Hoje comemora-se o Dia da Internet, e talvez seja uma data importante para refletir não a importância que a tecnologia e as ligações online têm na vida das pessoas, mas sim, desligar-se do mundo digital e voltar a encontrar-se a si mesmo, e quem sabe as relações pessoais “mais físicas”. Até pode ser uma ironia, porque o último ano e meio ficou marcado pela pandemia, que obrigou as pessoas a ficarem em casa, limitadas no contacto com família e amigos, encontrando refugio exatamente na tecnologia.
Sem a internet, smartphones e computadores, seríamos certamente uma espécie de eremitas neste período. Mas ao mesmo tempo, mostrou o quanto estamos dependentes da tecnologia, e a questão é compreender se são as pessoas que controlam os equipamentos, ou se é a tecnologia: as notificações constantes, a pressa de verificar as redes sociais e emails, e o querer saber tudo o que se passa no mundo digital.
A necessidade de mudar para uma vida “offline”
Muitas pessoas começaram a ganhar exatamente essa consciência, e desejam mudar o seu estilo de vida online. Um estudo realizado no início de 2020, referente a um período pré-pandemia, da Kaspersky, mostrou que 40% dos internautas europeus tinham como metas para o ano mudar o seu estilo de vida online. O objetivo era exatamente reduzir o tempo que passavam agarrados aos seus gadgets, em resoluções que ultrapassavam os habituais “perder peso” ou “ter uma vida mais saudável”.
A isto chama-se Detox Digital, que tal como explicou Barbara Miranda, fundadora do Portugal Offline ao SAPO TEK, trata-se de um movimento que surgiu em 2010 nos Estados Unidos. E a própria, uma arquiteta de 39 anos a viver atualmente em Aljezur, que por estar sempre ligada ao smartphone e internet notou o quanto isso a estava a influenciar, na relação social com as pessoas. Apesar de ser normal, como as tecnologias influenciam o mundo social, teve necessidade de se desligar dos ecrãs, e ter a sua mente mais presente.
Por norma, estas decisões de se desligar nunca são feitas de um dia para o outro, podem mesmo demorar anos, mas no caso de Barbara Miranda, teve a necessidade de encontrar um equilíbrio entre estar online e offline. Diz que ao estarmos agarrados à tecnologia de diferentes formas, perde-se a privacidade, além de “haver cada vez mais uma restrição dos sentidos, o olhar, o tocar. Estamos cada vez mais agarrados à tecnologia em vez de estabelecer um contacto humano”.
Barbara Miranda explicou ao SAPO TEK que há muita informação que vem no ecrã, e quanto mais cheio fica o cérebro, mais a criatividade diminui. Afirma que desde que descobriu os chats do velhinho mIRC sentiu que os seus níveis criativos baixaram, pois antes dançava muito e fazia atividades, e na faculdade o computador lhe substituiu o desenho à mão. “As redes sociais tendiam a querer organizar tudo, deixando de lado qualquer margem de improvisação”.
Ao longo de 12 anos a trabalhar como arquiteta em Londres, Barbara Miranda teve um burnout e começou a fazer o seu próprio Detox Digital em casa, desligando o telemóvel quando estava sozinha para praticar ioga. Percebeu que vivia muito no passado, que tem a ver com depressão, e a pensar em coisas do futuro que lhe davam ansiedade. E as tecnologias tiveram impacto nisso, refere.
O online dating foi um dos motivos que a levou a fazer o Detox, pois considerou que as pessoas deveriam conhecer-se mais naturalmente e presencialmente do que olhar para uma fotografia. Assim, pensou que para as pessoas se ligarem entre si deveria ser feito em offline. Fez cursos de ioga, meditação e reiki na Índia, e decidiu dedicar-se totalmente ao projeto Portugal Offline, com atividades e workshops, criando, há seis anos, a “offline house” na Arrifana, naquela que seria o desligar-se das tecnologias e voltar ao básico, “colocar as pessoas a falar entre si, tal como se fossem crianças”, promovendo atividades básicas, de conexão entre si e com a natureza, na prática de ioga, surf, música. E depois evoluiu para atividades mais criativas como a pintura. E tudo na base da espontaneidade, sem um programa, mas sim com uma estrutura de terapias.
