O tema da governação da Internet tem dividido posições pelo mundo fora quando se fala no futuro da grande rede, e a transição da IANA está agora nas prioridades do debate, até porque existia uma data definida para processo, que deveria estar concluído a 30 de setembro.
A propósito do tema, o TeK falou com Andrea Beccalli, Stakeholder Engagement Team do ICANN, que se tem deslocado por várias vezes a Portugal em conferências e que explicou o ponto de situação do processo e as opções que se abrem, mas que também falou de outros temas, nomeadamente do papel do ICANN e dos novos gTLDs.
TeK: Com a proximidade do 30 de setembro e o fim do contrato do ICANN com o Governo norte Americano para o IANA, há já algumas pistas para o que pode acontecer?
Andrea Beccalli : Setembro de 2015 é mais uma meta do que um deadline, porque é nessa data que o período base do atual contrato entre o Governo norte-americano e o ICANN expira. Uma perspetiva plausível assumida pela maioria dos stakeholders envolvidos tem sido e que é melhor fazer a transição de forma “certa” do que rapidamente. Está nas mãos da comunidade determinar um calendário que funcione melhor para os stakeholders enquanto desenvolvem uma proposta que cumpra as condições da NTIA. Se a comunidade precisa de mais tempo, a NTIA tem a capacidade de alargar as funções do contrato da IANA durante até mais quatro anos.
Dito isto, durante o ICANN 54, que decorrerá em Dublin em Outubro, a comunidade deverá completar as suas propostas para a transição da IANA e aumentar a responsabilização do ICANN, e a administração deverá então submeter as propostas à NTIA para revisão e aprovação.
Neste processo histórico há três fases:
1 – Desde março de 2014 a comunidade do ICANN tem trabalhado sem descanso para criar uma proposta de transição que seja submetida ao Governo dos Estados Unidos, preferencialmente até ao fim de 2015. Uma proposta paralela sobre a responsabilização do ICANN deverá ser submetida à NTIA em paralelo com a proposta de transição.
2 – Quanto o Governo norte americano receber a proposta final vai demorar entre 60 a 90 dias a revê-la
3 – Nessa altura entramos na fase de implementação. Dependendo da complexidade da implementação, pode demorar algum tempo a conseguir efetivamente a separação em relação aos EUA.
TeK: Qual é a proposta do ICANN e quais são os principais oponentes dessa estratégia? De que forma pode a decisão perturbar a evolução da Internet como a conhecemos? Há um risco real de fragmentação, e da criação de diferentes Internets?
Andrea Beccalli : O ICANN não tem uma proposta. É apenas um facilitador do processo de transição e é a comunidade de multi-stakeholder que toma as decisões e define a proposta correta. O ICANN confia no processo multistakeholder para conseguir isso, reunindo um espectro alargado de perspetivas e conhecimento de pessoas e organizações com posição na Internet para conseguir atingir decisões mais informadas e políticas para o sistema de nomes de domínio da Internet.
Ainda recentemente, no ICANN53 em Buenos Aires, o ministro das comunicações e tecnologias da informação da India, Ravi Shankar Prasad, anunciou o apoio do país ao modelo de governação multistakeholder da Internet. No ano passado a China também tinha anunciado o seu suporte no ICANN50 em Londres. Por isso um largo espectro de países e diferentes stakeholders estão a juntar-se com o ICANN e a sua forma de trabalhar multi-stakeholder.
Apesar de haver diferentes visões sobre a Governação da Internet, há um apoio alargado e forte para manter a unidade da Internet global. Alguns países podem preferir fragmentar a Internet em “segmentos nacionais da internet” como forma de reforçar o controle dos Governos em certas áreas da Internet e do conteúdo distribuído na rede. No entanto a Internet está desenhada para ser uma rede transnacional de redes, e a fragmentação da Internet só vai servir para reverter as vantagens económicas e a dinâmica da inovação que a internet conseguiu impulsionar até à data.
TeK: Os Estados Unidos e a Europa têm diferentes visões e aproximações à Governação da Internet. Acredita numa estratégia mais comum ou as diferenças vão continuar a aprofundar-se?
Andrea Beccalli : Vejo definitivamente uma estratégia mais comum a emergir à medida que há lugar a mais colaboração no modelo de multistakeholder, juntando todas as vozes na mesma mesa. A Governação da Internet é uma área alargada com muitas componentes e as suas diferenças. No entanto, este processo garante que as diferentes perspetivas, sociedades e geografias possam juntar-se para trabalhar e assegurar uma Internet aberta e interoperável.
