No meio de uma tempestade imprevista, a Huawei tem enfrentado nas últimas semanas o impacto do bloqueio dos Estados Unidos à sua tecnologia e a possibilidade dos principais parceiros cortarem o acesso a sistemas, serviços e tecnologia, nomeadamente a Google, Intel, Microsoft e ARM, entre outras.

A própria Huawei tem admitido que este bloqueio tem impactos económicos fortes e que se sentiu na redução do ritmo de vendas, mas tem tentado clarificar a situação a nível global, incluindo com um site de FAQ, várias entrevistas do fundador da empresa e de outras figuras de destaque, e de um compromisso com os clientes, que garante a manutenção da melhor tecnologia e experiência do cliente.

E como está a situação em Portugal? Em que medida as vendas e a credibilidade da empresa foram afetadas? E quais as principais dúvidas dos consumidores? O SAPO TEK entrevistou Tiago Flores, Sales Director Consumer Business, que reforçou o optimismo sobre a reação dos consumidores e garantiu que as vendas já retomaram o ritmo na última semana e que neste semestre a empresa vai crescer 25%.

Para além da estratégia adotada para comunicação, o compromisso e o seu significado, o Plano A e o Plano B face a este bloqueio dos Estados Unidos, falámos também do calendário de lançamentos que se vai manter com o novo Mate ainda no último trimestre, a atualização para Android Q e a tecnologia 5G.

SAPO TEK: A Huawei está no meio de uma guerra entre os EUA e a China que nas últimas semanas teve desenvolvimentos com a inclusão da empresa na lista negra dos Estados Unidos que teve impactos nas parcerias com as empresas norte americanas com que tem parcerias, não só no software com a Google mas também no hadware, processadores e tecnologia, como a ARM. Como está a empresa a reagir e qual o impacto em Portugal?

Tiago Flores: A Huawei, e como afirmou o fundador da marca, está habituada a desafios. É uma empresa que evoluiu muito rapidamente em todas as suas vertentes, começando, obviamente, pela infraestrutura, onde se tornou uma referência no setor a nível mundial, trabalhando com 170 países. Para além disso, a Huawei conta com os maiores parceiros a nível global, nomeadamente com algumas das maiores empresas americanas.

Perante este rápido desenvolvimento (em cerca de seis/sete anos a Huawei tornou-se o segundo maior fabricante a nível mundial, mesmo sem o território dos Estados Unidos) a empresa já enfrentou ao longo da sua história vários desafios.

Com esta situação em particular, a Huawei teve a preocupação de informar os consumidores que nada mudou e que nada vai mudar nos equipamentos atuais, apesar destas determinações. Este foi o nosso grande foco no último mês.

Numa primeira fase focámo-nos essencialmente na partilha de informação correta, uma vez que existiam dúvidas por parte do consumidor. Juntamente com os nossos parceiros e com a nossa força de vendas (a Huawei tem uma penetração da marca nos nossos retalhistas em mais de 120 lojas, onde temos presença de espaços de marca) estávamos muitos bem preparados para fazer este primeiro esclarecimento ao consumidor ao nível das lojas. Desta forma, informámos o consumidor que todos os equipamentos, quer sejam os que estão em loja, os que já foram vendidos e os novos fornecimentos destes equipamentos estariam perfeitamente cobertos não só a nível de patch de segurança de Android, como também no que diz respeito à utilização das aplicações, nomeadamente os Google services e outras aplicações norte-americanas, como o Youtube e o WhatsApp. Esta foi a nossa primeira preocupação.

Portugal tem um perfil de consumo ainda muito offline, onde as lojas estão abertas das 09h00 à 00h00. Por isso, era previsível que as pessoas fossem tendencionalmente esclarecer as dúvidas de forma offline e, neste sentido, preparámos muito bem os nossos services centers de Lisboa e Porto (aliás, somos a única marca em Portugal com este tipo de serviço ao consumidor) e o nosso call center.

SAPO TEK: Os últimos números mostram que a penetração de smartphones Huawei em Portugal é muito elevada. Qual foi a reação dos consumidores e quais as principais dúvidas? Podem partilhar números?

Tiago Flores: Nós não temos esses números relativos às questões dos consumidores, não os podemos partilhar. Mas um terço do consumo dos smartphones em Portugal é Huawei.