Durante os primeiros três anos havia programas para estadias de três noites, mas nos últimos anos a experiência mínima era de uma semana, de forma às pessoas poderem mesmo desligar-se do exterior. Os clientes que procuram estas experiências são pessoas cansadas, com elevados níveis de stress e em vias de burnout, diz Barbara Miranda sobre o perfil de quem procura estas terapias.
E por ser um conceito novo, as pessoas iam um pouco ao desconhecido, um público entre os 25 aos 50 anos, maioritariamente mulheres. “Com os homens é mais complicado, pois andam sempre a querer verificar o smartphone, ou por norma vinham a acompanhar as namoradas”. E na entrevista de inscrição da experiência, o conceito “offline” era para ser levado à letra, pois ficava definido que o telemóvel ficava guardado num cacifro. Em caso de emergência os contactos próximos ficavam com o número da organização. Na primeira casa offline houve o “atrevimento” de irem buscar o smartphone, mas depois quando mudaram para a quinta, os grupos eram mais coesos e não quebraram essas “regras”.
Com a COVID-19, no ano passado ainda houve duas experiências do offline, mas este ano decidiu colocar o projeto em pausa e voltar para a arquitetura. “A experiência envolve muito o toque, o conectar uns com os outros e ultrapassar essa barreira. E com a pandemia o conceito teve de ser repensado, devido às normas de segurança, e claro, do distanciamento social”. Atualmente em Aljezur, mas continua como arquiteta no projeto Inline Home Design, que dá continuidade aos ensinamentos e dicas da experiência offline. Mas também ajudar as pessoas que estão em casa frustradas ou sozinhas decido ao confinamento, e as que não conseguem fazer uma diferenciação entre o tempo livre e trabalho.
Ainda assim, refere que a internet, que ironicamente tem ligado as pessoas durante a pandemia, é uma ótima ferramenta, e diz que neste momento sente que o regresso à normalidade, por termos estado tanto tempo isolados e restringidos dos sentidos e destreinados, será necessário um “reaprender” social.
Dicas para um Detox Digital
O SAPO TEK pediu algumas dicas à especialista sobre como aplicar, no dia a dia, um detox digital. O principal conselho é logo ao acordar ou ao deitar, nunca ter a tecnologia ao lado da cama. As pessoas devem levantar-se tranquilas sem a necessidade de irem a correr ver notificações ou as redes sociais.
Explica que um pouco de exercício físico, um banho e um pequeno almoço ajudam a despertar o corpo e a mente, e só então depois começar as rotinas do dia, verificando o smartphone e o que necessitar. À noite, deve ter hábitos mais saudáveis, tais como escrever ou ler, “mas acima de tudo, termos tempo para nós”.
Os especialistas de Havard afirmam mesmo que sair para fazer um jogging de 20 minutos todos os dias já é suficiente para melhorar o estando mental no geral.
A maioria dos smartphones e tablets já permitem rastrear o tempo de atividade dos utilizadores tanto nas apps, como nas redes sociais ou no equipamento em geral. Assim, pode sempre avaliar quanto tempo gasta em determinada atividade digital e repensar o seu uso. Quando se desloca nos transportes públicos pode também trocar o smartphone por um jornal ou livro para reduzir o tempo que está a olhar para um ecrã. Ou durante as refeições, sobretudo quando está sozinho. Os especialistas referem ainda que um bom detox digital pode ser feito com a ajuda de um companheiro, que tenha como tarefa lançar um alerta de consciencialização quando pega nos equipamentos.
Também existem aplicações que ajudam a controlar o tempo que está no smartphone, como o Digitox. A aplicação permite “dosear” o tempo gasto no telemóvel, permitindo dar mais prioridade aos momentos importantes da vida. A aplicação apresenta um conjunto de ferramentas especialmente direcionadas para quem quer fazer um detox digital. Os utilizadores podem verificar quanto tempo passam no seu smartphone ou tablet e estabelecer limites de utilização diária. A Digitox disponibiliza também lembretes para refrescar a memória aos mais “esquecidos”. Pode fazer o download gratuito da app na Play Store para Android.
