mais visíveis, primeiro através de NFTs e mais recentemente o Metaverse. Os NFTs, ou non-fungible tokens, trouxeram o conceito de propriedade de itens únicos tão necessário ao conceito de individualidade, ao contrário de criptomoedas que na sua essência podem ser substituídas - qualquer instância de bitcoin tem o mesmo valor.
Entra o Metaverse
O Metaverse cria experiências diferentes e únicas que permitem aos consumidores interagirem e utilizando conceitos e produtos da Web 3.0. É no contexto de evolução da Web que são evidenciadas algumas das diferenças que o Metaverse oferece; entre outras, o cliente passa a ser um shareholders da rede, criptomoedas ganham prevalência sobre moedas fiat, registos de propriedade são distribuídos e não centralizados, selfies são substituídas por avatares.
O termo Metaverse surgiu em 1992 no livro “Snow Crash” de Neal Stephenson. Nesta obra de ficção científica é contada uma história em que as personagens usam o metaverse para fugir de uma realidade distópica. Décadas depois o termo prevalece, passando do universo da ficção literária para o universo real-digital. O Metaverse na sua essência descreve uma mudança no paradigma como interagimos com a tecnologia. Acredito que, mesmo que o termo desapareça gradualmente, a cultura e forma de estar que traz consigo irá prevalecer num formato ou noutro. Qualquer empresa que tenha intenção de entrar neste universo fará bem em ponderar isto: a mudança não é sobre a tecnologia; é sobre a cultura, percepção e princípios que suportam o movimento da Web 3.0.
Claro que há mudanças tecnológicas. Os desafios técnicos desde hardware a software são significativos, e sendo eu da área de tecnologia sinto a mente a expandir sempre que penso nestes desafios e nas possibilidades que se abrem. Mas mesmo aqui os desafios técnicos não são necessariamente novos, mas o contexto - cultura, percepção e princípios - em que a tecnologia se torna útil e interessante, traz uma palete de cores diferente ao quadro final.
Muitas empresas surgem nativas no Metaverse, outras empresas da Web 2.0 ponderam a evolução e poderão sofrer o destino das suas decisões, ou não-decisões. Outras já decidiram dar o próximo passo, sendo o caso mais publicitado o Facebook com a mudança de nome para Meta em 2021 numa afirmação evidente de aceitação do novo paradigma.
Metaverse e Luxo
Durante a pandemia evidenciou-se uma aceleração do consumo online, mais especificamente uma aceleração da aprendizagem do online. Com essa aprendizagem cresceram também as expectativas do que o online é, e a compreensão do que ainda poderia ser. O mundo virtual está a tornar-se num lugar onde os clientes estão a aprender a expressar-se criativamente e individualmente.
O Metaverse usa também princípios que ganharam expressão no mundo dos videojogos, em particular os que giram à volta de componentes de cooperação e socialização, avatares, skins e itens exclusivos. No Metaverse esses princípios ganham outra dimensão para além do jogar online, e passam a ser uma ponte entre o mundo real e o mundo virtual. No Metaverse a criatividade tem como limite apenas a imaginação de criadores e consumidores. Universos outrora intangíveis ganham vida nos ecrãs, nos capacetes de realidade virtual, e no futuro em novas formas de interactividade. Estes valores Web 3.0 de criatividade, expressão individual, poder da comunidade estão bem presentes na Gen Z, mostrando o alinhamento desta geração e o movimento do Metaverse e Web 3.0.
A Web 3.0 está a acelerar a moda de luxo. As empresas de moda estão cada vez mais a olhar para o Metaverse. Programas de loyalty, posse de arte, skins, ganham outras possibilidades via NFTs e interações 3D. O nosso avatar pode surgir em eventos exclusivos virtuais com NFTs únicos. O mesmo avatar pode cruzar-se com a nossa personagem em jogos, e com personal shoppers que nos sugerem a roupa certa para o nosso avatar, que poderá também ser a roupa certa para nós no mundo físico. A presença exclusivamente online, e a ligação entre presença online e offline são ferramentas poderosas para as marcas de luxo.
Algumas das marcas de luxo que já têm vindo a apostar na criação de bens virtuais para os avatares são a Gucci, com uma das suas lojas a comercializar uma única bolsa por mais de 4 mil dólares e a Balenciaga que lançou uma coleção de peças de roupa para as personagens do jogo Fortnite compradas com V-Bucks (a moeda virtual do Fortnite). Também a Burberry criou vários NFT’s destinadas a jogos com personagens equipados com acessórios como braçadeiras e sapatos de piscina. A coleção rapidamente esgotou por quase 400 mil dólares.
Atualmente os utilizadores da Web 3.0 e Metaverse são ainda consumidores especializados e a penetração de mercado baixa comparando com o potencial. As barreiras de entrada para outros grupos de consumidores são ainda fortes e as experiências atuais não oferecem uma transição entre Web 2.0 e Web 3.0. As empresas que consigam oferecer os serviços e experiências que possibilitem esta transição de forma simples e eficaz terão a possibilidade de desenhar colaborativamente com as comunidades o futuro do Metaverse.
(*) SVP Technology, Global Platform, FARFETCH
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