Todas as dúvidas dos consumidores foram preocupações legítimas face às notícias que surgiram relativamente à sua futura operação com estes equipamentos e o nosso enfoque foi sermos perfeitamente claros e concisos na mensagem que passámos.

Em Portugal esta situação teve um impacto muito diminuto e o que sentimos que aconteceu foi um adiamento do processo de decisão de compra. De acordo com o feedback dado nas lojas, os consumidores gostariam de comprar um equipamento da marca Huawei mas preferiram esperar por mais desenvolvimentos relativamente ao tema.

Neste primeiro semestre a Huawei vai crescer 25% no que diz respeito à presença de unidades em Portugal, muito acima do setor. Obviamente que este crescimento não coincidiu com este período, mas na última semana a marca já recuperou os níveis de performance que tínhamos até então, antes do anúncio.

Dado o feedback positivo do consumidor, a partir da primeira fase a Huawei fez um agradecimento nas redes sociais. Com este agradecimento recebemos também um feedback muito positivo, inclusive de pessoas que utilizavam outras marcas e que encorajaram a Huawei.

Depois das fake news partilhadas sobre o tema, já na segunda fase deparámo-nos com um abrandamento de notícias em relação a esta situação. A partir daí lançámos na semana passada um compromisso ao atual e futuro consumidor Huawei, através do qual assegurámos mais certezas e dados mais concretos sobre o tema.

O grande primeiro dado é que, reforçando mais uma vez, nada mudou em relação aos equipamentos que estamos a comercializar ou que vamos continuar a fornecer para o mercado, no que diz respeito a patches de segurança de Android e à utilização do acesso às aplicações conforme eram até hoje disponibilizadas.

Em segundo lugar, reforçámos também (e não tem a ver com o Android mas com a Microsoft) que a própria Microsoft também nessa semana confirmou que todos os PCs da Huawei que utilizam o Windows vão continuar a receber todos os updates de software que estejam disponíveis no futuro.

Em terceiro lugar reforçámos, o que não é normal nas marcas anteciparem este tipo de anúncios mas vimo-nos forçados a fazer esse ‘disclouser’, o upgrade para o novo sistema Android Q. Ou seja, divulgámos que 17 equipamentos têm privilégio já pela Google para serem upgraded para Android Q e que, inclusive o Mate 20 Pro, será o primeiro a receber esse upgrade porque era também aquele que já tínhamos em versão beta test em alguns utilizadores. Não é normal as empresas fazerem isto, porque o Android determina quais são as características dos equipamentos que podem ser elegíveis para determinado sistema operativo. Existem muitos equipamentos da Huawei e de outras marcas que utilizam Android que não vão sequer passar para o Android Q, porque não têm características de hardware que os permitem fazê-lo. Decidimos também, contrariamente ao que é habitual na indústria, comunicar esta notícia dos 17 equipamentos na quinta-feira. O comunicado foi publicado em quatro grandes vertentes, redes sociais, site, parceiros, ´field force´ e, obviamente, quisemos esclarecer e tornar completamente claro para os consumidores que os equipamentos atuais, existentes ou novos da gama que serão fornecidos, não serão alterados. E é esse o nosso compromisso.

SAPO Tek: Foi esse compromisso que permitiu que na última semana a Huawei registasse uma retoma da procura e compra dos equipamentos?

Tiago Flores: Existe um conjunto de fatores que podem explicar essa retoma da procura e compra dos equipamentos da Huawei. O primeiro está relacionado com o facto de as notícias terem diminuído drasticamente e, por outro lado, o consumidor percebeu a informação partilhada pela Huawei. Estamos a planear até final de junho manter a performance que tínhamos até antes do bloqueio. A Huawei não parou de investir, ou seja, o nosso investimento a nível da promoção e comunicação vai ser reforçado para o verão. Por isso estamos a manter ‘business as usual’ e continuar a apresentar a melhor proposta dos smartphones no que diz respeito a fotografia, bateria e ‘costumer experience’.

SAPO Tek: A questão da Google é muito importante e vou voltar a ela. Há uma espécie de “moratória” de três meses para a aplicação efetiva das sanções entrar em vigor. Este compromisso está relacionado com estas sanções?

Tiago Flores: No que diz respeito aos equipamentos atuais vai para além disso. As grandes dúvidas estavam relacionadas com novos equipamentos que nem sequer foram comunicados pela Huawei, caso exista essa continuidade.