Mas se quiser ser mais radical, há uma lista de aplicações que pode desinstalar, e entre as escolhas estão aplicações que o deixam stressado, não respeitam a sua privacidade ou que podem não valer o dinheiro que paga por elas. De notar, no entanto, que estes são apenas alguns exemplos de apps como pode ver na galeria.
E já existem desafios, um pouco por todo o mundo, a desafiar as pessoas a fazer um detox digital, com prémios monetários que cativam os utilizadores a dar o primeiro passo na “desintoxicação”. Nos Estados Unidos, a Reviews.org tem 2.400 dólares (cerca de 2.030 euros) para dar a quem provar que consegue estar 24 horas sem gadgets. Inclui no leque smartphone, computador, tablet, relógio e outros wearables, consolas e dispositivos inteligentes para a casa, como televisores, aspiradores ou colunas. O micro-ondas escapa.
Quem aceitar participar no desafio recebe um cofre para trancar os gadgets do dia-a-dia e um voucher de 200 dólares, para fazer compras na Amazon e montar um kit de sobrevivência não-digital. Escolhe o dia do detox, e quando o completar tem de provar que não fez batota, com registos de acesso aos equipamentos “proibidos”.
Os nómadas digitais também necessitam de uma paragem
Durante a pesquisa do SAPO TEK sobre testemunhos de pessoas que optaram por fazer um detox digital, encontrou Raquel Ribeiro, uma viajante e blogger, mas acima de tudo considera-se literalmente uma nómada digital. É psicóloga de profissão, que exerceu durante 11 anos, mas começou a ver o mundo de fora diferente depois de ter começado a viajar, algo que lhe mudaria o seu estilo de vida. Para si, deixou de fazer sentido o seu trabalho, e durante quatro ou cinco anos começou a sua preparação mental e económica. Despediu-se do seu trabalho e partiu com o seu companheiro, um informático com total liberdade laboral, para outros locais.
Atualmente tem o projeto Overtrail, que está ligado a uma cooperativa inglesa que tem como objetivo ajudar a trazer pessoas para as zonas rurais de Portugal, que procuram um estilo de vida mais natural, a cultivar os seus alimentos, por exemplo. No fundo ajudam a publicitar férias em Portugal, mas numa visão mais rural e ecológica.
Quando o SAPO TEK falou com Raquel Ribeiro, encontrava-se numa quinta, algures numa aldeia perto de Tábua, em Coimbra, numa marcação à hora certa para que estivesse num local com rede. Explica que se considera uma nómada digital por viver, nos últimos dois anos e meio numa autocaravana que o casal utiliza nas suas viagens pelo país e Europa. “Antes andávamos sempre de mochilas às costas, com os computadores de um lado para o outro. E era difícil compatibilizar as viagens, mudanças de hotel, sempre com a preocupação de ter acesso à internet, que muitas vezes era fraca, para trabalhar. E isso era stressante, pois muitas vezes passavam o dia todo a trabalhar no hotel para apenas no final do dia ir dar uma volta”. Chegou à conclusão que muito do seu tempo de viagem era passado num hotel, a pagar por alojamento.
Por isso decidiram criar a sua casa ambulante, investiram na autocaravana e podem ir para onde querem, mantendo a ligação online. E ao mesmo tempo que satisfazem a sua vontade “nómada” aproveitam por ir visitar os seus clientes, conhecer os produtos, para igualmente fazerem melhor o seu trabalho de divulgação. Consideram que estão sempre em digressão, pois podem fazer o seu trabalho em qualquer lado. “Aquilo que a pandemia ensinou sobre o teletrabalho, e a maior parte das profissões o permite, nós já o fazíamos há algum tempo”. A sua residência física foi alugada, o que é uma ajuda nas suas despesas. Nas suas viagens encontra ainda oportunidades de compra e venda de eventuais imóveis, referindo que não quer depender apenas de uma coisa na sua subsistência.
