Com a nova lei que entra em vigor no início do próximo ano, os consumidores ganham mais direitos nas compras e vendas de bens. Para compreender melhor as mudanças das regras, incluindo o alargamento em mais um ano da garantia, assim como a obrigação das empresas garantirem peças suplentes para reparações por 10 anos, o SAPO TEK compilou uma lista com perguntas e respostas de forma simplificada.
Para além do que está na lei, o SAPO TEK quis saber a opinião de alguns dos atores no sector tecnológico, das fabricantes de produtos novos às empresas que vendem recondicionados, igualmente afetados pela lei, e claro, a DECO Proteste, a publicação da Associação de Defesa do Consumidor, para perceber se estas correspondem às necessidades dos utilizadores.
Aumento do prazo da garantia não deveria ser três anos, mas cinco, defende a DECO
Segundo a DECO PROTESTE, um dos principais impactos das novas regras é, claro, a alteração dos prazos das garantias dos bens. No caso dos móveis, passa dos atuais dois anos para três, a contar da entrega do bem. “Contudo a lei prevê que, em caso de falta de conformidade (entenda-se, defeito) se mesma ocorrer durante o terceiro ano, cabe ao consumidor provar que a mesma existia à data de entrega do bem”, explica ao SAPO TEK fonte da publicação.
Apesar do reforço dos direitos dos consumidores, a DECO PROTESTE defende que era possível ir um pouco mais longe no que diz respeito ao prazo de garantia dos bens móveis. Desde cedo que manifestou que o prazo de garantia deveria subir para os cinco anos, argumentando que o alargamento do tempo resultaria na produção de bens mais duráveis e menor impacto no ambiente.
"A lei prevê que, em caso de falta de conformidade (entenda-se, defeito) se mesma ocorrer durante o terceiro ano, cabe ao consumidor provar que a mesma existia à data de entrega do bem", refere fonte oficial da DECO PROTESTE
Mas a DECO PROTESTE assinala ainda desvantagens para os consumidores com as novas regras. “O consumidor passará a ter menos alternativas, pelo menos numa primeira análise, em caso de falta de conformidade do bem”. É explicado que face ao regime ainda em vigor, em caso de defeito de um bem móvel, o consumidor pode optar por de quatro alternativas: reparação, substituição, redução de preço e resolução de contrato. Estas opções vão manter-se a partir da mudança da lei em janeiro de 2022, mas “irão depender de determinadas condições, ou seja, conforme resulta do diploma, os direitos ficam sujeitos a diferentes patamares de precedência”.
Ainda no que diz respeito às alterações presentes no Decreto-Lei Nº84/2021, resultante da transposição das diretivas da União Europeia (770/2021 e 771/2021), o produtor tem de disponibilizar peças sobresselentes durante um prazo de 10 anos após a colocação da última unidade desse produto no mercado. “No nosso entendimento, tal medida apresenta um elevado potencial para aumentar a durabilidade dos bens e promover a reparação dos mesmos, com significativas vantagens do ponto de vista ambiental e económico”, destaca a mesma fonte.
Esclarece ainda que existem algumas exceções previstas, tais como bens cuja obrigatoriedade de disponibilização de peças seja coberta por regulamentação da União Europeia específica (em matéria de conceção ecológica), a qual prevalece (além de bens perecíveis ou, outros, cuja natureza os torne incompatíveis com estes prazos). “Estas são medidas se enquadram no chamado Green Deal, que visam a obtenção de uma economia circular; e onde estão incluídas medidas como as novas etiquetas energéticas, normas de eco-design, o direito à reparação e claro, a disponibilização de peças sobresselentes, entre outros”.
O objetivo, segundo a Defesa do Consumidor, é que o tempo de vida útil de todas as categorias de produtos se prolongue por mais tempo do que o contexto atual. “E no caso especifico dos smartphones ou computadores, essas medidas serão complementadas por outras, onde têm sido feitos também avanços, como a obrigatoriedade de disponibilização de atualizações de software (em especifico as de segurança) por um determinado período temporal”.
O que acham as fabricantes das mudanças da lei?
Com o novo decreto-lei à porta, algumas empresas já começaram a dar sinais da mudança de paradigma, sobretudo no que diz respeito à economia circular, um pouco alavancada também pela atual crise dos transístores, que tem limitado as fabricantes a satisfazer a procura de equipamentos. Em novembro, a Apple anunciou que iria começar a fornecer peças suplentes para o iPhone 12 e iPhone 13 ao público em geral, para que pudessem fazer as suas reparações em casa. A iniciativa vai começar em 2022 nos Estados Unidos e ao longo do ano vai ser expandido aos restantes países.
