A investigação, publicada no The Planetary Science Journal, concluiu que, embora Titã, a maior lua de Saturno, pudesse suportar vida simples e microscópica, provavelmente suportaria apenas alguns quilos de biomassa no total.

Uma equipa internacional de investigadores, coliderada por Antonin Affholder, do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da Universidade de Alberta, e Peter Higgins, do Departamento de Ciências da Terra e Planetárias da Universidade de Harvard, decidiu desenvolver um cenário realista de como seria a vida em Titã se existisse, onde é mais provável que ocorra e quanta dela pode estar presente.

"No nosso estudo, focámo-nos no que torna Titã única em comparação com outras luas geladas: o seu abundante conteúdo orgânico", destacou Affholder, investigador associado de pós-doutoramento, em comunicado citado na terça-feira pela agência Europa Press.

Frequentemente descrita como "semelhante à Terra à superfície, mas com um mundo oceânico no seu interior", Titã é alvo de futuras explorações através da missão Dragonfly da NASA, que será lançada em 2027. 

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Embora tenha havido muita especulação sobre possíveis cenários que poderiam dar origem a organismos vivos em Titã com base na abundante química orgânica da lua, as estimativas anteriores sofreram com o que Affholder considera uma abordagem demasiado simplista.

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"Há uma sensação de que, devido à abundância de matéria orgânica em Titã, não há escassez de fontes de alimento que possam sustentar a vida", referiu Affholder, sublinhando que nem todas estas moléculas orgânicas podem constituir fontes de alimento. "O oceano é muito grande e a troca entre ele e a superfície, onde se encontram todos estes compostos orgânicos, é limitada. Por isso, defendemos uma abordagem mais diferenciada", apontou.

No centro da investigação está uma abordagem de "regresso ao básico" que tentou criar um cenário plausível para a vida em Titã, assumindo um dos processos metabólicos biológicos mais simples e notáveis: a fermentação.

Familiar aos terráqueos pela sua utilização no fabrico de pão de levedura natural, no fabrico de cerveja e, menos desejável, pelo seu papel na decomposição de restos esquecidos, a fermentação requer apenas moléculas orgânicas, mas nenhum "oxidante" como o oxigénio, um requisito crucial para outros processos metabólicos, como a respiração.

"A fermentação provavelmente evoluiu nos primeiros estágios da vida na Terra, e não nos obriga a considerar mecanismos desconhecidos ou especulativos que podem ou não ter ocorrido em Titã", salientou Affholder, acrescentando que a vida na Terra pode ter surgido inicialmente pela alimentação de moléculas orgânicas remanescentes da formação da Terra. Os investigadores focaram-se especificamente numa molécula orgânica: a glicina, o aminoácido mais simples conhecido.

"Sabemos que a glicina era relativamente abundante em todos os tipos de matéria primitiva do sistema solar", garantiu Affholder.
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No entanto, as simulações de computador revelaram que apenas uma pequena fração da matéria orgânica de Titã poderia ser adequada para consumo microbiano. Os micróbios que consomem glicina no oceano de Titã dependeriam de um fornecimento constante do aminoácido da superfície, através da espessa camada de gelo.

Trabalhos anteriores da mesma equipa mostraram que os meteoritos que colidem com o gelo podem deixar "poças de água líquida derretida", que depois se afundam no gelo e libertam materiais da superfície para o oceano.

"O nosso novo estudo mostra que este fornecimento pode ser suficiente apenas para sustentar uma população muito pequena de micróbios com um peso total de apenas alguns quilos, o equivalente à massa de um cão pequeno", concluiu Affholder.

Uma equipa internacional liderada pelo Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) também está a investigar as possibilidades de existência de vida em Titã. Rafael Silva, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e mestre pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa), analisou a luz do Sol refletida pela atmosfera de Titã e identificou pela primeira vez quase cem assinaturas que a molécula de metano (CH4) inscreve na banda visível do espectro eletromagnético, traços essenciais para a encontrar noutras atmosferas.

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A missão Dragonfly que a NASA prevê lançar em 2027 vai poder ajudar a “tirar teimas” sobre as hipóteses colocadas pela equipa de investigadores da Universidade de Stanford – entre outras. Nela, um lander especial, que toma a forma de um drone, vai pousar em diversos pontos da lua de Saturno para recolher amostras da sua superfície, contribuindo para determinar se existem ou não sinais de vida.