Apesar de depender da internet para trabalhar, Raquel Ribeiro afirma que esta não deve controlar e apoderar-se das pessoas. E diz que adora as redes sociais e as respetivas conexões criadas, pois tem um impacto positivo na sua área pessoal e profissional, mas não pode deixar que isso controlo a vida. “Há que saber gerir e parar, fazendo um equilíbrio. No entanto, chegou a sentir que tinha muitas notificações no smartphone e quando achou que a tecnologia estava a “ganhar”, resolveu fazer um detox digital. Até porque nunca tem férias, nem fins de semana, os seus dias são praticamente iguais na obrigação de estar sempre presente nos seus trabalhos.
“O maior desafio como nómada digital é conseguir obter espaço, e viver num espaço de 9 metros quadrados com o companheiro, torna-se difícil distinguir a área de lazer e de trabalho. O tentar lembrar que sou e o que estou a fazer para não me deixar levar pela vida rápida”, afirma. Por isso, tentou definir prioridades, criar regras e barreiras, desligar as notificações para “não ser comida pela realidade tecnológica”.
Quando decidiu fazer o seu detox digital escolheu a colónia Portugal Offline, tendo-se voluntariado e integrar a equipa de Barbara Miranda, usufruindo gratuitamente da experiência enquanto ajudava nas tarefas. Refere que na sua experiência pessoal, foi apresentado um livro com técnicas do detox, com diversas atividades com o foco no presente, tendo implementado na sua vida alguns desses ensinamentos. Desenhou mandalas, fez journaling (um diário onde regista as experiências do dia-a-dia). Mas diz que o ambiente comunitário foi o mais importante: “criaram-se laços entre as pessoas que levou para casa, juntamente com as experiências”.
Questionada sobre se lhe tinha custado viver sem a tecnologia ou qualquer tentação em espreitar o telemóvel, Raquel Ribeiro reforça que não era verdadeiramente proibido, apenas sugerido. Mas na sua estadia disse que uma vez se sentiu ansiosa por causa do seu pai, porque desde que a sua mãe faleceu tornou-se protetora, dizendo que atualmente lhe liga todos os dias. No Portugal Offline diz que só custou o primeiro dia ficar sem o telemóvel.
O pior foi mesmo no final da estaria no retiro. “Estava com receio de ligar o telemóvel, de disparar muitas notificações” e por isso teve que se mentalizar primeiro. Depois da experiência e quando voltou ao seu quotidiano, conseguiu fazer o que aprendeu no retiro durante algum tempo. Percebeu, sobretudo, que não depende do telemóvel para viver, uma consciência que continua a utilizar. “Coloco o telemóvel num local onde estão a olhar para ele, longe da vista, para não perder depois 30 minutos de volta dele”. Apesar de já ter deixado de usar as técnicas que aprendeu, e de ter a internet ligada sempre durante o dia, já tem uma hora para o desligar de noite. “Obviamente que tudo isto foi um processo, e cada nova experiência vai moldando a nossa vida”.
Afirma que gostaria de fazer um detox 3 ou 4 vezes por ano, mas o seu estilo de vida sempre a viajar dificulta. Até porque diz que não vai parar a sua vida para planear um detox, depende sempre de onde estiver, seja um retiro com foco espiritual, por exemplo. “Não tem que haver um retiro chamado detox digital, mas este tem de estar sempre presente no nosso dia-a-dia”, refere, dizendo que em muitos locais onde passa pratica-se ioga, entre outras atividades que a ajudam a pensar no presente. No entanto, destaca que como casal não podem fazer os dois em simultâneo, “alguém tem de ficar a tomar conta do negócio…”
A conclusão que se retira é que ninguém consegue viver sem a tecnologia, que está enraizada no quotidiano, no trabalho e relações sociais. Mas há sempre que haver um controlo do tempo e quando se está à volta dos equipamentos. Consegue-se viver um pouco melhor se conseguir pousar o telemóvel nem que seja por um par de horas e abster-se do que se passa no mundo digital, para prestar mais atenção no real.
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