E ainda hoje o Fairphone 4 foi distinguido pela iFixit com a nota máxima de reparabilidade do smartphone, conquistando os seus 10 pontos plenos. Os especialistas destacaram o design modular, a garantia de acesso às partes críticas do equipamento, incluindo a facilidade de retirar a bateria, salientando que até os principiantes poderiam reparar o smartphone.
Apple vai vender peças para reparações em 2022
Nas questões colocadas pelo SAPO TEK sobre as garantias, nem todas as fabricantes tinham, para já, uma opinião formada, sobretudo no que diz respeito às peças suplentes nos próximos 10 anos. Sobre o prolongamento da garantia, Luís Castro, Service Network Manager da Samsung Portugal, refere que “a Samsung, enquanto líder de mercado, tem um papel fundamental nesta transição e irá continuar a reforçar o seu compromisso para com os seus consumidores. Queremos dar a melhor resposta possível já a partir do próximo dia 1 de janeiro e nesse sentido continuamos a analisar o melhor modelo de atuação”. Uma resposta que não esclarece, por exemplo, se as medidas podem encarecer os produtos.
A Acer, nas palavras de Jaume Pausas, marketing manager ibéria, indica que “as empresas incrementaram a sua provisão financeira para fazer frente a este período adicional, assim como a melhorar continuamente a qualidade dos produtos e dos processos pós-venda para atenuar a repercussão no seu preço”. Salienta que estas medidas vão ajudar os consumidores a tomar melhores decisões no momento de compra, destacando a redução da pegada ecológica ao incentivar a reparabilidade em vez da obsolescência. Mas reforça que sobre o eventual aumento de preços “temos vindo a adaptar-nos com rapidez e estamos a trabalhar para minimizar o impacto do preço com as novas leis”.
José Correia, diretor-geral da HP Portugal, lembra que a empresa sempre respeitou e suportou os quadros legais de cada país e “sempre adotou políticas de defesa dos interesses dos consumidores em Portugal como um amplo ecossistema de prestadores de serviço e de fornecimento de peças para dar resposta a questões de pós-venda”. Por isso, diz que a HP vai suportar as novas regras, até porque a adição de mais um ano de garantia já era “uma opção tomada por muitos consumidores e que a HP já disponibiliza gratuitamente a quem aderir à solução HP+ nas impressoras domésticas, por exemplo.” No entanto, a empresa ainda não tomou uma decisão sobre se a adição de um ano de garantia adicional vai ser refletida em aumentos dos preços dos produtos.
O Pre-Sales Engineer da fornecedora de acessórios de conetividade TP-Link, Carlos Costa, salienta que a fabricante já se posicionava no mercado com um serviço de pós-venda referente ao terceiro ano de garantia na sua gama de produtos SOHO. “Como fabricante, vamos cumprir com todos os critérios necessários para garantir peças suplementares a partir de janeiro de 2022” e que a gestão do terceiro ano de garantia passará para os seus parceiros comerciais. A empresa garante que vai manter a sua estratégia no mercado sem comprometer o preço dos seus produtos com a introdução da nova legislação. “Vamos manter o posicionamento diferenciador com uma indicação clara do valor que trazemos ao consumidor”.
Segundo fonte oficial da Huawei, a empresa respeita as leis de todos os países em que está presente. “Levamos muito a sério as sugestões e necessidades dos nossos consumidores, garantindo e priorizando a melhor experiência de utilização com os nossos produtos e serviços”. A fonte oficial da empresa indica assim, que quando entrar em vigor a lei portuguesa irá proceder às alterações necessárias, mas não se pronunciou sobre as questões de eventuais aumentos de preço ou se concorda com o stock de peças suplentes.
A Lenovo é uma das fabricantes líderes de vendas de computadores para gaming e tablets em Portugal e tem sido uma das mais vocais no que diz respeito às novas leis das garantias. Numa recente apresentação de produtos em Portugal, a Lenovo mostrou-se preocupada com a obrigação das marcas terem de garantir peças para 10 anos. Isto porque na sua opinião, ninguém utiliza um equipamento eletrónico durante tanto tempo, devido à tecnologia estar em constante renovação, ficando os produtos obsoletos em poucos anos.
Nas novas declarações ao SAPO TEK, Fabio Capocchi, diretor de marketing da Lenovo para o mercado ibérico, reforça a grande certeza e confiança na qualidade dos seus equipamentos. “A indústria de TI é um setor de inovação rápida, o que significa que muitos novos componentes estão no mercado a cada ano e, desta forma, o número total de peças suplentes para armazenar será definitivamente impressionante.”