O processo de transição das funções do IANA é complexo e também inédito, com poucos exemplos de esforços semelhantes a ser implementados a esta escala, dado todos os aspectos envolvidos, a nível político, técnico, empresarial e civil, etc. por isso é natural que o processo tenha altos e baixos, e que as diferenças emerjam. Elas deviam ser toleradas porque fazem parte de uma iniciativa robusta, inclusiva e colaborativa. Nós trabalhamos arduamente para garantir que no final do processo um mecanismo sustentável multistakeholder seja conseguido através do processo acordado pela comunidade e que está atualmente em curso.
É também importante notar o suporte expresso pelos países europeus na mais recente reunião do Conselho Europeu, que decorreu em Bruxelas a 12 de junho, onde os Governos dos 28 Estados-membros reforçaram a importância da transição e de um processo multi-stakeholder aberto que está a decorrer.
TeK: Alguns grupos questionaram o papel do ICANN como uma organização sem finslucrativos, a ligação aos Governos dos EUA, o poder que detém e até a geração de valores financeiros elevados com a comercialização dos novos gTLDs. Como vê estas críticas?
Andrea Beccalli : Desde a criação do ICANN, o Governo dos Estados Unidos e os stakeholders da Internet previram que o papel dos EUA nas funções da IANA seria temporário: a atual transição da gestão dos EUA sobre a IANA é o passo final desta evolução, depois da qual o ICANN vai ser supervisionado de forma independente pela comunidade da internet, e não por um Governo.
Em anos recentes, o ICANN tomou medidas para melhorar a sua responsabilização e transparência, e a sua competência técnica. Em paralelo, está empenhado num grande esforço para globalizar as suas operações de forma a servir melhor os stakeholders globais e a comunidade de utilizadores.
Ao mesmo tempo, o suporte internacional continua a crescer para o modelo de governação multistakeholder da internet, como evidência do continuado sucesso do Internet Governance Forum, aumento da participação em fora como o ICANN à volta do mundo e a manutenção resiliente de várias instituições.
Quanto aos novos gTLDs, parte das tarefas do ICANN é aumentar a concorrência e opções no espaço do mercado de nomes de domínio. Antes do programa dos novos gTLDs, para além de códigos de países, só havia cerca de uma dúzia de nomes de domínio de topo como .com ou .biz, por exemplo, e o mercado estava a ficar saturado: era cada vez mais difícil encontrar nomes de domínio disponíveis. Por isso a comunidade considerou que estava na altura de promover mais competição e inovação no mercado.
O novo programa de gTLDs foi desenhado para ser neutral no custo. As consultas à comunidade vão endereçar as melhores formas de usar os fundos, se resultar algum excesso. De qualquer forma, no ICANN53 em Buenos Aires, as discussões iniciais tiveram lugar para explorar os próximos passos em relação aos processos de licitação dos leilões geridos pelo ICANN para algumas strings, que são usados como último recurso quando várias organizações estão a candidatar-se para operar o mesmo gTLD. Qualquer discussão futura sobre este tóico será alargada, aberta e inclusiva.
TeK: Pode uma estratégia diferente e uma arquitetura alternativa ajudar a mudar esta perspetiva?
Andrea Beccalli : Estamos em permanente contacto com a comunidade alargada de Governação da Internet a nível nacional e regional, e tomamos parte no diálogo global sobre estas questões.
A transição da IANA vai tornar o ICANN uma organização verdadeiramente globalizada, sem ligações a qualquer Governo em particular. O processo de transição está sustentado em 17 anos de desenvolvimento de políticas bottom-up, dinamizadas de forma consensual, e isso é uma oportunidade de demonstrar a efetividade do modelo multistakeholder.
Este modelo, em que o ICANN está construído e no qual evoluiu, permite a todos terem uma voz no desenvolvimento das políticas de enquadramento do ICANN, isso inclui todos os stakeholders de empresas e da sociedade cicil, balanceando o input de todos os grupos afetados, nivelando a plataforma para que todas as vozes sejam escutadas. Abertura e inclusão estão na fundação da forma de governação do ICANN.
Para além disso, o ICANN está empenhado na sua comunidade cada vez mais global, diversa e em expansão, e tem promovido ativamente a sua globalização, desenvolvendo planos de compromisso regionais e trabalhando com a comunidade global. Como resultado, tornámos a Globalização uma prioridade estratégica no último e estamos a acelerar.
Já estabelecemos algumas bases para atingir esta visão. Hoje, e no espaço de cerca de dois anos, abrimos dois novos hubs operacionais: Istambul para cobrir a Europa, Médio Oriente e África, e Singapura para a Ásia-pacífico, que se somam à sede em Los Angeles. Com o crescimento global e a expansão da Internet, era imperativo que o ICANN refletisse este movimento a partir de dentro, para continuar a garantir o nosso suporte dentro do melhor das nossas capacidades.
