Por João Paulo Teixeira (*)

A história do nascimento do ovo e da galinha personificada no domínio da digitalização da agricultura não podia fazer mais sentido. Ainda hoje é difícil concluir se foi o setor primário que encontrou o seu espaço no mundo digital, ou se, pelo contrário, é o mundo digital que está a reinventar a agricultura. Não é claro que um ou outro cenário seja o mais correto; o certo é que milhões de pessoas já beneficiam da agricultura de precisão, incluindo agricultores, produtores e consumidores.

Segundo estimativas da Food and Agriculture Organization das Nações Unidas, os agricultores terão que, até 2050, aumentar a sua produção em 70%, para que seja possível alimentar as cerca de 9,7 mil milhões de pessoas que habitarão no nosso planeta, por essa altura. O cumprimento destes objetivos depende da otimização e eficiência das culturas, que poderá ser potenciada pela conectividade entre equipamentos e por sistemas baseados em sensores, permitindo controlar todo o processo de forma minuciosa e em tempo real, desde o planeamento até à entrega do produto ao consumidor, seja na zona de cultivo ou além-fronteiras.

Este setor, encarado muitas vezes como sendo feito de trabalho pesado e manual, é também um setor definido pelos detalhes, que na maior parte das vezes definem o sucesso ou, por outro lado, perdas avultadas e irremediáveis. Segundo o último relatório do Instituto Nacional de Estatística, em Portugal, a produção nos pomares decresceu em 15%, face aos últimos resultados, consequência da fraca diferenciação floral, ao deficiente vingamento dos frutos, à ocorrência de doenças e ao atraso na maturação dos frutos. Todas estas condicionantes são também fruto do controlo deficiente das culturas. Não quer isto dizer que há falta de cuidado, ou empenho de quem cultiva, pelo contrário. Quem se dedica à agricultura, por norma, é bastante atento e dedicado, mas acaba por sofrer as consequências do controlo pouco eficiente das culturas.

A Internet das Coisas, para além das demais aplicações nas casas, cidades, mobilidade e indústria, por exemplo, permite minimizar os estragos associados à imprevisibilidade climática, biológica ou geológica. A possibilidade de controlar as culturas e tomar medidas à distância, através de um dispositivo móvel, possibilita a otimização de processos e a utilização de recursos e gestão do território de forma mais eficiente. No fundo, a digitalização da agricultura permite um aumento da produção e qualidade, e a diminuição do risco e dos custos.

Para além da imprevisibilidade, a demanda na eficiência e na qualidade aumenta a exigência neste setor. A entrada em mercados com os produtos de referência, ou a concorrência com produtos de época fora do seu timing normal e em regiões diferentes das de onde são originários, tornam essencial o controlo de temperaturas, humidades, solos e doenças, evitando o uso excessivo de herbicidas e pesticidas. A possibilidade de controlar estes fatores, de forma detalhada e ao segundo, torna a agricultura de precisão uma área onde se regista um aumento de investimento dos grandes grupos do setor.

Este é, por isso, um cenário de win-win. Enquanto os produtores retiram das suas culturas mais dividendos, os consumidores têm a garantia de produtos de qualidade. Em Portugal, faz ainda mais sentido. A dimensão do solo arável, o clima e a vontade de investir nesta área, aliados às ferramentas de Smart Agriculture podem proporcionar não só a autossustentabilidade, como também a capacidade de exportação de um setor que já deu e pode voltar a dar muitos dividendos ao país.

(*) Smart Agriculture Business Developer da Bosch Portugal