O ano começou com boas perspectivas no horizonte para a Bitcoin, a criptomoeda mais conhecida e negociada. Logo no início de 2024, a criptomoeda estava a ser negociada acima dos 45 mil dólares, algo que não acontecia desde abril de 2022.
A expectativa de que o regulador norte-americano Securities and Exchange Commission (SEC) aprove o primeiro ETF (Exchange Traded Fund) com exposição direta à Bitcoin ajudou na subida do valor da criptomoeda. O regulador tem até ao dia 10 de janeiro para tomar uma decisão e a aprovação poderá abrir o mercado da criptomoeda a muitos mais investidores.
Anteriormente, o regulador rejeitou múltiplos pedidos para a aprovação de um ETF com exposição direta à Bitcoin. O primeiro foi submetido em 2013 por Tyler e Cameron Winklevoss, com muitos outros a surgirem e a serem rejeitados ao longo dos últimos 10 anos.
Para a SEC tem prevalecido o argumento de que o mercado das criptomoedas é vulnerável a manipulações, uma ideia fortemente defendida por Gary Gensler, presidente da entidade reguladora.
No entanto, em outubro do ano passado, a SEC perdeu uma batalha legal com a gestora de investimentos cripto Grayscale Investments. Já em dezembro, numa entrevista à CNBC, Gary Gensler afirmou que o regulador se estava a preparar para rever os pedidos à luz da decisão do tribunal.
Em resposta, várias empresas gestoras de ativos, da BlackRock à Grayscale, reforçaram a sua aposta nesta área, atualizando pedidos feitos anteriormente e submetendo toda a documentação necessária junto do regulador.
Mas o que significa esta decisão e que impacto pode ter para o ecossistema das criptomoedas? O SAPO TEK falou com Nuno Lima da Luz, presidente da Associação Portuguesa de Blockchain e Criptomoedas (APBC) e Hugo Volz Oliveira, Secretário e membro fundador do Instituto New Economy, e reunimos 6 perguntas e respostas essenciais para o ajudar a compreender o assunto.
O que é um ETF?
Ao SAPO TEK, Nuno Lima da Luz e Hugo Volz Oliveira explicam que os ETFs (ou Fundos Negociados em Bolsa, em português), são fundos de investimento disponíveis em bolsas tradicionais que acompanham índices, matérias-primas, obrigações ou ativos.
“De forma simplificada, facilitam o acesso a certos ativos, quer seja de forma individual ou em grupo, como por exemplo, o acesso a todo um índice de acções, como sejam todas as empresas do PSI-20, do S&P 500, ou de um certo sector ou combinação de sectores”, indica o Secretário e membro fundador do Instituto New Economy.
Os ETFs “são tipicamente caracterizados por serem mais baratos que outros fundos pois a sua gestão é relativamente passiva, tendo assim comissões e taxas reduzidas”, afirma Hugo Volz Oliveira, acrescentando que são também muito líquidos, “podendo ser comercializados em várias bolsas de fácil acesso a todo o tipo de investidores”.
Como detalha Nuno Lima da Luz, os ETFs “permitem que os investidores comprem uma cesta de ativos ao invés de títulos individuais, oferecendo diversificação e menor risco”.
Já existem ETFs de Bitcoin?
Sim, mas aqui importa ter em conta uma diferenciação importante, entre ETF com exposição a futuros de Bitcoin e ETF com exposição direta à Bitcoin.
Nos Estados Unidos já existem ETFs com exposição a futuros de Bitcoin, como o Bitcoin Strategy ETF da ProShares, o primeiro a fazer a sua estreia na bolsa de valores de Nova Iorque em outubro de 2021.
No caso dos ETF com exposição a futuros de Bitcoin, o investimento é feito em contratos futuros da criptomoeda. O desempenho do ETF não está diretamente ligado ao preço da Bitcoin, mas sim ao desempenho destes contratos.
Então o que é um ETF com exposição direta à Bitcoin?
“Um ETF com exposição direta a Bitcoin é um tipo de ETF que investe diretamente em Bitcoin”, explica Nuno Lima da Luz. Em vez de comprar ações ou matérias primas, “o fundo compra Bitcoin e procede à sua custódia, diretamente ou através de um custodiante habilitado para tal”.