SAPO Tek: Numa entrevista divulgada na comunicação social, o CEO da Huawei, Ren Zhengfei, afirmou que caso se registasse uma quebra de ligação à Google a própria Google iria perder entre 700 a 800 milhões de utilizadores Android.

Tiago Flores: O que se sabe até à data é que todo este tema está relacionado com o impacto dos novos equipamentos.

SAPO Tek: Fala-se também na alternativa que a Huawei está a preparar com o HongMeng caso surjam desenvolvimentos negativos com esta questão da Google…

Tiago Flores:  A Huawei está habituada a desafios e quer e vai continuar a trabalhar com os nossos parceiros privilegiados, Android e Microsoft, com base em razões muito otimistas. Como o nosso fundador também já referiu, caso exista alguma continuidade dessas restrições efetivas, que até hoje não o são, a Huawei, através da sua tecnologia, o seu investimento em I&D,  um dos maiores contribuidores e contributos de investimento em inovação a nível mundial, está preparada para apresentar uma alternativa aos consumidores.

SAPO Tek:  E caso esse bloqueio da Google seja efetivo o que é que a Huawei pode fazer para compensar os utilizadores?

Tiago Flores: Os equipamentos atuais da Huawei estão assegurados por esta situação, pelo que o bloqueio não iria ter impacto nestes equipamentos. Obviamente que a Huawei está atenta e confiante e o nosso compromisso é com o consumidor. Por isso, vamos adotar todas as medidas possíveis para que continue a ter a melhor experiência ao utilizar a nossa marca.

SAPO Tek: Falam também pela Honor ou só pela Huawei?

Tiago Flores: Só pela Huawei. Neste momento não respondemos pela Honor.

SAPO Tek: Para além do software, a outra questão está relacionada com a tecnologia, os processadores, chipsets e com o próprio licenciamento de tecnologia para produção dos chipsets e dos processadores com tecnologia ARM, que poderá também ter impacto no futuro desenvolvimento do hardware…

Tiago Flores: Relativamente ao hardware também estamos bem preparados para hipotéticos desafios no futuro. Os nossos flagships têm já uma dependência muito diminuta de fornecedores dos Estados Unidos. O nosso fundador afirmou que temos, obviamente, todos os planos para não estarmos tão dependentes da tecnologia americana. Mas, mais uma vez, estamos a falar de “planos B” e não da prioridade. A nossa prioridade é continuar a parceria, utilizando o hardware e contando com os parceiros americanos.

SAPO Tek: A questão passa também pela tecnologia 5G. Aliás, foi ai que começou nos Estados Unidos a resistência à tecnologia da Huawei. O que pode adiantar em relação a este tema?

Tiago Flores: A Huawei está muito confiante para o futuro, não só do ponto de vista de consumo mas também do ponto de vista da infraestrutura, porque continua a ser a única empresa no mundo que consegue estar verticalmente integrada desde a parte da infraestrutura até ao consumidor. Por isso, conseguimos oferecer aos nossos parceiros empresariais e consumidores uma experiência “end to end”. Não existe nenhum fabricante a nível mundial com este tipo de espectro de oferta. E isso reforça a nossa confiança.

A Huawei apresenta a melhor tecnologia 5G, que recebeu a semana passada o primeiro prémio de tecnologia mais avançada 5G. Para além disso, contamos com o maior investimento desde 2009 até hoje de dois biliões de dólares de 5G e temos mais de 100 mil equipamentos fornecidos 5G globalmente. Isto significa que vamos continuar a oferecer aos consumidores e às empresas a melhor tecnologia e acreditamos que a força da tecnologia e a vantagem da experiência que temos em tecnologia, consumo infraestrutura vai trazer vantagens fortíssimas para a Huawei num curto espaço de tempo.

SAPO Tek: Em Portugal, e noutros países, esta ligação entre a infraestrutura e o consumo tem dado à Huawei uma relação privilegiada com os operadores. Sentiram da parte dos operadores um sentimento de confiança face a esta situação?