"Vemos uma nova geração de componentes-chave como CPUs a surgir a cada 18 meses, geralmente com melhorias no consumo de energia, velocidade de cálculo e segurança, e respeitamos totalmente o desejo de reparação enquanto, simultaneamente, também nos preocupamos com o ecossistema de TI atualizado, que o utilizador final deve ter após 10 anos”, Fabio Capocchi da Lenovo.
Fabio Capocchi afirma que, considerando os seus dados e histórico, a taxa de pedidos de reparação após três anos é limitada. “Também historicamente, vemos uma nova geração de componentes-chave como CPUs a surgir a cada 18 meses, geralmente com melhorias no consumo de energia, velocidade de cálculo e segurança, e respeitamos totalmente o desejo de reparação enquanto, simultaneamente, também nos preocupamos com o ecossistema de TI atualizado, que o utilizador final deve ter após 10 anos”.
Nesse sentido, afirma ainda que “com a necessidade de alargamento das garantias e a disponibilização de todas as peças suplentes, os preços para o consumidor final poderão ser ajustados em conformidade”. A possibilidade do aumento dos preços é uma opinião partilhada pela HP. Segundo José Correia, considerando que os consumidores vão sentir-se mais protegidos a comprar novos equipamentos, poderá traduzir-se numa maior procura. “O risco será um aumento dos preços dos produtos para acomodar o acréscimo do custo de um ano adicional de garantia que pode levar alguns consumidores a optar por produtos de uma gama mais baixa ou abster-se de renovar os seus equipamentos”.
Jaume Pausas tem um pensamento alinhado no que diz respeito ao aumento de proteção ao consumidor e respetiva confiança, levando a um aumento da procura, “e um decréscimo de vendas a médio prazo devido à garantia mais prolongada”.
Sustentabilidade ganha com nova legislação
Além dos produtos novos, também os equipamentos e bens recondicionados e em segunda-mão, quando vendidos por profissionais, vão ser afetados pelas novas regras. Neste caso, também terão de oferecer três anos de garantia, com uma redução do prazo, por mútuo acordo.
Da parte da Acer, Jaume Pausas afirma o efeito positivo para a sustentabilidade do meio ambiente. Afirma que “é um passo mais na estratégia da economia circula, um modelo que implica reutilizar, reparar e reciclar os produtos para prolongar o seu círculo de vida”. Por outro lado, salienta que pode ser uma desvantagem para as empresas que não tenham apostado num serviço técnico forte e adaptável às novas circunstâncias.
“O risco será um aumento dos preços dos produtos para acomodar o acréscimo do custo de um ano adicional de garantia que pode levar alguns consumidores a optar por produtos de uma gama mais baixa ou abster-se de renovar os seus equipamentos", José Correia da HP
A Lenovo diz que está satisfeita com a nova legislação das garantias e pelo desejo de manter os consumidores felizes e confiantes com os produtos. Diz que é benéfico para a indústria que todos os diferentes players aumentem a durabilidade e qualidade dos seus produtos, salientando que na Lenovo “já tínhamos e continuaremos a ter grande confiança nos equipamentos que colocamos no mercado, de tal forma que é por isso que disponibilizamos serviços pós-venda como o Lenovo Elite”.
Apesar da redução no impacto ambiental, que salienta como vantagem, do outro lado da balança Fabio Capocchi diz que será necessário um esforço para ter capacidade de armazenamento de peças suplentes, como por exemplo as baterias, “que armazenadas não duram longos períodos de tempo em perfeitas condições e acabarão por não ser todas usadas, resultam num impacto negativo para o ambiente”.
O desafio de manter as peças em stock por 10 anos pelas empresas é partilhado pela TP-Link, devido à constante evolução tecnológica dos componentes.
De um modo geral, as empresas tecnológicas estão disponíveis para abraçar as novas leis, demonstrando que estas reforçam a qualidade dos produtos, abrindo uma maior competitividade e opções aos consumidores, sejam eles novos ou recondicionados. Mas a obrigação de guardar as peças sobressalentes por 10 anos divide opiniões, entre os que apoiam as economias circulares e os que consideram que muitos componentes tecnológicos podem ficar obsoletos com o avanço rápido da tecnologia.
Para a produção deste artigo, o SAPO TEK ainda contactou a Microsoft e a Asus, não estando disponíveis para prestar declarações sobre o assunto, assim como a iServices, que no fecho da peça ainda não tinha enviado as respostas.
Este artigo integra o Especial NOVA LEI DAS GARANTIAS: COMO VAI BENEFICIAR OS CONSUMIDORES?
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