Tal significa que “o desempenho do ETF está diretamente ligado ao preço da Bitcoin”, realça o presidente da APBC. “Os investidores, portanto, têm uma exposição mais direta à performance do Bitcoin, sem a necessidade de comprar e guardar esse ativo a título pessoal”.
Hugo Volz Oliveira acrescenta que, com um ETF deste tipo, cidadãos e instituições dos Estados Unidos passam a “ter acesso a Bitcoin nos canais tradicionais (como bolsas ou apps de bancos), sem terem de lidar diretamente com o ecossistema dos criptoativos, nem com as respectivas implicações que tal acarreta”.
Existem países ou regiões que já aprovaram ETFs com exposição direta à Bitcoin?
Sim. “Não esquecer que entre nós, na União Europeia, já tínhamos um ETF de Bitcoin, nos mesmos moldes que estes que vão ser lançados nos EUA, da Jacobi Asset Management”, lembra Nuno Lima da Luz.
Países como Canadá, Alemanha, Brasil ou Austrália, mas também regiões conhecidas como "paraísos fisciais", à semelhança de Jersey, Suíça, Liechtenstein e Guernsey, já aprovaram ETFs com exposição direta à Bitcoin. De acordo com dados avançados por um recente relatório da CoinGecko, o Canadá é o país com mais ETFs deste tipo, perfazendo 2,79 milhões de dólares em ativos.
Que impacto pode ter a aprovação de ETF com exposição direta à Bitcoin pela SEC?
São vários os impactos positivos que a aprovação de um ETF com exposição direta à Bitcoin pela SEC, explica Nuno Lima da Luz. Em particular, pode resultar num aumento do preço da criptomoeda, “fruto da pressão na sua procura, restaurando a confiança no mercado de criptomoedas após eventos adversos, como o colapso da FTX, da TerraLUNA e outros”.
Segundo o presidente da APBC, a aprovação “aumentaria a legitimidade da Bitcoin aos olhos de investidores institucionais e do público em geral”, algo que levaria a um influxo de dinheiro institucional. “Além disso, a aprovação dos ETFs tornaria mais fácil e seguro para os investidores tradicionais investirem em Bitcoin, ainda que indiretamente”, destaca o responsável.
“Esta exposição directa é significativa pois tem custos e riscos menores que a exposição sintética”, acrescenta Hugo Volz Oliveira. “Portanto, antecipa-se que venham a ter mais procura e permitir que o cidadão comum ou que fundos de pensões mais conservadores possam mais facilmente ganhar exposição ao preço de bitcoin”, afirma.
O que pode acontecer se não for aprovado? Qual seria o impacto?
Nas palavras do presidente da APBC, “o impacto mais imediato poderia ser negativo no preço do ativo, já que as expectativas de aprovação geralmente levam a um aumento antecipatório nos preços”.
Uma não aprovação poderia também “manter os investidores institucionais afastados de Bitcoin”, acrescenta Nuno Lima da Luz, pois “muitos preferem investir através de veículos regulamentados como os ETFs”.
“No entanto, é importante realçar que Bitcoin não necessita de ETFs para se estabelecer como um ativo que funciona de modo completamente descentralizado”, realça o presidente da APBC.
“A rede continuará a funcionar e o paradigma que Bitcoin representa continuará a verificar-se ainda que o regulador norte-americano decida desfavoravelmente”, afirma.
Em linha com Nuno Lima da Luz, Hugo Volz Oliveira indica que se a aprovação não acontecer “seria expectável que o mercado reagisse de forma negativa à notícia até que houvesse alguma nova informação a clarificar o caminho para a aprovação futura destes fundos”.
Ambos os especialistas defendem que um cenário de não aprovação é pouco provável. Em particular, “dado o facto deste processo ter indirectamente começado há 10 anos” e de a SEC ter confirmado que não tinha mais comentários a fazer aos processos em curso, que já entregaram os documentos finais necessários, indica o Secretário e membro fundador do Instituto New Economy.
Como realça Hugo Volz Oliveira, “as informações públicas sobre os 11 fundos, que incluem gigantes das finanças como a Blackrock, que já viu aprovados 575 ETFs diferentes e só sofreu uma rejeição até hoje, indicam que não haverá nenhuma surpresa negativa”.
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