Tiago Flores: No caso de Portugal contámos com o suporte de todos os nossos parceiros. Todos eles, sem qualquer hesitação, apoiaram a Huawei e, sendo parceiros de negócios, compreendem esta situação. Desde o primeiro minuto tentaram, em conjunto com a Huawei, informar também o consumidor do que se estava a passar, com base nas informações fornecidas pela marca. Não tivemos nenhuma quebra com nenhum operador de mercado, nem nenhum retalhista. Por isso, resta-nos agradecer a parceria que temos tido, principalmente em consumo, e a forma proativa e célere dos parceiros ao passar uma mensagem de confiança aos consumidores e clientes.

SAPO Tek: Caso este “incidente” não tive acontecido quais eram as previsões de crescimento da Huawei neste primeiro semestre?

Tiago Flores: É difícil calcular. O mercado português não apresenta crescimento, ainda que a tendência seja semelhante à do ano passado, ou seja, equipamentos de média e alta gama continuam a ter uma maior expressão. A Huawei tem vindo a apresentar uma maior performance que o mercado, porque consolida não só a sua presença naquilo que são os segmentos críticos no mercado em que já dominava com as melhores propostas de valor e uma presença muito consolidada e em crescimento no segmento premium, onde cada vez temos mais portfólio e sido mais reconhecidos pela nossa tecnologia e proposta de valor. Neste momento em Portugal os temas fotografia, bateria, performance e utilização são associados à Huawei. Temos crescimentos muito acima dos 25% nos topos de gama, mais do que duplicámos a nossa série P, incluindo os P30 e P20, e Mate. Estamos muito satisfeitos com esta performance porque estas tecnologias têm sido reconhecidas claramente como uma marca de referência na área da fotografia, experiência de utilização e bateria.

SAPO Tek: Este adiamento de decisão de compra que aconteceu nas primeiras semanas entre maio e junho tem um impacto maior em determinadas gamas? As dúvidas dos consumidores foram sentidas em alguma em particular?

Tiago Flores: Registaram-se comportamentos diferentes. Verificou-se uma tendência de um maior número de dúvidas no caso dos topos de gama, mas, por outro lado, muitas séries não foram afetadas, como a entrada de gama. Neste caso o processo de decisão de compra é mais imediato.

A Huawei está muito otimista porque nestas duas últimas semanas registámos uma recuperação clara em relação à semana anterior e já acima do ano passado.

SAPO Tek: A Huawei tem um calendário de lançamentos que tem sido previsível, com o lançamento da Série P na primavera e da série M no outono, normalmente em Outubro. É possível adiantar datas de novos lançamentos de equipamentos da Huawei?

Tiago Flores: Neste momento não temos datas concretas. Mas a nossa intenção é manter aquilo que apresentamos como tendência no mercado e introduzir novos equipamentos, como o novo Mate.

SAPO Tek: Outra questão que tem sido falada como alternativa a uma possível quebra de contrato de parceria com a Google seria a possibilidade de a Huawei apostar mais na sua loja de aplicações e noutras lojas de aplicações alternativas à Google, surgindo várias vezes a referência à Aptoide, uma empresa portuguesa. Estão a trabalhar neste “plano B”?

Tiago Flores: A Huawei quer continuar a oferecer a melhor tecnologia de mobile aos nossos consumidores. Não sei definir qual será o “plano B” porque consideramos que vamos manter o “plano A”.

Localmente não tenho detalhes do “plano B”. O que temos a certeza é que a Huawei vai continuar a oferecer a melhor experiência e continuar a investir arduamente em tecnologia e investigação e desenvolvimento para continuar a apresentar propostas de valor cada vez mais inovadoras e com um futuro cada vez mais abrangente com o ecossistema 5G ao consumidor e a nível empresarial que provavelmente nenhum outro fabricante vai conseguir apresentar.

SAPO Tek: A segurança e a privacidade dos dados foram um dos argumentos para o bloqueio inicial. Que garantias é que a Huawei pode dar aos consumidores neste aspecto?

Tiago Flores: Tudo o que diz respeito a esse assunto foi mencionado pelos nossos líderes. A mensagem foi clara: a Huawei não tem nenhuma questão relativamente à segurança e os nossos processos são perfeitamente conhecidos e auditáveis, tal como outra empresa qualquer que trabalha no ramo da telecomunicação.

SAPO Tek: Referiu logo no início da entrevista em que a atuação da Huawei foi organizada em duas fases de informação ao consumidor. Isso foi uma determinação dos headquarters?

Tiago Flores: Sim, é um compromisso global.