TeK: Recentemente Fadi Chehadé [presidente do ICANN] fez alguns comentários sobre o risco dos cyber squatters. Registaram novos casos? É uma tendência sobre a qual temos de nos preocupar?
Andrea Beccalli : O Cybersquatting está relacionado com o registo de uma marca comercial num domínio, com má fé. Geralmente refere-se à prática de adquirir um nome de domínio que usa um nome ou marca de uma empresa existente e depois tentar vender com um bom lucro. Se eu tiver ima marca famosa aguém pode tentar registá-la por 10 dólares e vendê-la por 100 dólares,
Historicamente é uma prática que temos registado, e continua a existir mas em muito pequena percentagem no total de registos. O ICANN adotou várias medidas para proteger os donos das marcas em relação a estas ameaças. Implementámos e pedimos aos nossos parceiros para isar mecanismos de proteção de direitos como o Uniform Domain-Name Dispute-Resolution Policy (muitas vezes referida como "UDRP"), o Uniform Rapid Suspension System (conhecida como "URS"), e o Post-Delegation Dispute Resolution Procedure (ou PDDRP), e pedimos aos nossos parceiros para aderir a estas políticas e usarem estes mecanismos. Estes permitem que disputas decorrentes de regists abusivos de nomes possam ser resolvidos de forma mais expedita em processos administrativos fora dos tribunais, através de um serviço de resolução de disputas. Estes garantem aos donos de marcas registadas formas de combater o cybersquatting que são mais baratas e rápidas do eu acontecia em processos judiciais.
Em geral, estes mecanismos existem a demonstração de má-fé no registo de um nome de domínio. Isso pode ser feito, por exemplo, se um domínio foi registado ou adquirido apenas com o objetivo de o vender ao dono da marca registada; para evitar o registo do domínio para prejudicar um concorrente; ou quando é usado de forma que “sugere” que o verdadeiro dono da marca está afiliado ou patrocina o website.
Os donos das marcas têm liberdade para levar as ações a Tribunal se eles acreditarem que os seus direitos forem violados. Os mecanismos de proteção dos direitos do ICANN não limitam a capacidade de recorrer a Tribunal.
TeK: Os novos gTLDs já foram atribuídos há mais de um ano, mas muitos não estão a ser utilizados, como o .meo e o .sapo, registados por uma empresa portuguesa. Quais são os próximos passos e quando podemos esperar desenvolvimentos?
Andrea Beccalli : Ainda há novos gTLDs que estão a ser delegados na root zone. É uma medida a decorrer que estamos a acompanhar e que ainda precisa de ganhar mais divulgação pública.
O ICANN está ainda empenhado em abrir uma nova ronda de candidaturas no futuro. Antes de o fazer é importante reunir a experiência e lições aprendidas na atual ronda. A 16 de janeiro de 2015 o ICANN lançou um programa para revisão de novos gTLDs e um site que alinha as atividades que podem ter lugar no novo programa de gTLDs.
Nesta altura não há uma data anunciada para a próxima ronda, mas não deve acontecer antes de 2017. Para além disso os processos de leilão geridos pelo ICANN para strings em disputa estão a ser separados e reservados até que seja finalizado um plano para a sua utilização, através de uma consulta à comunidade e pode ser consultada online [neste site http://newgtlds.icann.org/en/applicants/auctions/proceeds].
TeK: Qual pode ser o efeito real do desenvolvimento e implementação de novos TLDs na Internet tal como a conhecemos. Parece-lhe que terão o mesmo impacto para os utilizadores? É assim tão diferente ter um website com um nome.com ou nome.pt ou nome.aero, agora que a maioria dos utilizadores encontra os seus destinos de navegação em motores de busca ou em links em redes sociais?
Andrea Beccalli : Há um conhecimento crescente dos utilizadores sobre os novos gTLDs e com isso já estão a ganhar tração. Deve lembrar-se que a maioria das pessoas usam a Internet há menos de 20 anos e olhar para a forma como se adaptaram a um cibercenário em mutação neste período. A introdução dos novos gTDs marca uma das maiores mudanças de sempre da história da internet. Com o advento do programa de novos gTLDs, mais escolha, concorrência e inovação está a ser promovida na Internet. Pela primeira vez. Os cidadãos estão a usar os domínios para refletir as suas afiliações a religiões, cidades ou comunidades.
Por exemplo, a introdução dos primeiros Internationalized Domain Name (IDN) TLDs permitiram a diversificação da Internet linguisticamente no espaço dos nomes de domínio. Isso significa que a Internet está agora pronta a ser acessível em regiões onde as línguas que não são baseadas em caracteres latinos, como o chinês, árabe ou cirílico são usadas. Este passo torna possível ao próximo milhar de milhão de utilizadores, que não falam inglês nem usam alfabeto latino, aceder à Internet na sua própria língua.
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